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O desafio da infraestrutura

Aníbal Diniz durante sabatina na Comissão de Infraestrutura do Senado

Tenho participado de alguns fóruns em que o debate sobre o desafio da infraestrutura para o desenvolvimento do setor de telecomunicações no Brasil tem estado presente.  Os últimos foram o Painel Telebrasil, o Futurecom e mais recentemente o evento comemorativo dos 25 anos de Internet no Brasil promovido pela RNP. Sem dúvida, a infraestrutura é um dos temas centrais da atualidade, ainda mais com a crescente demanda por acesso à internet fixa e móvel de alta velocidade, que se tornou produto de primeira necessidade em qualquer lugar do mundo.

Faço questão de ressaltar o caráter transversal da infraestrutura de telecomunicações, porque dela dependem todos os setores da economia que apostam na modernização e na inovação tecnológica como diferencial competitivo diante de consumidores cada vez mais preparados e exigentes pela prestação de serviços de qualidade a preços razoáveis.

Devido a essa transversalidade, a expansão das redes de telecomunicações promove efeitos positivos desde o agronegócio, passando pela mineração, energia, transporte, indústria, comércio e serviços em geral. Principalmente os serviços públicos essenciais.  Imagine o que seria dos sistemas de saúde, educação e segurança pública se não contassem com o suporte da infraestrutura de telecomunicações na atualidade?

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As próprias empresas aumentam sua produtividade e diversificam seus produtos e novos modelos de negócios quando contam com boa infraestrutura. As telecomunicações dão suporte fundamental, não somente para promover o crescimento econômico do País, como também para o desenvolvimento da sociedade nos aspectos culturais, educacionais e cidadania participativa. É praticamente impossível falar em sustentabilidade sem assegurar a todos o pleno acesso aos bens e serviços suportados pelas telecomunicações.

Consciente da importância das redes de fibra ótica e de outras tecnologias para o desenvolvimento do país, a Anatel tem procurado atuar menos na fiscalização e mais como agente indutor do desenvolvimento do setor. O planejamento estratégico aprovado pelo Conselho Diretor para o período 2015 – 2024 prioriza quatro resultados bem sintonizados com essa visão.

A ampliação do acesso e o uso dos serviços com qualidade, o estímulo à competição e à sustentabilidade do setor, a satisfação dos consumidores e fazer da Anatel a fonte mais confiável de dados e informações setoriais são esses objetivos.

Para realizá-los com sucesso, a Anatel precisa empregar na plenitude todos os instrumentos que estão à sua disposição. Entendo que o principal deles seja a orientação e a coordenação dos investimentos públicos e privados, que são essenciais para o desenvolvimento do setor. Não só no Brasil, mas em todo o mundo.

Nesses quase 20 anos de desestatização do setor de telecomunicações no Brasil, observamos que o capital privado respondeu positivamente às demandas e demonstrou agilidade e flexibilidade para acompanhar a rápida evolução tecnológica do período. A própria Anatel, com a adoção dos compromissos de abrangência nas licitações de radiofrequência, permitiu que a telefonia móvel chegasse a praticamente todos os municípios.

Por conta desse sucesso do modelo setorial, a demanda por serviços de telecomunicações, incluindo mobilidade e comunicação de dados, tornou-se universal. Um exemplo dessa transformação é a indústria financeira. Com as novas redes de comunicação, é possível realizar transações instantâneas a partir de computadores, smartphones, caixas eletrônicos e máquinas de cartão de crédito. Os meios de pagamento tradicionais, como papel-moeda e cheques, já estão em franco declínio. Tanto empresas quanto pessoas dependem cada vez mais dessas tecnologias nas atividades do dia-a-dia.

Mas é preciso garantir que os benefícios dessa evolução tecnológica sejam estendidos a todos os brasileiros que ainda se encontram digitalmente excluídos. É óbvio que, se as operações financeiras estão cada vez mais digitalizadas, quem fica excluído do mundo digital também acaba excluído da vida econômica. Como pensar num Brasil desenvolvido sem garantir a inclusão econômica e digital de todas as pessoas?

Apesar de todo avenço das duas últimas décadas, o Brasil ainda convive com 40% de sua população digitalmente excluída. Essas pessoas estão nas periferias das grandes cidades e na maior parte das regiões norte e nordeste, que são as mais distantes e economicamente menos atrativas. Nessas regiões, dificilmente haverá investimentos em infraestrutura se não for através de políticas públicas.

A Anatel tem a competência que a Lei Geral de Telecomunicações lhe atribuiu nos incisos I e III do artigo 19 para propor, orientar e implementar projetos da política setorial. Claro está que o órgão regulador deve pautar sua atuação por uma linha de proposição ao Poder Executivo para que ele faça a complementação dos investimentos do setor privado, especialmente naquelas áreas onde se encontram as famílias de baixa renda, que, infelizmente, são as que demandam maior aporte de investimentos com as menores taxas de retorno.

