Conectividade: essencial, mas não imune aos riscos do Coronavírus

Foto: Pixabay

No último artigo, abordamos o papel essencial da conectividade neste momento de crise do Coronavírus, e da importância de assegurar a pessoas e empresas a capacidade de manter as suas rotinas em um regime excepcional, com restrições de deslocamento severas, suspensão de atividades etc. A esta altura, com quase uma semana de quarentena já sendo seguida por grande parte da sociedade, e com tendência de rápida ampliação das medidas restritivas, o argumento só se confirmou. Mas existe uma questão que precisa estar no radar de autoridades e do cidadão comum que não conhece o setor de telecomunicações em detalhes: há sim riscos de que a conectividade não possa ser assegurada, e há várias razões para isso. Aqui enumeraremos algumas mais importantes e que já acenderam o sinal de alerta das operadoras desde os momentos iniciais da crise.

Risco técnico

O primeiro fator de risco é técnico. As redes de telecomunicações, ao contrário do que muitos acreditam e propagam irresponsavelmente, são sim limitadas. Não é possível assegurar a todos o uso simultâneo das redes nos níveis máximos de demanda. Ao longo dos anos, o aumento exponencial do tráfego por conta de serviços de dados, streaming, compartilhamento de imagens e vídeo tem sido gerenciado pelas operadoras com ampliação da capacidade. Mas esta ampliação é estatística: ela atende a um determinado padrão de uso, em determinadas regiões e em função dos diferentes serviços demandados. Quando esse padrão muda abruptamente, como é o caso de uma quarentena forçada de milhões de pessoas, todo o planejamento estatístico que fundamentou o desenho da rede vai para o espaço.

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A depender das características das redes em cada região, pode haver sim congestionamentos e interrupções. A readaptação das redes à nova realidade é possível, mas requer tempo, investimentos e precisa vencer obstáculos burocráticos. As redes móveis, por exemplo, são hoje muito mais inteligentes do que no passado e podem se reorganizar dinamicamente, mas isso só funciona até um certo ponto, que é a capacidade das antenas. Em um determinado momento, para dar conta do tráfego, é preciso de mais antenas, cada uma delas conectada com uma capacidade de fibra. E para instalar antenas e fibra é preciso de autorização de prefeituras. O Brasil é um caso emblemático mundial de como a burocracia municipal é estúpida e limitadora da expansão das redes.

Já as redes de acesso apresentam um desafio complexo porque são bastante diversas. Ainda que o Brasil tenha uma quantidade significativa de redes de fibra e uma importante rede coaxial (cabo) para acesso à banda larga residencial (são redes de maior capacidade), existe ainda uma grande quantidade de acessos xDSL, muito mais limitados. As redes de acesso também dependem de dutos e postes, custam caro para serem construídas e o processo é muito mais lento. E é preciso lembrar que por trás das redes de acesso, fixas ou móveis, existe uma rede de transporte, formada por grandes backbones de fibra, satélites e cabos submarino, que também tem limitações e foi dimensionada para determinados padrões de uso. Esta rede tende a ser mais robusta, porque é a mesma que atende ao tráfego corporativo e aos momentos de pico residenciais durante a noite, mas há limites.

Risco operacional

Outro obstáculo sério que as empresas de telecomunicações certamente enfrentarão é operacional. Este é um setor que emprega meio milhão de pessoas considerando as empresas de atendimento dedicadas aos serviços de telecom. Este contingente imenso de trabalhadores desempenha desde funções de gestão e administração das empresas até trabalho de instalação, manutenção, operação de rede e atendimento ao consumidor. Muitas destas equipes, como aquelas que ficam nos contact centers, trabalham em ambientes fechados e de grande aglomeração. Outras, como as equipes de instalação e manutenção, têm grande contato com a população em geral. Isso sem falar nas equipes de venda e atendimento presencial, cujas lojas estão sendo fechadas. Nestas áreas é difícil falar em home-office.

Além disso, todas estas equipes de manutenção, instalação e atendimento foram dimensionadas para uma realidade, que pode mudar a qualquer momento no surto do Coronavírus. O fechamento emergencial de um prédio de call center impacta fortemente o atendimento. Mesmo medida sanitárias básicas, como proporcionar o espaçamento de funcionários de atendimento, têm impactos gigantescos. Se hoje as estações de atendimento estão distantes em meio metro, um espaçamento de um metro diminui pela metade a quantidade de pessoas trabalhando e, portanto, os tempos de resposta. Canais digitais de relacionamento podem e devem ser usados intensivamente, mas existem limitações regulatórias para isso.

Já as equipes de instalação e manutenção ficam vulneráveis por estarem expostas ao ambiente externo. Se ficarem doentes ou com restrição de acesso a zonas de maior incidência da doença, isso pode comprometer a qualidade dos serviços e colocar outras pessoas em risco, ainda mais em um contexto em que mais consumidores estão utilizando serviços de telecomunicações em suas residências, em que o contato com outras pessoas é direto.

Risco econômico

Também há riscos econômico-financeiros relevantes para as empresas de telecomunicações. Ainda que mais pessoas estejam usando soluções de conectividade em casa para trabalhar e se informar, e isso é positivo, milhões de pequenas empresas do setor de serviços, que utilizam e contratam os serviços de telecom, estão fechando a portas sem perspectiva de reabrir. Da mesma forma, muitos profissionais autônomos verão sua capacidade de gerar renda cair drasticamente nessa crise, assim como a economia informal, forte usuária e dependente de serviços de telecomunicações, que deve ser pesadamente impactada. Isso se reflete diretamente no consumo dos serviços de telecomunicações e dos serviços em geral. Um consumo contraído gerará problemas para empresas maiores, que também são grandes usuárias de serviços de telecomunicações, criando um efeito recessivo sistêmico. Basta lembrar que na recessão iniciada em 2014 e ainda sentida mesmo antes do Coronavírus, todos os serviços de telecomunicações, exceto os serviços de banda larga fixa e móvel, tiveram quedas expressivas.

As operadoras de telecomunicações são, em geral, empresas que registram lucro, mas suas margens seguem muito aquém de outros setores econômicos, têm custos fortemente impactados pelo câmbio e as necessidades de investimento são pesadas, da ordem de R$ 25 bilhões ao ano, isso em condições normais (o que não é o caso agora). E há ainda a iminência da introdução da quinta geração de serviços móveis (5G) que demandará mais investimentos, com um leilão prometido para este ano mas possivelmente a ser realizado apenas em 2021.

Diante de tudo isso a conectividade ganha espaço como um item de primeira necessidade durante a crise, mais demandada e fundamental do que nunca. O governo parece ainda não ter se dado conta disso. Nas primeiras medidas anunciadas pelo presidente Bolsonaro, não houve sequer a participação do MCTIC. A Anatel discute com as empresas algumas medidas, mas a conversa ainda está unidirecional, com a Anatel dizendo o que quer. Paralelamente, assembleias legislativas, governos estaduais e órgão de defesa do consumidor também pressionam por medidas que assegurem a continuidade dos serviços, mas ainda sem uma análise dos riscos existentes.

Há soluções possíveis, desde a imediata desburocratização, em caráter emergencial, para a instalação de redes, até o uso de fundos setoriais e pagamentos compulsórios que totalizam bilhões de reais por ano e não se revertem para o próprio serviço, seja para o subsídio dos serviços, seja para a ampliação da infraestrutura. Medidas de exceção regulatória também podem ser necessárias, assegurando o mais importante, que é a garantia da conectividade, mas contemplando a complexidade dos problemas que serão enfrentados pelo setor de telecom. O momento é de urgência e prudência.

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