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O SeAC e a “Internet livre” – uma carta aos parlamentares

Escrevo aos senhores deputados e senadores que vêm defendendo a beleza de uma “Internet livre” e, portanto, totalmente fora do alcance das obrigações introduzidas pela Lei do SeAC (Lei da TV Paga, 12.485/20111).

Vale refletir, caros parlamentares, que a defesa de uma Internet totalmente fora do alcance da Lei do SeAC equivale à defesa, por exemplo, de que o comércio eletrônico na Internet estaria totalmente fora do alcance do ICMS e de todas as regras impostas pela Lei de Defesa do Consumidor.

O que pensaria o eleitor sobre a verdade contida nesta analogia?

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Numa outra analogia, mais forte, poderíamos dizer que fraudes praticadas no “território livre da Internet” estariam fora do alcance das leis criminais?

A Lei do SeAC – sigla que define Serviços de Acesso (a conteúdos audiovisuais) Condicionados ao pagamento prévio pelo usuário – traz em seu bojo os instrumentos de uma importante política pública voltada ao desenvolvimento da indústria brasileira do audiovisual.

Tal política pública está prevista na Lei do SeAC para perdurar por 12 anos. E na metade deste percurso já apresenta resultados positivos reconhecidos por todos. Tal processo e seus instrumentos não devem ser ignorados pelos parlamentares e não podem ser desconsiderados “na Internet”.

Importante lembrar que a política pública para o desenvolvimento da indústria do audiovisual nacional encontra precedente, de grande sucesso, na política que elevou a indústria fonográfica (a música) brasileira ao lugar hegemônico que hoje desfruta.

Quem é antigo recorda que, na década de 1970, as rádios FM tocavam principalmente fonogramas estrangeiros. Foi então estabelecida a obrigatoriedade de as rádios tocarem 30% de música brasileira, ao mesmo tempo em que surgiu o fomento “Disco é Cultura” – renúncia fiscal de ICMS para gravadoras custearem a gravação de novos fonogramas brasileiros. Como consequência vimos rapidamente crescer a pujança do mercado artístico-musical brasileiro, revertendo-se a balança comercial de royalties musicais em favor do Brasil.

A flexibilização da vedação à propriedade cruzada prevista nos capítulos 5º e 6º da Lei da TV paga não parece trazer impacto negativo à política pública em curso para o desenvolvimento da indústria audiovisual nacional. Basta observar alguma cautela para que o mercado, hoje estruturado, não se desorganize. 

Entre outras obrigações da lei da TV paga que poderiam ser removidas, sem prejudicar a política pública de desenvolvimento da indústria nacional do audiovisual, estariam talvez a onerosa obrigação de todo pacote de canais ofertado incluir por exemplo a TV Senado, a TV Câmara e todos os canais da TV aberta disponíveis na cidade de cada assinante. 

Mas tal flexibilização não deve alcançar apenas as ofertas de pacotes de canais via Internet, pois, por simetria, o benefício da desobrigação deve alcançar todas as operações de TV paga – um mercado de R$ 30 bilhões/ano. Caso contrário veremos rapidamente as operadoras tradicionais migrarem os serviços de TV paga integralmente para a Internet, sem maiores dificuldades. Nesta migração, como pretendem os que já operam via Internet, deixam de recolher quase 20% de ICMS aos estados e passariam a pagar 2 a 5% de ISS aos municípios.  Vale ponderar, caros parlamentares, sobre o impacto econômico desta migração por consequência da falácia de uma “Internet desregulada”.

Talvez o mais importante, para que se mantenha o equilíbrio e o vertiginoso desenvolvimento que a indústria brasileira do audiovisual vem registrando desde 2012 – ano de implantação da Lei do SeAC -, dentro ou fora da Internet, são obrigações que regem a mesma indústria em muitos países e não devem ser removidas, destacando-se:

– as cotas mínimas de conteúdo audiovisual nacional e independente em todos os canais lineares ofertados; e

– a cota de 1/3 (um terço) de canais brasileiros entre os canais lineares ofertados em cada pacote de programação;

O streaming OTT é SeAC, mas como regulá-lo?

O serviços de vídeo sob demanda (não lineares), chamados OTT, em que o acesso aos filmes e séries via Internet é igualmente condicionado ao pagamento prévio pelo usuário (como os internacionais Netflix, Amazon, iTunes, ou os brasileiros Looke e Tamandua.tv.br), estes são igualmente caracterizados como comunicação de acesso condicionado e, portanto, devem ser enquadrados, com algumas adaptações, ao espírito geral da Lei do SeAC.

Entre as obrigações importantes a serem cumpridas, de alguma forma, pelos operadores de plataformas OTT vendendo seus serviços a brasileiros via Internet – exceto pelas empresas de telecom que já contribuem pesadamente para o desenvolvimento da produção audiovisual nacional através da “Condecine Teles” -, destacam-se:

– A Contribuição para o Desenvolvimento da Industria do Audiovisual (Condecine), em (algum) percentual de seu faturamento e/ou diretamente na produção de projetos audiovisuais brasileiros independentes (na forma da renúncia fiscal do Artigo 39 hoje em vigor); e

– Fatores de indução que possam trazer resultados análogos às obrigações de cota de exibição de conteúdo nacional independente em todos os canais lineares, como por exemplo: quanto maior o faturamento verificado de uma plataforma OTT com conteúdos nacionais de produção independente, menor será o percentual de seu faturamento recolhido na forma de “Condecine OTT” ao Fundo Setorial do Audiovisual. 

Por fim, importante registrar:  não há nada de tecnologicamente novo nos serviços OTT via Internet, como andam dizendo. O que vemos é simplesmente o aumento vertiginoso no interesse do consumidor pela “compra” e consumo de conteúdo audiovisual via Internet. 

Importante preservarmos a política pública para o desenvolvimento da indústria do audiovisual brasileiro.

(Este artigo reflete o ponto de vista do autor)

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