A Anatel tem trabalhado modernização do atendimento ao consumidor com o Avalia, um sistema baseado em inteligência artificial que transforma o processo de avaliação da qualidade das respostas dadas pelas prestadoras de serviços de telecomunicação após reclamações por usuários.
O novo sistema substitui um modelo amostral e manual por uma análise automatizada e em larga escala, cobrindo a totalidade das reclamações recebidas. O avanço dos trabalhos foi apresentado em reunião do Conselho Consultivo da Anatel realizada nesta terça-feira, 17.
Se antes a agência contava com apenas com avaliadores humanos e planilhas para aferir a qualidade das respostas, alcançando apenas entre 12 e 16 prestadoras por ciclo de avaliação, agora, com o Avalia, é possível monitorar as respostas de todas as empresas registradas no CRM da Agência. Atualmente, o sistema opera com aproximadamente 110 mil reclamações e três mil amostras por mês.
O Avalia é impulsionado por uma arquitetura que envolve cerca de 90 modelos aptos para uso da inteligência artificial — entre algoritmos de aprendizado de máquina e redes neurais. Cada um dos 33 indicadores de qualidade avaliados pela Anatel conta com dois modelos específicos:
Modelo de Habilitação: determina se uma questão deve ou não ser considerada no contexto da reclamação.
Modelo de Resposta: verifica se a prestadora respondeu adequadamente à questão habilitada.
Esses modelos operam com base em análise probabilística e utilizam diferentes fontes de informação, como textos das reclamações, respostas das operadoras e registros de reabertura de chamados.
Além disso, o sistema realiza tarefas que antes eram exclusivamente humanas, como a categorização dos assuntos e problemas das reclamações, a seleção automática de perguntas aplicáveis, a análise da coerência das respostas e a verificação do cumprimento dos direitos do consumidor conforme os regulamentos da Anatel.
Aprimoramentos
Apesar dos avanços, a implementação do Avalia ainda está em fase de aprimoramento. Os modelos precisam ser reconfigurados quando há mudanças nas bases de dados ou nos parâmetros de avaliação. "Não é uma varinha mágica. Se a base muda, temos que reconstruir o modelo", explicou o Gerente de Canais de Relacionamento com os Consumidores, Claudio Silva, durante reunião do Conselho Consultivo.
Atualmente, contudo, as taxas de acerto da IA já superam as dos cidadãos comuns e se aproximam das dos especialistas. No entanto, a Anatel mantém cautela: os resultados ainda não são liberados diretamente às prestadoras, a não ser sob supervisão, garantindo que não haja desvios ou erros de interpretação.
O sistema Avalia é composto por seis módulos principais, que vão desde o treinamento da IA com base em avaliações humanas, até a publicação dos resultados internos. Um dos módulos mais importantes é o de Análise de Divergência, que permite comparar o julgamento da IA com o de especialistas humanos, um processo que alimenta o contínuo retreinamento dos modelos.
A eficácia do sistema já pode ser observada na prática. A nova resposta não apenas informa de forma clara e personalizada, como também detalha ações tomadas e compensações ao consumidor.
Por ora, o Avalia está concentrado na base de dados do sistema Anatel Consumidor, mas a agência já considera ampliar seu uso para outras áreas. Para isso, será necessário desenvolver novos modelos adequados às diferentes realidades e demandas.
Discussão
Durante a reunião do Conselho também foi discutida a implementação e os desafios da inteligência artificial na agência. A conselheira Paloma Rocillo questionou o gerente Claudio Silva quanto às questões ambientais relacionadas ao uso da IA, especialmente o impacto energético. Embora ainda não haja uma Análise de Impacto Ambiental (AIA) formalizada, a Anatel reconhece o tema como uma preocupação global, destacou o gerente.
Outro ponto de interesse foi a possibilidade de reprocessar avaliações antigas feitas por humanos. A Anatel confirmou que o Avalia já foi testado com essas bases, demonstrando resultados compatíveis com os especialistas em muitos casos, embora com menor desempenho em temas raros, nos quais a IA ainda está em fase de aprendizado.
Além disso, ele destacou que a adoção da IA pela Anatel já está impactando ações concretas de fiscalização. Informações extraídas do Avalia têm subsidiado processos regulatórios e acionado outras superintendências da agência.
Embora não tenha sido oficialmente confirmado se o resultado da IA impõe planos de melhoria obrigatórios às operadoras, há uma forte correlação entre os achados do Avalia e as exigências regulatórias feitas às empresas — fortalecendo o papel da ferramenta como apoio técnico em decisões estratégicas.
Governança, ética e responsabilidade
A discussão sobre o Avalia avançou para temas de governança algorítmica, refletindo as diretrizes internacionais da OCDE e normas ISO sobre IA confiável. A Anatel afirma estar em estágio "avançado" no desenvolvimento de uma política interna de governança de IA, com princípios como confiabilidade, justiça, pluralidade, sustentabilidade e proteção de dados.
Entre os pontos destacados:
Treinamento humano e mitigação de viés: O sistema deve ser treinado com base em análises de especialistas, minimizando vieses estruturais nos dados.
Supervisão humana contínua: A IA nunca deve atuar de forma autônoma e irrestrita. Há sempre supervisão humana no processo de avaliação.
Privacidade garantida: A Anatel assegura que nenhum dado pessoal dos cidadãos é utilizado nos modelos e que o foco é exclusivamente na análise das respostas das operadoras.
Transparência e auditabilidade: Embora a auditabilidade externa ainda não tenha sido plenamente detalhada, a agência reforça que está se preparando para auditorias internas e externas, além de monitoramento contínuo.
"A tecnologia é falível por definição. Estamos atentos à responsabilização em caso de erro e trabalhamos com muita cautela", declarou Silva.
Desafios estruturais e próximos passos
Mesmo com avanços notáveis, a Anatel reconhece desafios como a limitação de recursos em tecnologia da informação. Ainda assim, planeja-se a expansão do Avalia para todas as áreas da avaliação de qualidade regulatória (AQR), sempre com supervisão humana.
A agência também projeta a abertura de consulta pública para consolidar sua portaria de governança de IA, permitindo que sociedade e especialistas contribuam para uma regulamentação moderna, ética e transparente.
Reuniões presenciais suspensas
Um aviso relevante dado ao fim da reunião do Conselho diz respeito à suspensão de suas reuniões presenciais.
O presidente do Conselho Consultivo da Anatel, Fabrício da Mota Alves, pontuou que "diante do corte orçamentário instituído pelo Governo Federal em toda administração pública, a Anatel precisou implementar um ajuste linear de 50% no orçamento original de diárias e passagens para todas as áreas, incluindo este Conselho Consultivo".
Além disso, ele mencionou a portaria que aprovou a contenção de ações orçamentárias na agência, trazendo diretrizes para priorização de eventos em formato virtual.
"Eu tive um grande esforço em promover as reuniões presenciais. Eu penso que a dinâmica e o resultado sejam substancialmente distintos e muito mais proveitosos do que as reuniões online. Mas, temos que nos adaptar às realidades, tanto tecnológicas como orçamentárias. Diante disso, tomei a decisão de que as próximas reuniões serão totalmente online, sem prejuízo de que estejam aqui presentes, eventualmente, por conta própria", declarou.