Os desafios à discussão do modelo de telecomunicações

Há alguns anos que o governo ensaia uma discussão sobre a revisão do modelo de telecomunicações, sobretudo em relação à questão da concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e à prestação do serviço em regime público. O ex-ministro Paulo Bernardo havia colocado o item com algum grau de prioridade, Ricardo Berzoini também deu algum destaque a isso quando assumiu. Mas na prática, o debate ainda não começou como deveria. Nesta quarta, 17, a Anatel fez um primeiro esforço de começar essa discussão, que no momento está recheada de boas hipóteses mas ainda poucos dados concretos. O que deveria estar em debate não é apenas a reversibilidade dos bens das concessionárias, nem as obrigações das empresas, mas o projeto político para as telecomunicações, como aconteceu em 1997.

O seminário da Anatel foi uma faísca fundamental e necessária, mas ainda não sabemos se será suficiente para incendiar o governo, que tem itens mais urgentes e imediatos na pauta. De qualquer maneira, caso o debate sobre a revisão do modelo ganhe corpo, alguns cuidados precisam ser tomados.

O primeiro é com a premissa que sustenta nove entre dez análises que pregam o esgotamento do modelo: o de que a concessão do STFC é inviável. É preciso olhar com atenção os números das empresas e entender aquilo que está sendo considerado como receita do STFC (se apenas o serviço de voz ou se também receitas extras, como exploração de rede, cessão de meios etc.). Também é preciso olhar a concessão dentro de um período que contemple sua história como um todo. A concessão pode ser insustentável para o futuro, mas ela foi muito rentável no passado. Foi esta rentabilidade imediata e significativa que atraiu compradores para o processo de privatização. Mas é fato que, mesmo com um passado glorioso, ninguém vai colocar dinheiro em algo que não tem capacidade de gerar dinheiro daqui para frente.

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A segunda preocupação é entender o que se quer de uma concessão de serviço público de telefonia. Falar ao telefone por uma linha fixa foi fundamental em 1998, ainda é muito importante hoje, mas terá algum sentido em 2025? E se a voz pouco importar, o que importará mais? O que será essencial e digno de uma atenção especial do Estado que justifique uma concessão de um serviço prestado em regime público no futuro? Lembrando que caberá ao Estado assegurar esse serviço no caso de falha do concessionário.

Um terceiro ponto a ser considerado é a realidade do mercado e da capacidade de investimento do próprio Estado. Planilhas aceitam qualquer coisa, mas fazer investidores privados colocarem recursos em alguma coisa é uma tarefa mais complicada, pois passa por uma avaliação de riscos e benefícios. Da mesma forma, contar com recursos do Estado para sustentar um projeto, por melhor que seja, é sempre uma aposta de alto risco no Brasil. A melhor prova disso é o Fust, um ótimo modelo teórico que não funcionou na prática. Por outro lado, não se mexe num modelo para resolver um problema imediato. Isso foi feito quando a estrutura do modelo atual foi alterada para permitir a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, e os resultados certamente estão muito distantes daqueles que haviam sido prometidos.

A questão da reversibilidade dos bens das atuais concessionárias é uma quarta questão. Importante e complexa econômica e juridicamente, essa discussão terá que lidar com o fato de que nunca foi enfrentada com cuidado pelas autoridades competentes e pelas próprias empresas ao longo destes 18 anos de modelo aí estabelecido. Mais do que desatar o nó, que parece cada vez mais um problema insolúvel, a experiência passada servirá para corrigir erros futuros.

A Anatel faz bem em iniciar o debate, até porque a Lei Geral de Telecomunicações determina que ela alerte o governo sobre nuvens no horizonte referentes ao modelo. O governo fará bem se encampar o debate com vigor e transparência. A discussão é longa e complicada, mas precisa começar e ganhar velocidade.

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