As lembranças do ano que queremos esquecer

Foto: Pixabay

O ano em que o planeta enfrentou a maior crise humanitária, social e econômica da era moderna por conta da Covid-19 não pode ter lado positivo. É bom que isso fique estabelecido.

Para o setor de telecomunicações, contudo, aconteceram mudanças fundamentais nesses 12 meses, e mesmos avanços.

As redes de banda larga sobreviveram ao estresse inicial do aumento de tráfego no início da quarentena, mas o consumidor passou a enxergar mais valor na Internet, utilizando-a para entretenimento, trabalho, educação e saúde. Além disso, o processo de transformação digital das empresas e governos demandaram mais conectividade e serviços.

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Não significa que 2020 foi fácil, longe disso. A pressão nas margens das operadoras ficou maior com a redução do volume de recargas no pré-pago, bem como o risco de inadimplência por conta do abrupto corte de renda do consumidor. Ainda assim, ganhos com eficiência interna, especialmente com a mudança de mentalidade tradicional das formas de trabalhar, com a adição do home office como opção viável e, muitas vezes, mais produtiva, permitiram um equilíbrio nos custos. 

Naturalmente, os fatores macroeconômicos que desafiaram 2020 continuam. A crise da economia brasileira não foi advento da pandemia, mas com ela foi acentuada. Aumento de desemprego e do trabalho precário informal não se reverte em receita estável. A aposta em um projeto econômico da equipe "altamente técnica" do governo se mostrou tão sem resultados quanto a própria gestão sanitária que a agrava.

Ainda assim, o setor perseverou. E obteve vitórias também. A consolidação do mercado de celular com a venda da Oi Móvel para o trio Claro, TIM e Vivo em dezembro marcou o final desta montanha russa, embora os efeitos só possam começar a ser sentidos no final do próximo ano. Especialmente com a venda da InfraCo, que atrai olhares de investidores.

Para frente

O novo modelo das telecomunicações, a Lei nº 13.879/2019, teve o decreto que a regulamenta assinado em junho. Com isso, veio não somente a possibilidade de migração da concessão para autorização, mas a renovação sucessiva (mas não automática) de espectro e o mercado secundário de espectro. Falta ainda a Anatel determinar como serão os meandros de cada item, o que está previsto na agenda regulatória do próximo biênio 2021-2022.

Um importante passo foi quando as telecomunicações e a Internet passaram a ser consideradas serviços essenciais pelo governo brasileiro (e em outros países), justamente no contexto da pandemia. Interessante notar que a essencialidade era uma bandeira de entidades do terceiro setor desde a aprovação do Marco Civil em 2014, e agora vira uma importante justificativa para as próprias operadoras e provedores.

Também já trouxe impacto a decisão da Anatel de considerar a distribuição de canais lineares por streaming como serviço de valor adicionado (SVA), e não SeAC. Logo após essa decisão, novos serviços neste sentido já foram lançados no Brasil, como o DirecTV Go.

O desafio tributário teve duas importantes vitórias neste ano: a aprovação do PL 172/2020, que altera a Lei do Fust e permite que os recursos do fundo possam ser aplicados em políticas de telecomunicações (e não mais apenas em telefonia fixa); e a desoneração do Fistel para Internet das Coisas com a aprovação do PL 6.549/2020. Eram demandas antigas do setor, mas ainda faltam ter os efeitos sentidos na prática. Ambos os projetos foram sancionados nesta semana, mas a nova Lei do Fust teve vetos que já foram criticados pelo setor.

Outra batalha de longa data com resolução neste ano foi a regulamentação da Lei das Antenas. Com ela, veio totalmente fundamentado o direito de passagem em perímetro urbano (que também há havia sido acobertado por determinação do DNIT) e o silêncio positivo, com previsão de aprovação tácita de licença de instalação em 60 dias.

