Na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ordenando o bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram no Brasil, o ministro Alexandre de Moraes estipulou dois tipos de multas: para empresas e para usuários. No primeiro caso, além de entidades que administram domínio (como o Registro.br, que já bloqueou acesso), incluem-se as operadoras – ele cita Algar, Claro, Oi, TIM, Vivo e mesmo a finada GVT – e as big techs donas das lojas de apps, Apple e Google, poderão pagar até R$ 500 mil por dia em caso de descumprimento da ordem.
Porém, chama a atenção na decisão do STF a previsão para multas para usuários também, no valor de R$ 100 mil por dia. A petição deixa destacado em negrito o seguinte parágrafo:
"As pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo Telegram estarão sujeitas às sanções civis e criminais, na forma da lei, além de multa diária de R$ 100.000,00".
De acordo com a advogada e representante do coletivo Intervozes, Flávia Lefèvre, esse ponto em particular da decisão de Alexandre Moraes não é constitucional. Ela explica que o próprio documento deixa claro logo no início que é de caráter sigiloso (a íntegra foi vazada no Twitter, e o ministro do STF já determinou investigação sobre esse novo fato). Ou seja, não era um documento público, pelo menos inicialmente, e portanto não teria como ter tal ordem direcionada a usuários pessoa física.
"As empresas estão sendo intimadas para cumprir a decisão judicial. Mas e nós, cidadãos comuns, que não temos acesso ao processo ou noção do que está acontecendo? Quer dizer que se usarmos estaremos no risco de sanções civis e criminais? Acho que isso escalou em um grau que não se justifica, não tem respaldo e é desproporcional", declarou ela ao TELETIME.
Da mesma forma, o uso de "subterfúgios tecnológicos" mencionados na decisão de Moraes também seriam outro ponto questionável, diz Lefèvre. O juiz provavelmente se referia a túneis de acesso privado (VPNs) ou outras técnicas para redirecionar o tráfego e mascarar a localização do IP do dispositivo. "Quantas pessoas sabem usar VPN, e como ele [o ministro do STF] vai controlar isso? Não tem como, é uma decisão inexequível", declara. Para ela, tentar controlar esse tipo de acesso implicaria numa espécie de vigilância sobre quais aplicações a população brasileira está usando.
"No auge do combate à pirataria de música, nunca fomos atrás de usuário no País", destaca o advogado especializado em direito digital e sócio do escritório Pellon de Lima Advogados, Rafael Pellon. Para ele, a medida também não tem como ser aplicada na prática por questões técnicas, ainda mais sem o apoio da própria plataforma. "Se fosse fácil, não existiria pirataria de IPTV no Brasil."