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Provedores viram um “etc” para o Supremo: o lado desafiador da regulação assimétrica

Foto: Pixabay

A decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes de determinar a suspensão do aplicativo Telegram no Brasil traz implicações diretas para as operadoras de telecomunicações. Afinal, a ordem do ministro intima diretamente a Anatel e as empresas que administram “serviços de acesso a backbones”, empresas “provedoras de serviços de Internet”, “empresas que administram serviço móvel pessoal e serviços telefônico fixo comutado” a cumprirem a ordem de bloqueio.

Mas um aspecto em especial chama a atenção na ordem: ela se refere, indiretamente, a todo um universo de provedores de internet que representam ao menos 40% da base de usuários de banda larga fixa no Brasil como “etc”. Moraes não teria, sem dúvida, como listar na sua decisão as mais de 10 mil empresas que detém outorgas de Serviço de Comunicação Multimídia (o nome técnico do serviço de acesso à Internet), e por isso passou a tarefa para a Anatel. Ele fez referência, de maneira exemplificada, a algumas empresas de grande porte (algumas inclusive já inexistentes): falou nominalmente da Algar, Oi, Sky, TIM Live, Vivo, Net Vírtua (nome do antigo serviço da Claro), GVT (comprada pela Vivo há sete anos), mas para as demais operadora optou pela abreviação “etc”.

Isso evidencia uma realidade sobre a qual a Anatel precisa se debruçar: boa parte do acesso à Internet no Brasil depende de empresas minúsculas, sobre as quais a própria Anatel optou por ter um controle regulatório superficial e assimétrico como forma de estimular a competição. Mas, em face a decisões Judiciais como esta do Supremo de bloquear o Telegram, estas empresas, por menor que sejam e com poucas centenas de clientes, passam a ter a mesma responsabilidade de grandes operadoras com bases de milhões de usuários. E é natural que tenham essa responsabilidade, porque no bolo geral, estas pequenas empresas (chamadas pela agência de Prestadores de Pequeno Porte, ou PPPs) são responsáveis por parte significativa do sistema de telecomunicações brasileiro. E para o usuário final (e para a Justiça) não faz a menor diferença se o provedor de banda larga é uma empresa local ou uma multinacional com milhões de clientes.

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A decisão de Moraes veio ainda acompanhada de uma outra decisão acessória: a determinação de bloqueio da conte de Twitter atribuída ao usuário @Edvan_TI, que supostamente teria sido o primeiro a vazar a ordem sigilosa contra o Telegram. Este usuário @Edvan_TI postou publicamente um email enviado pela Anatel para o “representante legal” da operadora Vai Telecom Ltda (aparentemente uma operadora de banda larga de São Mateus do Sul/SC). O email da Anatel alertava para o tratamento sigiloso que deveria ser dado à ordem, mas @Edvan_TI, que em sua postagem, ignorou o fato, e ainda se referiu ao ministro Alexandre de Moraes como “DONO do Brasil” e “Alexandre PCC”. Não se sabe se o usuário da conta @Edvan_TI é funcionário da Vai Telecom, ou se alguém da Vai Telecom repassou o email a um terceiro. De qualquer forma, o vazamento de uma comunicação da Anatel endereçada de forma genérica a um “representante legal” de uma empresa regulada mostra que, quando determinações de caráter regulatório e com grandes implicações precisam chegar a um modesto provedor de Internet, a agência acaba na prática tendo apenas canais de interlocução limitados e pouco seguros.

 

Assimetrias

A discussão sobre as responsabilidades dos PPPs e as assimetrias regulatórias garantidas a estas empresas tem sido colocada à prova também na discussão sobre o Regulamento de Segurança Cibernética. A Anatel criou um regulamento que, a princípio, não se aplica às pequenas empresas, mas só vai funcionar para valer se for aplicada a todos os prestadores. Esse debate foi colocado pela consulta pública da própria agência para ajuste da regulamentação, com recomendações do GT-Ciber, criado justamente para estudar a aplicação das regras de cibersegurança.

Imagine-se um cenário de um grande ataque cibernético contra a Internet brasileira em que a Anatel precisa determinar às empresas de provimento de conectividade uma resposta coordenada para todo o sistema de telecomunicações brasileiro, mas a ordem da agência acaba sendo enviada a um representante legal não específico, e portanto não responsabilizável em caso de vazamentos de informações sigilosas.

O debate de regulação da Internet é complexo, traz grandes implicações inclusive para o setor de telecomunicações e, o que a decisão de Alexandre de Moraes ajudou a explicitar ainda mais, acaba desafiando a forma como a regulação das empresas de telecomunicações está estabelecida. Se no episódio do Telegram a decisão da Anatel foi simplesmente repassar a determinação para as operadoras, a agência fica agora com o dever de casa de refletir se o seu nível de interlocução e sua capacidade de “enforcement” (ou de fazer cumprir) junto a esse universo de milhares de empresas que atuam no provimento de internet no Brasil é suficiente para questões tão críticas. Como fica a Anatel junto ao Supremo se alguma dessas milhares de empresas que precisam ser afetadas pela ordem judicial resolve descumprir a decisão e mantiver o Telegram acessível? 

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