O preço do espectro e o viés arrecadatório de leilões na América Latina foram considerados barreiras para a chegada da 5G na região, na visão de especialistas e representantes de operadoras durante painel na Futurecom nesta quarta-feira, 17. Até mesmo o governo reconhece que não se pode mais esperar arrecadar o máximo possível com a venda de frequência.
O secretário de telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), André Borges, destaca que há acompanhamento de processos internacionais, até para aproveitar escala. Porém, garante que o governo pode abrir mão "em tese" do fluxo de caixa inicial. "Nossa preocupação é que o leilão de espectro não tenha caráter arrecadatório", alega. "Todos os serviços prestados com suporte das TICs representam não só muito dinheiro para a iniciativa privada, mas arrecadação muito grande. Permite maior investimento, maior uso, expansão de serviço e melhora da qualidade."
"Os modelos tradicionais com foco em arrecadação não são sustentáveis. Vemos espectro como integrador, e há o custo do direito de uso, do espectro em si e nas obrigações de cobertura impostas às operadoras", destaca a diretora de regulatório para a América Latina da Telefónica, Ana Valero Huete. "Tem que ser com viés de infraestrutura", pontuou depois, em conversa com jornalistas, o presidente da Ericsson Brasil, Eduardo Ricotta. Ele diz que um estudo realizado pela companhia em 40 países colocou o custo da frequência no País como o terceiro maior do mundo, atrás apenas de Peru e Panamá. Comparou ainda com a realização do leilão de 3G na Alemanha, onde, por conta do "desvio" de investimentos para o leilão, teria atrasado a aceleração da tecnologia por dois anos.
A avaliação do diretor-gestor de estratégia e operações de telecomunicações da Deloitte, Phil Wilson, o País não tem uma infraestrutura tão diferente dos Estados Unidos. "Onde achamos que o Brasil está um pouco atrás da curva é que a FCC está agressivamente disponibilizando banda, e na América Latina não está tendo progresso tão grande", afirma. Para ele, os ativos fixos, como torres e backhaul, estão "decentes", mas que no caso de espectro, é preciso "um pouco de aceleração" na região.
O presidente da agência reguladora mexicana IFT, Gabriel Contreras, lembra que o setor já dedica altos aportes para construção de infraestrutura, e que há competição pelos fundos globais para financiar os investimentos. Mas há riscos. "Sem uma política de produtividade e competição, muitas indústrias que serão beneficiadas precisarão de retorno para que seja rentável", diz. Ele sugere que reguladoras explorem "formas criativas" de usar o espectro, permitindo uso secundário para compartilhamento. O México conta atualmente com 90 MHz disponíveis na faixa de 700 MHz, e planeja oferecer também as bandas de 2,5 GHz e 3,3 GHz. Em ondas milimétricas, há consultas públicas para identificar as mais propícias, com candidatas como 26 GHz, 28 GHz, 30 GHz e 40 GHz.
Wilson Cardoso, CSO para a América Latina da Nokia, diz que todo espectro disponibilizado é bem vindo, mas destaca que a região conta com a faixa de 3,5 GHz do México à Argentina e Chile, o que facilita a adoção da quinta geração com essa frequência. "Todas as nossas redes foram desenhadas nos anos 80 e 90 para trabalhar com 1.900 MHz. Coincidentemente, quando coloca em cima a banda de 3,5 GHz, graças ao massive MIMO e à potência, consegue-se usar o mesmo grid, e [por isso] algumas empresas já fazem o refarming", conta. Ele entende que será necessário também trabalhar com ondas milimétricas e sub-6 GHz.