A Autoridade Europeia de Proteção de Dados (EDPB, na sigla em inglês) abriu nesta quinta-feira, 19, consulta pública para a proposta de diretrizes para o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública por todos os países do bloco.
Nas diretrizes, a autoridade europeia pretende proibir o uso de reconhecimento facial em certas situações, como a identificação biométrica remota de pessoas em espaços públicos, a classificação étnica, de gênero ou qualquer outra discriminação através de dados biométricos, o emprego da tecnologia para inferir a situação emocional de uma pessoa, além do processamento de dados pessoais para fins criminais a partir de bases de dados e coleta indiscriminada de fotografias disponíveis online.
Ressalta-se que esta não é a versão definitiva do texto. As regras ficarão disponíveis por um prazo de seis semanas, para que a sociedade civil, organizações governamentais e outros possam fornecer opiniões. Em seguida, o texto final seguirá para aprovação e aplicação imediata pela União Europeia.
Segundo Fábio Pimentel, advogado e doutorando em direito pela Universidade Nova de Lisboa, o movimento na Europa indica que o Brasil precisa acelerar o passo: "A reciprocidade nos regimes de proteção de dados entre os países e a manutenção de altos padrões nesse sentido têm sido uma questão cada vez mais importante do ponto de vista econômico. A própria OCDE exige que seus membros assegurem regimes de proteção efetivos e autoridades fiscalizadoras independentes. O Brasil, como candidato, precisa dar demonstrações sólidas nesse sentido", aponta o advogado.
Outro especialista em privacidade e proteção de dados, e sócio do Pimentel Aniceto Advogados, Rafael Aniceto, afirma que este é um marco para o desenvolvimento e utilização seguras de novas tecnologias. "Não há dúvidas de que novas tecnologias podem contribuir em muito para a aplicação da justiça, mas é bem verdade que é preciso estabelecer critérios claros na sua utilização, especialmente quanto à efetiva necessidade do seu emprego e a proporcionalidade de seu uso, sob pena de se criar um instrumento altamente perigoso e potencialmente lesivo às garantias individuais", explicou Aniceto.
Ele lembra ainda que que o reconhecimento facial pressupõe o tratamento de dados pessoais, inclusive sensíveis, como os dados biométricos. "Essa é a principal razão pela qual sua aplicação precisa ser regulada com seriedade e de forma restritiva", recorda.
LGPD
No Brasil, preocupações com o emprego abusivo de tecnologias de reconhecimento facial e o uso da inteligência artificial para fins penais, motivaram a Câmara dos Deputados, em 2019, a constituir uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto, presidida pelo então Ministro do STJ, Néfi Cordeiro. O trabalho foi concluído em novembro de 2020, mas ainda aguarda a tramitação no Congresso.
Fábio Pimentel recorda que o objetivo de impor limites ao vigilantismo do Estado e garantir a proteção de dados pessoais na esfera da segurança pública pode ser atingido pelo novo projeto apresentado pelos juristas. "O anteprojeto da LGPD abarca basicamente duas proibições quanto à utilização das chamadas tecnologias de monitoramento. A primeira é o uso, sem autorização legal, sendo que esta autorização dependerá de uma análise prévia de impacto. A segunda restrição refere-se à sua utilização acrescida de outros mecanismos de identificação de pessoas de maneira indiscriminada, ou seja, abrangente, e sem autorização legal ou judicial", explicou o advogado.
Regulamentação de IA
No Brasil, a regulamentação de Inteligência Artificial está em debate e considera o tema preocupante. O Senado constituiu uma Comissão de Juristas para elaborar uma proposta de marco legal para a tecnologia. Já aconteceram diversas audiências públicas com especialistas de diversos setores para discutir a proposta.
Em um balanço inicial dos debates, apresentado pela relatora da Comissão, pesquisadora Laura Schertel, nesta quarta-feira, 18, o banimento do uso do reconhecimento facial na área de segurança pública foi um dos pontos mais sugeridos e tratados pelos especialistas durante as audiências públicas.