O Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), instrumento fantástico desenvolvido pela Anatel que desde 2012 vem promovendo a competitividade e a melhoria dos serviços prestados no setor de telecomunicações, chegou à fase final de sua segunda revisão, que deve ser concluída ainda nesse mês de abril. O informe da área técnica já subiu ao Conselho Diretor e a matéria foi sorteada para relatoria do conselheiro Vinícius Caram.
Há grande expectativa em todos os segmentos do setor e, na condição de quem, como conselheiro, teve a honra de relatar sua primeira revisão antes e após a Consulta Pública entre 2016 e 2018, quando aprovamos por unanimidade a definição de PPP como prestador com até 5% de participação no mercado em qualquer serviço de varejo, estou na torcida para que, na atual revisão, os conselheiros resistam à pressão das gigantes e se mantenham firmes na defesa do incentivo à competitividade e à melhoria dos serviços prestados para os consumidores.
Seguindo o antigo mas sempre atual axioma de que "em time que está ganhando não se mexe", ou pelo menos não se altera a estrutura de jogo do time que está assegurando a vitória até aqui, imagino que a Anatel deva manter a estrutura atual do Plano Geral de Metas de Competição. A área técnica sugeriu em seu informe algumas alterações que, a meu ver, merecem atenção especial dos senhores conselheiros, que tem completa autonomia para, com fundamentos sólidos, votar de acordo ou divergir em pontos específicos ou na totalidade do documento proposto.
Criar uma subdivisão do conceito do PPP com a instituição da figura do microprestador ou caracterizar PPPs como prestador com presença significativa de mercado (PMS) só porque lideram em algumas cidades que nunca foram priorizadas pelas gigantes do serviço móvel, não me parece o caminho mais adequado para o fortalecimento da competitividade e a melhoria dos serviços prestados.
No que se refere ao conceito de PPP – prestador de pequeno porte com até 5% de participação no mercado de qualquer serviço no varejo, sou da opinião de que o novo PGMC deve manter a formulação exatamente como está. A subdivisão proposta no informe da área técnica com a introdução da figura do microprestador não me parece o melhor caminho. Sou contra!
O conceito atual de PPP é abrangente e flexível, na medida em que está firmado numa dimensão percentual, que pode ser maior ou menor de acordo com o tamanho da base. O parâmetro de 5% foi escolhido para se contrapor ao limite de 50 mil assinantes que prevaleceu até a revisão de 2018 que esteve sob minha relatoria. Nessa época, muitos prestadores que chegavam próximo ao limite de 50 mil ou optavam por abrir outro CNPJ para não terem de suportar os mesmos custos regulatórios dos grandes conglomerados de telecomunicações, ou omitiam os dados reais sobre acessos de banda larga instalados, prejudicando a formulação de políticas públicas de conectividade por ausência de estatísticas oficiais confiáveis.
A decisão que transformou os antigos 50 mil assinantes em 5% de qualquer serviço de varejo foi sem dúvida ousada e disruptiva. Sou feliz ao relembrar essa história porque, mesmo havendo dúvidas e até divergências, consegui formar unanimidade com os conselheiros Juarez Quadros, Otávio Rodrigues, Leonardo Euler de Morais e Emmanoel Campelo se convencendo de que era o melhor a ser feito em prol da competitividade setorial naquele momento. E o tempo, que é o senhor da razão, provou com números eloquentes que a decisão foi acertada.
Àquela época, com o limite a 50 mil assinantes havia no Brasil pouco mais de 30 milhões de assinantes de banda larga fixa e a soma dos pequenos não ultrapassava os 25% desse mercado. Com a ampliação para 5% do mercado chegamos em 2025 com 51,9 milhões de acessos, dos quais 57% deles ofertados por PPPs, segundo os dados publicados pela Anatel [1]. Pela pesquisa da PNAD contínua do IBGE, saltamos para mais de 63 milhões de domicílios servidos por banda larga fixa [2], o que representa 88% de cobertura nacional.