PERT

Um passo importante está sendo dado agora com o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações, o PERT, que fará um diagnóstico geral da infraestrutura de telecomunicações do país para identificar as deficiências e propor projetos estruturais para a ampliação das redes de transporte e de acesso que suportam a oferta de internet em banda larga (de alta capacidade e velocidade) em todas as regiões.

O PERT, que passou pela área técnica da Anatel e no CD está sob a minha relatoria, atende ao disposto no art. 22, inciso IX, da LGT, e possui caráter eminentemente estratégico para a agência. Estamos trabalhando para que o documento final apresente uma relação de projetos capazes de suprir as deficiências identificadas no diagnóstico, com as respectivas fontes de financiamentos a serem utilizadas na sua execução. Entre os projetos em estudo estão a ampliação da rede de transporte de alta capacidade em fibra óptica e por meio de radiofrequência, além do uso dos satélites, que têm apresentado eficiência cada vez maior, para atender as áreas mais isoladas, com menos densidade populacional.

Quando aprovado, esse planejamento será um suporte fundamental para o MCTIC e para o conjunto do governo estabelecer prioridades de investimentos na expansão das redes de banda larga.  Com ele, a Anatel poderá orientar tanto os investimentos públicos quanto os aportes privados, de forma a evitar a sobreposição de infraestrutura em algumas áreas e a completa ausência de investimentos em outras.

E de onde virão os recursos para esses investimentos?  Esta pergunta ficou ainda mais complexa depois da aprovação da PEC-95, a Emenda Constitucional do ajuste fiscal, que limitou as despesas do governo, até 2036, às executadas em 2016, acrescidas apenas da inflação de cada exercício.

Essa questão deve ser avaliada com cuidado mais que especial e todos os esforços da Anatel e do MCTIC devem ser mobilizados para que se encontre alguma saída. O método utilizado até aqui pela Anatel, que ampliou a cobertura da telefonia móvel através dos chamados compromissos de abrangência nas licitações de radiofrequência, foi eficiente e tem que ser mantido. Mas ele não é suficiente para suprir todas as necessidades que uma rede convergente impõe.

Nem cogito mencionar desoneração tributária, porque sei que é uma hipótese inexequível. Principalmente no cenário de contingenciamento orçamentário que afeta todos os setores do governo no momento.

Instrumento como o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC constitui-se num dos esforços empreendidos pela Anatel com vistas a transformar parte dos valores das multas aplicadas e lançadas como créditos da União, em investimento, tanto no cumprimento das obrigações que deram origem às sanções quanto nos compromissos adicionais de expansão da infraestrutura.  O TAC da Vivo, por exemplo, que há poucos dias recebeu parecer favorável do TCU, prevê que o valor de R$ 2,4 bilhões de multas aplicadas seja convertido em investimentos equivalentes a R$ 4,9 bilhões em projetos de expansão de cobertura em localidades definidas pela Anatel.

O PLC-79, que depois de meses paralisado no STF foi recentemente devolvido à mesa diretora do Senado para ser apreciado em plenário, pode significar um aporte considerável de recursos a serem investidos na expansão da banda larga porque prevê que o saldo da migração do regime de concessões para o modelo de autorizações tenha esta destinação. Ainda bem que a discussão em torno dessas duas fontes tenha evoluído, porque até há poucos dias elas eram consideradas incertas, polêmicas e, sobretudo, finitas, o que não deixaram de ser porque, mesmo que tudo dê certo, essas fontes são esgotáveis e só suportarão investimentos por um certo período.

Fust

As fontes sustentáveis para um investimento continuado são os fundos setoriais (FUST, FISTEL e FUNTEL), que pouco ou nada têm sido investidos desde que foram criados para suportar o desenvolvimento do setor. O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust é o veículo mais importante que temos para viabilizar, na plenitude, uma política pública capaz de, em poucos anos, colocar o Brasil num outro patamar em termos de infraestrutura de rede.

É claro que precisa de alteração legal para que o Fust seja utilizado em investimentos na expansão da banda larga, que é a essencialidade do momento, bem diferente do que era 20 anos atrás o STFC, o telefone fixo, que era a essencialidade da época. É uma questão de vontade política e de visão estratégica de desenvolvimento do país.  Inclusive, com a limitação de despesas públicas imposta pela EC-95, há que se pensar em duas mudanças simultâneas: além de alterar a lei do FUST para que ele financie projetos de expansão da banda larga, temos que pensar na criação de um organismo não-governamental para gerir os recursos. Para que ninguém fique assustado, isso já ocorre hoje com a empresa administradora da digitalização, a EAD, que gerencia os investimentos da digitalização com os recursos arrecadados no leilão da faixa de 700 MHz. Aliás, a agenda do desligamento do sinal analógico com a TV digital e a ocupação da faixa de 700 MHz para ampliar a oferta da internet móvel em 4G, é uma das poucas agendas positivas em curso atualmente, sem contingenciamento orçamentário.

É preciso atender ao que está disposto no art. 2º, incisos I e II, da LGT: “garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis; e estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações em benefício da população brasileira”.

