O dia seguinte à votação do novo Plano Geral de Outorgas (PGO) deixou a Anatel em um clima de ressaca. Mas as 15 horas de votação parecem não ter abatido o relator da proposta, conselheiro Pedro Jaime Ziller, responsável pelos itens mais polêmicos do texto que acabaram sendo derrubados pela maioria dos demais membros do Conselho Diretor.
Ziller recebeu este noticiário nesta sexta-feira, 17, mais sereno do que há um mês, quando o conselheiro deu entrevista sobre o cronograma de votação do PGO. Com a análise concluída, Ziller está longe de se sentir derrotado por não ter conseguido convencer os demais conselheiros a incluir na proposta medidas mais contundentes como a separação empresarial entre STFC e SCM e a separação funcional.
Ao ser questionado se encarava a retirada das separações do texto como uma derrota, Ziller foi direto. "Em absoluto. Essa discussão de separação começou há alguns anos e era vista pelas empresas como uma loucura. Agora todos concordam que de ter uma separação funcional. Todos os pareceres apontam para isso. Se vai estar no decreto ou não, isso é outra discussão. A sensação que tenho é de que cumpri o meu papel de levantar esse debate", avaliou o conselheiro.
Política pública
Nesse contexto, a polêmica sobre incluir ou não a separação na proposta de alteração do PGO acabou ficando mais no campo da interpretação jurídica do que na adoção concreta da medida, na opinião do conselheiro. As áreas técnica e jurídica da agência, apesar de favoráveis à idéia, interpretaram que o PGO não é o instrumento correto para esta medida por ser um documento do Executivo e não da Anatel, que teria por lei a incumbência de decidir esses assuntos.
Para Ziller, incluir a separação no PGO em nada reduz o poder da agência de regulamentar o assunto e, assim, não haveria confronto com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). A interpretação do conselheiro é que colocar o tema no PGO serviria para consolidar uma política pública voltada para a criação de estímulos à concorrência, o que seria perfeitamente aderente às premissas legais.
Ele lembra que algo idêntico foi feito com a portabilidade numérica: por decreto, o governo reforçou a necessidade de realização dessa medida como um item da política pública de telecomunicações e essa atitude não sofreu nenhuma contestação quanto a sua legalidade. "Eu defendo que a separação dos serviços deveria ser uma política pública", explica Ziller. "Tem coisas que nesses 10 anos que achamos que tem que ter uma política pública para corrigir isso. Há uma competição imperfeita hoje", complementa.
Sem direito adquirido
Um aspecto que ainda pode gerar muita discussão caso a separação continue na agenda da Anatel é a tese de que o STFC e o SCM não podem ser apartados por causa de um direito adquirido gerado pela LGT. O primeiro abalo nessa tese está no parecer da CGEE, onde os especialistas contestam a existência de qualquer direito instituído à prestação conjunta entre STFC e SCM. Em seu voto, Ziller reforça a dúvida usando a seu favor atos da própria Anatel.
Para o conselheiro, a troca das licenças do SRTT para o SCM não mantém o direito expresso no artigo 207 de prestação, no mesmo CNPJ, dos dois serviços. "O SCM não é o mesmo SRTT. Ele agregou outras funcionalidades como mobilidade e a criação de um plano de numeração, que são vantagens frente ao SRTT. A troca foi voluntária e, como toda troca, a concessionária abriu mão de algumas vantagens ao fazê-la", avalia.
Para comprovar seu entendimento, o conselheiro lembra que nem todas as concessionárias fizeram a troca: apesar de já ter solicitado à Anatel a troca pelo SCM, a CTBC ainda possui licenças de SRTT. Ziller não contesta o fato de a LGT permitir a prestação pela concessionária do SRTT. Apenas ressalva que no momento em que se criou um novo serviço (o SCM), as vantagens existentes no SRTT não foram carregadas para esta nova licença.
Outro exemplo usado pelo conselheiro em seu voto é a mudança do SMC pelo SMP. No serviço móvel pessoal, as empresas tinham vantagens de concessionárias: direito a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, correção de tarifas pelo IGP-DI e reajuste periódico da tarifa de interconexão, para citar alguns. Ao migrar para o SMP, as empresas da banda A perderam essas vantagens e não houve qualquer discussão sobre direito adquirido. "Por isso tudo, a tese do direito adquirido não prospera", afirma Ziller.
Escopo do PGO
Nos votos divergentes do relatório de Ziller, o artigo 84 da LGT foi invocado em várias ocasiões. O artigo em questão explicita quais itens devem estar presentes nos PGOs editados pelo Executivo. Este item da lei foi usado para explicar a necessidade de retirada de diversas propostas feitas por Pedro Jaime Ziller porque estas ultrapassariam o escopo definido em lei para o PGO.
Esses argumentos foram contestados pelo conselheiro-relator. Para Ziller, a lei define o que deve estar presente no PGO, mas isso não impede que o documento seja mais vasto do que o descrito na legislação do setor. Um dos pontos de claro atrito está nos artigos 1º e 2º do PGO aprovado, onde estão inseridas definições do STFC e regras de uso das redes. A inclusão dessas definições foi questionada no parecer jurídico da Anatel e considerada desnecessária. No entanto, os dois artigos são reproduções do que já existe nos dois primeiros artigos do PGO em vigor. Assim, se existisse ilegalidade na inclusão desses artigos no novo PGO, automaticamente o plano em vigor também estaria ilegal.
Outro ponto de contestação sobre a leitura do artigo 84 feita por parte dos conselheiros e do corpo da Anatel é que o PGO atual é flexível em alguns itens, especialmente ao criar um sistema de empresas-espelho para concorrer com as concessionárias e dispor sobre a atuação de empresas que não participaram do programa de desestatização (CTBC e Sercomtel). Esses artigos, por ultrapassarem o estabelecimento de regras para as concessionárias pós-privatização seriam uma demonstração, na opinião de Ziller, de que é possível fazer um PGO mais amplo do que o descrito no artigo 84.
"A base da minha lógica é que um decreto presidencial é presumidamente legal. Para dizer que um decreto é ilegal, é preciso que alguém entre com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), o que não ocorreu com o PGO atual", afirmou o conselheiro. Ziller evitou criar polêmica com os demais conselheiros nesse momento pós-votação. Não respondeu, por exemplo, se achava que a Anatel teria perdido uma oportunidade de fazer um novo modelo mais moderno para o setor ao rejeitar sua proposta. Disse apenas que não há como prever quais serão os próximos passos da agência e que só poderia falar sobre a sua visão desta reforma. "O que eu acho é que tinha que ser feito agora. Por isso apresentei este voto."