Se à época 5% representavam pouco mais de 1 milhão de assinantes, hoje os mesmos 5% representam aproximadamente 2,5 milhões de assinantes. Ou seja, prestadores de banda larga fixa que têm 1 milhão, 1,5 milhão ou até 2 milhões de assinantes em sua base podem continuar crescendo sem medo porque ainda estão longe de atingir o limite de 5%.
As gigantes do serviço móvel odeiam essa formulação e desferem todo tipo de ataque ao conceito de PPP, insinuando que, por se beneficiarem de algumas regras assimétricas, eles entregam serviço de qualidade duvidosa aos consumidores. Acontece que todos os mecanismos de aferição de qualidade mostram exatamente o contrário. Consumidores atendidos por prestadores de pequeno porte são exatamente os que apresentam o maior índice de satisfação com o serviço prestado e com o nível de resposta que recebem quando apresentam alguma reclamação.
O conceito de PPP e as regras assimétricas adotadas pela Anatel no âmbito do PGMC trouxeram inúmeras vantagens para o consumidor em termos de qualidade no serviço, muito mais banda por um preço mais em conta e maior empoderamento em termos de escolha. Se um prestador não está atendendo a contento, o consumidor sempre tem outras opções de serviços no mercado. Como seria melhor para o consumidor se ele tivesse mais opção de escolha também no serviço móvel!
A Anatel instituiu as PPPs como o maior veículo de fomento de políticas públicas de conectividade ao reconhecer, na revisão do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), que estas prestadoras foram a grande responsável pela expansão da infraestrutura de fibra ótica em locais com baixa densidade demográfica no Brasil [3].
Além disso, desde a revisão do PGMC de 2018, o papel das PPPs no mercado de banda larga fixa se reflete em números inquestionáveis [4]:
- O total de conexões subiu de 30 milhões para 51,9 milhões;
- O número de conexões em fibra subiu de 950 mil para 38,1 milhões;
- A velocidade média subiu de 14,9 Mbps para 433,9 Mbps;
- São mais de 4 mil municípios de menos de 30 mil habitantes com banda larga em fibra ótica;
- O preço médio de megabit por segundo caiu de R$ 13,20 para R$ 0,35.
A expansão da banda larga fixa no Brasil, principalmente após a definição do conceito de PPP na revisão do PGMC de 2018, em nada interferiu no mercado móvel de 240 milhões de chips ativos com 97% deles concentrados nos planos Claro, Vivo e Tim. Se tem algo que precisa ser ajustado no PGMC é exatamente o serviço móvel, onde o excesso de concentração nas gigantes deixa o consumidor sem poder de escolha em termos de preço e de qualidade no serviço prestado.
Talvez aqui esteja a equação a ser formulada pela Anatel nessa segunda revisão do PGMC. Como fazer do serviço móvel um serviço mais competitivo, com mais prestadores em todas as regiões de forma a possibilitar ao consumidor maior satisfação e maior poder de escolha. O Leilão do 5G foi uma primeira resposta, e tenho certeza de que a população das regiões onde PPPs adquiriram a faixa de 3,5 Ghz para prestar o serviço móvel terá um serviço de qualidade. A chegada de PPPs como Brisanet no Nordeste ou Unifique no Sul contribuirá imensamente para a melhoria do serviço móvel. A competição faz com que o serviço de todos melhore, e a nova revisão do PGMC não pode se distanciar desse objetivo: fortalecer a competição e zelar pelo bom serviço prestado aos consumidores.
* Sobre o autor – Aníbal Diniz é advogado, consultor da AD Advisors e da Associação NEO, ex-senador da República(2011 e 2014) e ex-conselheiro da Anatel (2015 – 2019). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente as visões de TELETIME.
[1] Conforme dados da Anatel no link, a participação de mercado das PPPs seria da ordem de 64% porque a Oi S.A. (atual Nio) foi convertida em PPP por decisão da Anatel. Preferiu-se retirar os acessos da Nio para efeitos de comparação da evolução dos acessos das PPPs e por considerar ainda artificial essa reclassificação da Nio para a condição de PPP.
[3] Ver link.
[4] Dados da Anatel para o mês de fev/2025 disponíveis no link.