Para trás

O ponto fora da curva da tendência de avanços no Brasil foi o 5G. Excetuando o início das operações comerciais em locais específicos com a tecnologia de compartilhamento dinâmico de espectro (DSS), a aguardada chegada da nova geração com o leilão de frequências novas ficou para 2021. Por um lado, a questão técnica do 3,5 GHz: a Anatel ainda não se decidiu sobre a viabilidade de mitigação da faixa com a banda C por meio de filtros. Ainda assim, a agência parece caminhar mesmo para a migração do TVRO para a banda Ku, contrariando argumentos das operadoras. Mas mesmo que isso não fosse uma questão, a pauta da segurança cibernética provavelmente estaria interferindo.

O governo brasileiro sambou durante boa parte do ano para driblar a necessidade de tomar uma decisão sobre o bloqueio ou liberação da Huawei no 5G no País. Contudo, no final do ano a ala ideológica pegou fôlego. Mesmo com o atual presidente Donald Trump derrotado nas eleições dos Estados Unidos, o Itamaraty diz ter assinado acordo com o governo norte-americano para "seguir princípios" da Clean Network. E já em dezembro, o Decreto 10.569/2020, que estabelece a Estratégia Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas, acendeu o alerta de intervencionismo na indústria. Sobretudo com a influência militar do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

As movimentações da gestão Jair Bolsonaro em direção ao negacionismo técnico desencadeou uma reação importante. Depois de certa reserva em tocar no assunto, as operadoras finalmente se posicionaram de forma institucional pela Conexis (que deixou de ser SindiTelebrasil também neste ano) a favor da liberdade de escolha de fornecedores, o que é o mesmo que defender a participação da Huawei no mercado. O temor, nem um pouco infundado, é que o impedimento de um dos maiores fornecedores de equipamentos 5G em um mercado onde já está fortemente presente traria aumento de custos e impactos inclusive para usuários.

No meio do fogo cruzado, a Anatel procurou demonstrar neutralidade tecnológica em uma pouco usual apresentação de relatoria do leilão de 5G ao presidente. E nesta semana, lançou uma nova regulamentação de segurança para redes de telecom que levantou questionamentos.

Para o lado

Em junho, o presidente Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações, com o deputado Fábio Faria à frente da pasta. O setor estava sub-representado quando ainda era parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), mas a reconstituição trouxe como efeito colateral a incorporação da Secretaria de Comunicação, papel que Faria assumiu e que parece ser sua principal função. 

Mas há movimentações que vão ainda reverberar pelos próximos anos. Faria encaminhou à Casa Civil um projeto de lei que prevê a incorporação dos serviços postais pela Anatel com a privatização dos Correios. Pelo que consta na minuta, contudo, a nova agência nacional de comunicações, a Anacom, já nasceria com a defasagem. Isso porque o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou um modelo convergente de regulação, com unificação da Anatel com a Ancine, além da incorporação de determinadas funções de radiodifusão atualmente no guarda-chuva do MCom. Apesar de o governo reiterar que está procurando cumprir as recomendações da OCDE, a minuta do PL não contempla essa convergência ainda.

Após forte pressão, o governo finalmente instituiu a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Mas não sem um asterisco de enormes proporções: a maior parte da diretoria é constituída por militares.

Para depois

O ano de 2021 vai começar com agendas pendentes. A esperança é que, além da vacina, também haja avanços nos seguintes pontos:

  • A Anatel já contratou uma consultoria para auxiliar no cálculo do saldo da conversão para o novo modelo, mas as condições ainda são um mistério para as operadoras. O tema bens reversíveis é espinhoso, e não deverá ser resolvido sem delongas.
  • O próprio leilão de 5G ainda é uma incógnita. A decisão do edital deve ser tomada pelo conselho diretor no início de janeiro, mas há questões, especialmente para as operadoras de satélite, o setor de radiodifusão e para o usuário da TV parabólica. 
  • Telebras está no programa de parceria de investimentos do governo e engessada pela vinculação orçamentária ao MCOM. Mas essa privatização não é prioridade.
  • Redes neutras, ou a operação de venda de capacidade no atacado, ainda traz dúvidas regulatórias, embora o mercado já esteja em franca aceleração neste sentido.
  • Mercado secundário de espectro segue a mesma linha, mas com uma atenção maior da Anatel.

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