Quando apresentei o relatório da comissão de avaliação do PNBL na CCT do Senado, em 2014, deixei consignadas seis proposições legislativas que estão em tramitação na casa. Uma delas prevê a redução do Fistel, que é o fundo de fiscalização que arrecada dez vezes mais que o necessário para manter as atividades da Anatel, com proporcional transferência desses valores para o Fust. Seria uma engenharia bem interessante para suportar políticas públicas para o setor, que tem um saldo próximo a R$ 100 bilhões recolhidos e apenas uma pequena parcela desse valor investido. É hora de atualizarmos essas proposições para que sejam mais aderentes às demandas do momento. E tem que partir do Executivo, com suporte técnico da Anatel e do MCTIC.

Não vamos olhar para o passado. Só nos interessa o futuro. Os três fundos juntos arrecadam algo em torno de R$ 5 bilhões por ano. Se o governo definir uma política que invista entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões por ano, com projetos estratégicos bem delineados, vamos ter um resultado excepcional em termos de crescimento econômico, geração de emprego, desenvolvimento e aumento do PIB. Esses valores irão se somar aos investimentos planejados pelo setor privado.

Nossa intenção agora é aproveitar o ensejo do relatório do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações, o PERT, para trazer alguma proposição nesse sentido!

Universalização

Os princípios da universalização dos serviços e a competição entre prestadoras são os pilares que sustentam o atual marco institucional do setor de telecomunicações brasileiro. Parte do desequilíbrio observado hoje advém justamente da falta de investimento público no setor. E estou afirmando isso na condição de agente público, de servidor público, reconhecendo que estamos deixando a desejar nesse quesito.

Além da coordenação de investimentos privados e a implantação de projetos da política setorial de telecomunicações, a agência também precisa articular a colaboração de parceiros na execução de projetos estratégicos e estruturantes. São projetos que, em geral, envolvem órgãos fora da estrutura de competências da Anatel.

A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP, por exemplo, uma experiência que integra, em alta capacidade, milhares de circuitos para conectar instituições de ensino e pesquisa em todo o País, tem muito a contribuir com a conectividade de regiões isoladas. A infraestrutura da RNP tem sido disponibilizada para diversos provedores de pequeno porte que, além de conectar pessoas, ajudam a aumentar sua capilaridade em todo o território nacional.

O Programa Amazônia Conectada, do Exército Brasileiro, com o qual a Anatel já vem colaborando há algum tempo e tem parceria fina com a RNP, está levando infraestrutura de rede de fibra óptica a vários municípios amazônicos, que há pouco tempo estavam totalmente desprovidos de qualquer possibilidade de conexão em alta velocidade. Com a articulação de vários órgãos do governo, nas esferas federal e estadual, o projeto já provou sua viabilidade técnica, operacional e econômica.

Da mesma forma, preciso citar o projeto Cinturão Digital do Ceará, que estendeu uma rede de fibra óptica com mais de 3 mil quilômetros de extensão no Estado do Ceará, levando hoje infraestrutura para dezenas de municípios numa parceria público-privada de sucesso. No Estado de Minas Gerais, a Cemig Telecom cumpriu um papel semelhante, levando fibra óptica para mais de 90 cidades numa rede com mais de 11 mil quilômetros de extensão.

Esses projetos têm em comum o fato de implementarem infraestrutura de fibra óptica em municípios e locais que não tinham atratividade econômica. Mais que isso: contam com uma bem-sucedida “parceria público-privada”, em sentido amplo, considerando o investimento realizado pelo setor público para o lançamento de backhaul de alta capacidade e a complementação efetuada por provedores privados, que utilizam essa rede como suporte para seus modelos locais de negócios.

Considero fundamental que a Anatel mantenha um cadastro atualizado das redes de telecomunicações existentes e planejadas no País. Assim, o órgão regulador vai estar em condição de orientar a alocação eficiente dos recursos e subsidiar as políticas públicas destinadas à inclusão digital daqueles que estão desconectados. Ao mesmo tempo, também considero necessário avaliar periodicamente as falhas de mercado, de forma a dirigir investimentos públicos para as áreas não atrativas e aplicar os remédios regulatórios necessários para fortalecer cada vez mais a oferta e a competição.

Simples assim, como está na LGT. Onde tem viabilidade e atratividade econômica, que a liberdade seja a regra e que o usuário escolha o serviço melhor. Para as regiões de pouca atratividade, que sejam implementadas políticas públicas para que o direito ao acesso à internet de banda larga seja assegurado a todos.

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*  – Aníbal Diniz, 54, integrante do Conselho Diretor da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) desde outubro de 2015. Graduado em História pela UFAC, atuou no jornalismo acreano na década de 1980, foi diretor de jornalismo da TV Gazeta (1990 – 1992), secretário de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993 – 1996), secretário de comunicação e assessor especial do Governo do Acre (1999 – 2010), senador pelo Estado do Acre (Dez/2010 – Jan/2015). Relator da comissão de avaliação do PNBL na Comissão de Ciência e Tecnologia – CCT do Senado em 2014.

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