Um mercado único digital na América Latina poderia ser criado seguindo o modelo da União Europeia? Na opinião de representantes de operadoras, agências reguladoras e fornecedores durante debate na Futurecom nesta terça-feira, 18, a ideia interessa, mas o caminho seria muito tortuoso. Ainda não há uma entidade que dialogue com todos os países da mesma forma, tampouco laços históricos formados por necessidade de "resposta tecnológica" a economias mais parrudas. O que parece haver é uma corrida individual para ainda promover o acesso.
"Temos a inexistência de uma figura com instância política transnacional que possa promover uma diretriz única comum entre todos os países", atenta a diretora do departamento de políticas e programas setoriais em TICs do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Miriam Wimmer. Ela ressalta que as condições latino-americanas são diferentes da Europa, mas que um esforço e uma meta desejável "fazem todo o sentido".
Não que o Brasil esteja planejando. Wimmer reconhece não haver uma iniciativa do tipo nem mesmo internamente no País. "Nós não temos uma agenda digital brasileira, temos o PNBL, um conjunto enorme de iniciativas pelos ministérios mais ou menos compatíveis, nem sempre apontando para a mesma direção, e não temos um conceito ou diretriz clara de para onde estamos caminhando", analisa. A diretora do MCTIC diz que há na Secretaria de Política de Informática (Sepin) uma articulação com setores públicos e privados para mapear iniciativas existentes. Também a questão de articulação regional de recursos críticos da Internet, como no caso da transição da IANA para o modelo multissetorial, para que o mercado único digital seja alcançado.
O chefe da assessoria internacional da Anatel, Jeferson Fued Nacif, sugere como entidades transnacionais iniciativas como a Citel, que desenvolve trabalho com harmonização de espectro na região, e o próprio Mercosul como processos de integração. "O nosso grande desafio é entrar de forma institucionalizada em um único fórum que possa ajudar os países a estabelecer suas agendas digitais e pensar que aspectos podem ser trabalhados de forma regional", diz. "Caso contrário, seria apenas a união de diferentes agendas."
Infraestrutura
Nacif entende que há certas vantagens na região em relação à Europa, como ter basicamente duas línguas dominantes (espanhol e português), mas há grande desigualdade na penetração de Internet. Recentemente, a América Latina atingiu 54% de penetração segundo dados da Comissão de Banda Larga da ONU, mas há países na América Central onde os índices chegam abaixo dos 30%. Isso gera oportunidades de investimento, acredita, para servir como base da formação desse mercado único. "É necessário interconectar a região, temos poucos pontos de troca de tráfego (PTTs), é preciso fomentar tanto em nível nacional quanto regional", diz, citando ainda acesso a cabos submarinos que chegam pelo Atlântico.
"O elemento fundamental é ter infraestrutura, redes de alta velocidade; sem isso, não é possível avançar na economia digital", destaca o diretor da unidade de inovação e novas tecnologias da Comissão Econômica para América Latina (Cepal, entidade ligada às Nações Unidas), Mario Castillo. "O conceito de mercado único é muito ambicioso, a União Europeia ainda está preparando o seu, mas é uma maneira de preparar as tecnologias, conteúdo, comércio eletrônico e avançar a integração produtiva regional", considera.
O dividendo digital é a barreira fundamental para o diretor de políticas públicas da Asociación Interamericana de Empresas de Telecomunicaciones (Asiet), Juan Jung. "É imperativo para sociedades mais inclusivas o investimento em infraestrutura para ampliar a cobertura e chegar a todos os quinhões, mas também para aumentar a capacidade das redes fixas e móveis", declara. Segundo Jung, seriam necessários investimentos de US$ 400 bilhões na América Latina em sete anos para atender a essa necessidade.
Operadoras
O diretor-executivo digital (CDO) da Sky, Luiz Carlos Galvão Lobo Filho, acredita que há demanda para produtos digitais na região. "Hoje a gente sente na América Latina uma necessidade de homogeneidade mínima de disponibilidade e qualidade para oferecer serviços muito mais eficientes", afirma.
Na visão do diretor de relações governamentais da Oi, Marcos Augusto Mesquita Filho, a formação do mercado único traria "grande conforto" para os países, que deveriam promover a colaboração e compartilhamento para que "a infraestrutura pese cada vez menos e tenha escalabilidade que efetivamente não gere uma barreira a entrantes, buscando então a competição". Mesquita entende que os governos deveriam proporcionar melhores condições de tributação e regulação e perceber que têm mais a ganhar como usuário desse mercado único do que exercendo poder de política individual.