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O TCU, a conectividade nas escolas e as opções políticas do governo

O TCU pode cruzar o limite entre ser o órgão de avaliação de contas para entrar na seara de ser um órgão de julgamento sobre o mérito de políticas públicas caso, de fato, recomende à Anatel que inclua metas específicas ao atendimento de escolas no edital de 5G. Foi este o encaminhamento sugerido pelo ministro Raimundo Carreiro nesta terça, 18, em audiência da Comissão de Educação da Câmara. Caso vá nessa linha, o TCU colocará o Ministério das Comunicações na obrigação de justificar esta nova política, da mesma forma que o tribunal exige hoje do ministério a justificativa para a inclusão de uma política para construção de uma rede privativa ou para os investimentos na rede do PAIS – Programa Amazônia Integrada e Sustentável, ambas incluídas no edital de 5G. E construir essa justificativa não será algo simples.

O Tribunal de Contas, como se recorda, já repetiu reiteradamente que o governo precisa detalhar os projetos previstos nas políticas públicas para que eles possam ser justificado. Ou seja, precisa dizer quem vai implementá-los, em que condições, quanto custarão, quem cuidará da operação, como eles serão mantidos e como assegurar sua viabilidade. Todas estas questões foram feitas pelo TCU ao Ministério das Comunicações em relação à rede privativa e em relação ao PAIS, e nada indica que o tribunal esteja satisfeito com as respostas obtidas até agora, tanto que inclusive reiterou na audiência desta terça os indícios de ilegalidade.

Espera-se que o mesmo aconteça caso um eventual compromisso de conexão em escolas não esteja suficientemente detalhado. Afinal de contas, o edital pode até garantir o impulso inicial para a construção da rede, mas mantê-la funcionando é um outro desafio. Um projeto de conectividade em escolas precisa ter um responsável, e ainda não está claro a quem caberia este papel.

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A ideia original

A provocação ao TCU sobre a necessidade de um programa de conectividade em escolas veio a partir de uma proposta levada pela deputada Tabata Amaral (PDT/SP). A proposta da parlamentar é detalhada em relação à justificativa legal para uma política nesse sentido, em relação aos investimentos necessários, além de dimensionar o problema com números. Em certo sentido, Tabata Amaral deu ao TCU mais detalhes sobre uma política de conectividade em escolas do que o próprio ministério apresentou em relação à rede privativa para uso da administração pública.

Mas a proposta de Tabata Amaral não é um programa de governo estruturado, uma vez que não traz o segundo capítulo: quem vai operar e cuidar desta rede, nem de onde viriam os recursos para a operação continuada do programa. A proposta entregue pela parlamentar ao TCU lembra, corretamente, que a nova Lei do Fust (Lei 14.109/2020) traz a obrigação de que todas as escolas sejam conectadas até 2024. Também lembra que a  previsão de universalização do acesso à Internet em escolas pode ser inferida da Lei do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014). E aponta ainda que o Fust terá 18% de sua arrecadação prevista para ser destinada a programas de educação, o que dá cerca de R$ 150 milhões ao ano. É nessa proposta que o Tribunal de Contas da União, aparentemente, vislumbra a razoabilidade de recomendar uma mudança do edital.

Opções políticas

Mas o problema é mais complexo. O Ministério das Comunicações tem discricionariedade para escolher as políticas públicas de sua pasta que julgar mais oportunas. E, fundamentalmente, o papel do Ministério das Comunicações é garantir políticas de conectividade no sentido mais amplo, não de resolver lacunas específicas. Qual seria a justificativa para priorizar escolas e não postos de saúde, quarteis, delegacias ou postos do INSS? Cada um destes serviços públicos está ligado a um ministério e talvez coubesse a cada uma das pastas pensar no melhor uso a se fazer da conectividade, com seu próprio orçamento. E à presidência da República cabo o papel de dizer quem, entre as diferentes pastas, merece mais atenção.

O Ministério das Comunicações indicou à Anatel suas prioridades na Portaria 1.924/2021: conectar estradas (Infraestrutura contemplada), levar uma rede de fibra ótica subfluvial na Amazônia (Defesa contemplada), criar uma rede privativa para atender as necessidades de conexão segura do governo (GSI e Presidência contemplados), conectar localidades que hoje não estão atendidas por 4G (algo que pode futuramente se desdobrar em políticas para o setor do agronegócio) e garantir que as pessoas que assistem TV pelo satélite não fossem prejudicadas (radiodifusão contemplada).

Foram escolhas, que podem e devem ser julgadas no mérito político (o que não cabe ao TCU) e se estão bem estruturadas do ponto de vista legal e operacional (o que cabe ao TCU). Diante da pressão dos parlamentares por algum compromisso com a educação, contudo, o ministério tenta se justificar dizendo que ao assegurar conectividade nas localidades onde existem escolas estaria garantindo conectividade nas escolas. Mas o argumento tem pouca força diante do tamanho do problema: das cerca de 140 mil escolas públicas, somente 61%, segundo a deputada Tabata Amaral, estão conectadas à Internet de banda larga. Para resolver esta lacuna, seria necessária uma política bem mais específica.

Fato é que projetos específicos para educação nunca foram o forte da pasta de Comunicações. Os programas que existem têm impacto limitado e estão dispersos em diferentes iniciativas, como detalhou esta reportagem de TELETIME. E a razão para isso é que, no limite e sem orçamento para continuidade, o máximo que o Ministério das Comunicações e a Anatel fazem é estabelecer que a rede chegue o mais próximo possível das escolas, o que é mais ou menos o que a proposta da deputada Tabata Amaral sugere que se faça, a um custo de R$ 2,5 bilhões. Uma quantia, aliás, equivalente ao que o governo estima gastar com a suas outras prioridade, como a rede privativa e o PAIS. E um pouco menos do que custará distribuir kits de recepção de TV via satélite em banda Ku para todos os beneficiários de banda C inscritos no Bolsa Família, que foi outra opção política do governo.

Não parece existir uma coordenação específica entre Ministério das Comunicações e o Ministério da Educação em relação a projetos de conectividade em escolas, e o MEC nunca se movimentou nesse sentido, pelo menos publicamente. Basta lembrar que no ano passado, com todo o impacto que a pandemia provocou na área de educação, com milhões de alunos de escolas públicas sem aulas, o programa prioritário do MEC foi contratar no mercado e distribuir chips 4G para alunos carentes. Foi, também aí, uma opção política. Mas nada garante que, mesmo com uma recomendação do TCU impondo uma mudança do edital, esse assunto será prioridade a ponto de ganhar um projeto com começo, meio e fim. E qualquer que seja o projeto, demandará tempo para ser estruturado e caber nas contas do edital.

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