Manifestação do TCU é tsunami que afeta todo o setor de telecom

A implicação pessoal de conselheiros da Anatel em um relatório da área técnica do TCU sobre os Termos de Ajustamento de Conduta (com foco no TAC da Telefônica), conforme revelou este noticiário, é possivelmente a pior notícia que as empresas de telecomunicações poderiam receber no momento contexto. A tendência é que a agência, que já vinha atuando em ritmo bastante lento em relação a medidas de flexibilização e redução da carga regulatória, justamente pela delicadeza do contexto político, passe a atuar em sentido contrário. Como já dissemos, os órgãos de controle, especificamente o TCU, têm uma ascendência e um poder de determinar as posições das agências reguladoras técnicas de um modo geral, Anatel incluída, que nunca tiveram em outros tempos.

A manifestação do TCU seguirá ao plenário do tribunal e possivelmente haverá uma atenuação em relação às implicações pessoais, afinal os conselheiros lá estão para votarem com suas consciências. Falar em dano ao erário em um TAC que sequer foi implantado, pois ainda aguardava a manifestação justamente do TCU, parece excessivo. Mas a manifestação técnica do TCU traz implicações sérias pois praticamente implode o modelo de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que era a grande aposta da Anatel para ajudar a destravar alguns investimentos como para zerar um passivo acumulado de multas administrativas que, se fossem para uma disputa judicial (como normalmente vão), ficariam mais de uma década em contenda até que finalmente pudessem ser cobradas pela União.

O modelo de TACs era também a chave para a renegociação das dívidas da Oi com o governo no processo de Recuperação Judicial da empresa. Há quase três semanas aguarda-se a publicação de uma Medida Provisória, já anunciada pela agência e pelo ministro Gilberto Kassab, justamente para abrir a possibilidade de negociação dos créditos constituídos. Ainda não se sabe se o custo político de um enfrentamento técnico com o TCU poderá fazer com que o governo desista da MP ou, ao contrário, a acelere para tentar dar mais solidez jurídica ao instrumento dos TACs.

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Também o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações contava com a possibilidade de usar recursos negociados no âmbito de Termos de Ajustamentos de Conduta para projetos do Plano Nacional de Conectividade, em elaboração. Como esses TACs seriam celebrados com a Anatel, também as políticas públicas ficam em risco.

A celebração de acordos com as empresas sempre foi controvertida e mesmo dentro da Anatel o assunto foi objeto de muita discussão. Ao fim, concluiu-se que esse modelo poderia trazer mais ganhos para a sociedade do que uma longa disputa judicial em torno da mera cobrança das multas.

A análise do TCU também praticamente inviabiliza que a Anatel revise a metodologia de aplicação das multas. Aliás, este também é objeto de críticas da mesma área técnica do Tribunal de Contas que está responsabilizando os conselheiros da agência no caso do TAC.

A Anatel, ao contrário de outros órgãos públicos, têm pouco ou nenhum poder político ou de influência junto ao Congresso ou opinião pública. Por lidar com um setor de grande relevância econômica e com milhões de consumidores, é um órgão constantemente sob escrutínio dos órgãos de controle, como o TCU ou o Ministério Público. Isso seria muito positivo, desde que a autonomia prevista em lei para a agência pudesse ser exercida sem constrangimento. Afinal, o órgão técnico de telecomunicações previsto na Constituição e na LGT é a Anatel, não o Tribunal de Contas, que é um órgão vinculado ao Congresso para fiscalizar contas, não elaborar a regulamentação setorial.

Hoje, os servidores da agência de maneira geral, mas sobretudo seu corpo diretor, muitas vezes deixam de fazer o que julgam correto para fazer aquilo que sabem que não trará dor de cabeça junto ao Tribunal de Contas. Jogam o jogo seguro e conservador, bidimensional, em que apenas a maximização de receitas para o erário e o cumprimento estrito de regras anacrônicas importa, pois ai não há como errar. Isso é extremamente complicado em um setor que exige respostas dinâmicas do ponto de vista regulatório e demanda um ambiente razoavelmente flexível para inovar e investir.

Tome-se o caso da Oi, por exemplo. A dimensão das multas aplicadas pela Anatel nos últimos anos: são R$ 15 bilhões de reais hoje em disputa. Ou da Telefônica, cujo TAC que implicou o conselho da agência era de R$ 5 bilhões para multas de R$ 2,8 bilhões. É um absurdo pensar que a União possa abrir mão disso sem contrapartidas, mas é ainda mais absurdo pensar que uma empresa precise pagar essa dimensão de valores porque não tinha um orelhão corretamente instalado ou uma loja funcionando numa pequena localidade, para ficar apenas em alguns dos casos que levaram a estes passivos bilionários. Multas desse montante deveriam ser aplicadas quando existem vítimas civis, danos irreparáveis ao meio-ambiente, prejuízo à ordem econômica ou riscos à segurança nacional, mas não por minúcias de regulamentos complexos.

É possível afirmar que todas as empresas de telecomunicações, de qualquer tamanho, em algum momento estarão irregulares em algum aspecto da regulamentação, simplesmente porque existem milhares de comandos regulatórios que se aplicam a milhares de municípios e se multiplicam por milhões de assinantes. Estatisticamente não existe como estar tudo 100% certo em 100% do tempo. Sem entrar no mérito se os comandos regulatórios são razoáveis ou justos, uma metodologia de sancionamento precisa considerar essa matriz e considerar que a prioridade das empresas deve ser o bom atendimento aos usuários e a realização de investimentos necessários para isso. Nunca o recolhimento de multas pelo governo.

O TCU, que não está preocupado com as consequências setoriais, soltou uma bomba na Anatel com grandes implicações práticas, no momento em que a agência precisa tomar algumas das decisões mais complexas de seus quase 20 anos. São decisões que vão desde a negociação das dívidas ou a decisão de intervir na Oi, como todos os riscos inerentes a esse movimento, até a revisão de todo o modelo de telecomunicações em curso, passando pelos problemas cada vez mais complexos do dia-a-dia do setor e uma extensa agenda regulatória. No cenário político atual, ter uma agência com duas décadas de estrada mas sem segurança para tomar decisões é o pior dos mundos.

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