Concessão do STFC exige uma outra visão sobre bens reversíveis, apontam especialistas

Fio de par-trançado de cobre

A Anatel reuniu nesta quinta, 19, especialistas e acadêmicos para discutir a questão dos bens reversíveis nas concessões de telecomunicações. Para estes especialistas, o conceito de bens reversíveis precisa ser relativizado e analisado no contexto em que foi concebido para o setor, algo que vai além da simples dicotomia entre a visão patrimonialista ou funcionalista dos bens, que tem vigorado nos últimos anos de debate sobre o tema. Mesmo assim, o seminário realizado pela agência não trouxe nenhuma fundamentação para justificar a adoção de uma visão meramente patrimonialista.

Como se sabe, a questão dos bens reversíveis é, há vários anos, vista como como um dos principais obstáculos ao encaminhamento de qualquer revisão de modelo de telecom, ajustando-o ao ambiente da banda larga e da mobilidade.

Para a acadêmica e advogada Helena Xavier, uma das principais estudiosas do modelo de telecomunicações brasileiro, a concessão de telecomunicações é muito diferente daquela encontrada em outros setores, porque não se trata da concessão de uma infraestrutura pública para ser explorado e depois devolvida, ou de uma obra pública a ser construída.

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Segundo a especialista, o Brasil alienou sua infraestrutura de telecomunicações, passando-a para a iniciativa privada no processo de privatização, e a concessão do STFC passou a ter como objeto a prestação do serviço, tendo como contrapartida o atingimento de metas de universalização e qualidade. A própria Emenda Constitucional número 8, de 1995, acabou com o conceito de rede pública de telecomunicações, lembrou a palestrante. Além disso, diz Helena Xavier, a infraestrutura utilizada para os serviços de STFC não é exclusiva do objeto da concessão, ou seja, existem outros serviços que são explorador em regime privado e que utilizam a mesma infraestrutura. Além disso, a exploração do mesmo serviço pode ser feita concomitantemente em regime privado e público, e os serviços prestados em regime público podem ser livremente definidos pelo Poder Executivo, por orientação da Anatel.

A partir destas condições, diz ela, a existência de bens materiais do domínio público da União afetos à prestação do STFC não é elemento essencial da concessão de STFC (tanto que são admitidos bens de terceiros) e que o papel da Anatel é apenas o de realizar o acompanhamento, mas não ter ingerência sobre a administração destes bens. Segundo Helena Xavier, considerando que bens reversíveis são aqueles indispensáveis à continuidade e atualidade do STFC no regime público, sua reversão depende da continuidade dos serviços, pois a extinção da concessão devolve à União os direitos e deveres relativos à prestação do serviço.

O jurista Jacintho Câmara se alinha ao raciocínio de Helena Xavier de que a questão da reversibilidade de bens não é fundamental para a continuidade do serviço público. Ele relembra que na época de formulação dos contratos de concessão o instrumento de reversibilidade foi elaborado para dar segurança ao investidor, no sentido de garantir que haveria indenização dos investimentos não amortizados caso a concessão fosse interrompida antes do prazo. A restrição de que seriam revertidos apenas os bens indispensáveis foi uma forma de minimizar possíveis impactos para o Estado. "O contrato poderia ter não incluído essa reversibilidade, ela surgiu apenas para dar apenas mais garantias (ao investidor). Tanto que o que entra é apenas que é indispensável. E foi assim porque se ficasse inchando a relação aumentava-se a conta para o poder público pagar". Além disso, diz Jacintho Câmara, outras concessões de telecomunicações, como a do antigo Serviço Móvel Celular (SCM), que se tornou a atual autorização de SMP, ou as concessões de TV a cabo, hoje Serviço de Acesso Condicionado, foram extintas ou transformadas sem nenhuma discussão sobre reversão de bens.

Ele lembra que a concessão de STFC tem um caráter tão único que sequer previsão de investimentos foram feitas pelo Estado, ao contrário do que existe em outras concessões de infraestrutura. Para ele, "quando se fez o contrato (de concessão) acreditava-se que seria possível não reverter nada, e nunca se ampliaria o volume de bens reversíveis. Mas o fato é que o instituto da reversibilidade, em termos de segurança jurídica, foi um desastre, e isso eu reconheço aqui publicamente".

Para o advogado Caio Mário, o regime atual gera uma elevada incerteza, com impactos negativos sobre novos investimentos. "Cria uma especial incerteza para esses últimos sete anos (até o final da concessão)". Ao mesmo tempo, diz ele, a perda de valor dos bens reversíveis gera uma elevação do custo de oportunidade em face a usos mais eficientes dos valores gerados com os valores remanescentes. "O caminho para arrumar isso é uma atualização regulatória. O modelo atual joga contra o setor e contra o regulador", diz o advogado. Ele lembra que o fim da concessão, em 2025, é um evento extremamente complexo e que deveria ser encaminhado imediatamente. "Há muitas oportunidades que estamos perdendo até lá".

Ele acredita que seria possível dar um tratamento infralegal a toda esta questão, mas considerando-se o que já foi construído no PL 79/016 e o tanto que o projeto já avançou, a alternativa de uma mudança legal é hoje a mais interessante.

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