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Em relatório, Cade mostra preocupação com uso dos dados na economia digital

Foto: Lorenzo Cafaro (Pexels)

Com a participação de reguladores da África do Sul, Rússia e Índia, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) divulgou, nesta terça-feira,17, o relatório “BRICS in the Digital Economy: Competition Policy in Practice”. No documento, o órgão regulador de competição mostrou preocupações em relação à economia digital, sobretudo na possibilidade de exercer práticas abusivas por meio de formas não tradicionais, como o controle de dados. Para o Conselho, o maior desafio para lidar com a economia digital é “como intervir em mercados altamente dinâmicos”, como o de tecnologia. Isso porque a definição de mercado relevante e de poder de mercado não são “facilmente aplicáveis em mercados multilaterais”. 

O Cade mostra preocupação com a concentração de dados e seus efeitos na competição, mas também com a adoção de cláusulas que poderiam restringir a competição. Lembra que a economia digital abre a possibilidade de tratamento discriminatório baseado nos dados de usuários, incluindo tecnologias como microtargeting e geotagging, que poderiam ser utilizadas para restringir competição e impedir usuários de acessar certos serviços. “As dinâmicas das plataformas digitais também levantam a relação próxima entre privacidade e política de competição, que desafia a política tradicional. Assim, há também desafios de coordenação emergindo com a relação de políticas de competição com outras regulações, como a legislação de proteção de dados.”

A entidade cita a Lei nº 12.529/2011, a Lei do Cade, que dá ao regulador a prerrogativa de revisar qualquer fusão. No entanto, pondera que é importante levar em consideração os riscos de qualquer política restritiva, “já que isso pode desencorajar a inovação, já que muitas novas companhias entendem que a aquisição por um player significante é uma importante estratégia de fuga”. 

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O relatório destaca que o acesso à Internet “pode ser uma questão de política de competição no mercado digital, como realçado pela África do Sul, Índia e Brasil”. A entidade ressalta a possibilidade de exploração da Web como meio para serviços over-the-top, incluindo até mesmo serviços bancários, e que os smartphones são o meio mais importante para a conectividade. Assim, considera que “pacotes de dados móveis viraram uma ferramenta indispensável para que esse mercado floresça”. 

Mas a entidade chama atenção para a concentração no mercado de sistemas operacionais móveis, como Android e iOS. “A integração vertical entre sistema operacional, aplicativos e plataformas de aplicativos (‘app stores’) gera preocupações de um possível abuso de dominância (com alguns casos sob análise, como na Índia), lembrando as preocupações de competição levantadas pela integração entre a Microsoft e seus softwares (navegador de Internet e comunicações) na primeira década dos anos 2000 na Europa e nos EUA”. Cita ainda a autoridade de competição russa (Serviço Federal Antimonopólio – FAS) ao afirmar que a influência das gigantes da Internet afetam toda a cadeia de produção e serviços.

A entidade analisa o comportamento de cada regulador em relação a itens como algoritmo de precificação, competição e big data. Neste último caso, cita a análise da joint-venture de bancos brasileiros para análise de crédito em 2016 (liberada após aplicação de remédios de transparência no fornecimento dos dados). O relatório dá destaque às legislações de proteção de dados – no caso do Brasil, a Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e a alteração que cria a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Casos

Um dos destaques brasileiros trazidos pelo Cade é a análise da fusão da AT&T/Time Warner, cuja decisão saiu ainda em 2017 (apesar de o caso ainda estar no conselho diretor da Anatel). Na ocasião, as empresas assinaram um acordo de controle de consolidação (ACC) com o Conselho, no qual se comprometiam a cumprir com várias obrigações impostas pela autoridade, como a de manter a Sky Brasil os canais da Time Warner como companhias individuais, com suas próprias estruturas de governança e administração, prevenindo a troca de informações sensíveis que poderiam discriminar agentes econômicos que não pertencem ao grupo. Os canais da Time Warner também deveriam ser oferecidos para outros provedores de TV por assinatura; enquanto a Sky não poderia se recusar a transmitir ou impor termos discriminatórios para canais não afiliados à AT&T. 

Outro citado pela entidade foi a fusão da Disney com a Twenty-First Century Fox. Nele, a Superintendência Geral do Cade determinou remédios estruturais, com a venda do canal Fox Sports. O Conselho ainda cooperou com agências do México e do Chile no caso. 

Também foi lembrada a análise da prática de zero-rating por parte das operadoras móveis – no caso específico, da Claro, TIM, Oi e Vivo. O Cade entendeu se tratar tanto do mercado móvel quanto o de aplicativos e conteúdo, e que as operadoras eram dominantes antes da disseminação dos apps, além de não entender que as plataformas eram verticalmente integradas com qualquer um dos serviços de zero-rating. Assim, o caso foi encerrado por “falta de evidência de violações contra a ordem econômica”.

Além desse caso, o Cade não externa preocupações com as operadoras. Na resposta ao questionário geral, o regulador citou dados de setembro de 2018 para determinar a dominância (75,61%) de três grupos de banda larga no Brasil: Claro (30,09%), Vivo (25.28%) e Oi (20,24%). Vale ressaltar, contudo, que atualmente o grupo de provedores regionais já é o segundo maior do País, ultrapassando Oi e Vivo. Na conexão móvel, define que 97,90% de todo esse mercado é dominado pelas quatro grandes: Vivo (30,20%), Claro (26,98%), TIM (24,37%) e Oi (16,15%). 

No caso de gigantes de Internet, contudo, há um sinal de alerta com o Google. A entidade cita três recentes investigações (todas já encerradas, contudo), com a prática de abuso de poder dominante no serviço de comparativo de preços; a técnica de vasculhar a competição (scraping) para melhorar os próprios resultados; e a possibilidade de práticas anticompetitivas com a ferramenta de publicidade AdWorld, que teria impedido a transferência de dados para a plataforma de competidores. 

Mas o Cade abriu outras investigações contra a companhia. A primeira envolve o sistema operacional Android. A segunda é relacionada ao uso de conteúdo de terceiros para benefício das próprias plataformas, como Google Shopping e Google News. Nesses dois casos, as investigações seguem sob sigilo. 

Lançamento

O extenso relatório foi desenvolvido por um grupo de trabalho Research on the Competition Issues in the Digital Markets (pesquisa em assuntos da concorrência em mercados digitais), coordenado pelo Cade e criado durante a 5ª Conferência sobre Concorrência do BRICS, que ocorreu em Brasília, em 2017. “Com a publicação deste relatório, esperamos estimular o debate em questões cobertas aqui e permanecer abertos para discutir mais o desenvolvimento de leis e regras de competição na era digital nos BRICS com a academia, profissionais e outras autoridade de competição no mundo”.

A iniciativa do grupo partiu de um questionário que buscou sondar as práticas e desafios enfrentados pelas autoridades da concorrência do BRICS no contexto da economia digital. O primeiro levantamento é baseado nas respostas apresentadas pelas autoridades de concorrência do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Devido a uma recente reforma institucional, a autoridade antitruste da China não pôde contribuir com a primeira publicação, mas participará das publicações futuras.

Esta é a primeira de uma série de publicações que o GT pretende divulgar nos próximos anos, com o objetivo de melhor compreender e examinar as políticas de concorrência na economia digital, além de aprimorar a cooperação futura entre as agências. Acesse o relatório BRICS in the Digital Economy: Competition Policy in Practice.

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