A Starlink, do empresário Elon Musk, acionou diretamente o Ministério das Comunicações para agilizar, junto à Anatel, a aprovação se seu direito de exploração de satélite estrangeiro, passo necessário para o início da operação no Brasil da constelação da operadora norte-americana dedicada a serviços de banda larga. A licença obtida compreende 4.408 satélites não-geoestacionários de baixa órbita (LEO) para oferta de banda larga no País. A denúncia foi feita pelo site Brasil de Fato a partir de documentos obtidos por meio de Lei de Acesso a Informação (LAI). A reportagem traz a troca de correspondências entre o Ministério das Comunicações e a empresa, mostrando um primeiro interesse da empresa em estreitar laços com o governo brasileiro visando a aprovação do início das operações pela Anatel. De outro lado, o Ministério das Comunicações articula com a Starlink apoio para programas de banda larga e monitoramento da Amazônia, e vincula a ajuda junto à Anatel a esta agenda.
O Departamento de Comércio da Embaixada dos Estados Unidos agiu como intermediador, segundo os documentos trazidos pela reportagem. A ideia da Starlink era a de realizar um encontro virtual da presidente e diretora-executiva de operações (COO) da operadora, Gwynne Shotwell, com representantes do MCom para tratar das aprovações.
A troca de mensagens (confira aqui os documentos) foi então seguida em outubro do ano passado por uma carta, assinada pelo ministro das Comunicações, Fabio Faria, direcionada ao dono da Starlink, Elon Musk. Nela, o representante do Executivo sugere um encontro nos Estados Unidos, em Los Angeles, na sede da empresa, em novembro de 2021, e cita a possibilidade utilizar a constelação de satélites LEO para conexão em escolas e na região Norte. A empresa insistiu numa reunião virtual, mas a equipe de Faria alegou problemas de agenda.
No dia 22 de outubro, Shotwell respondeu a carta do ministro originalmente endereçada a Musk. No texto, ela cita que a empresa tinha expectativa de que a reunião do Conselho Diretor da Anatel do dia anterior (21) já traria a aprovação do direito de exploração, mas isso não ocorreu.
A executiva então alegou que isso traria impacto na disponibilidade de prover o serviço no Brasil, uma vez que a outorga é necessária para obter autorizações adicionais para gateways e homologação de terminais. E então, afirma que a própria Starlink "está explorando se uma autorização poderia ser obtida antes da próxima reunião [ordinária] do Conselho no dia 25 de novembro" por meio de decisão em circuito deliberativo. A empresa afirma que "continuar a trabalhar com a Anatel no assunto", e que a visita do ministro à sede em Los Angeles em novembro seria discutida.
Nos dias seguintes, a Starlink voltou ao tema com o governo. No dia 29 de outubro, os documentos falam em um telefonema entre Faria e Musk, mas que não constou na agenda oficial do ministro, segundo a reportagem (em geral reuniões telefônicas de fato não entram na agenda oficial de autoridades). Nesse mesmo dia, carta assinada pelo secretário de telecomunicações do ministério, Artur Coimbra, confirma a ligação e menciona que a pasta já estaria "conversando com a Anatel sobre o pedido da Starlink" e que poderia começar "conversas técnicas preliminares com a Starlink".
Finalmente, em novembro de 2021, Fabio Faria teve o encontro presencial com Elon Musk, que também é dono da empresa aeroespacial SpaceX e da fabricante de automóveis Tesla. A reunião entre os dois aconteceu em Austin, Texas (EUA). Na ocasião, a conversa girou em torno de uma possível parceria entre as empresas Starlink e SpaceX e o governo brasileiro, em especial para conectar escolas e a região Norte, como sugeriu o ministro na carta.
A operação da Stalink
A autorização que permitiu à empresa de Elon Musk atuar no Brasil foi concedida pela Anatel em reunião extraordinária do Conselho Diretor, mas que aconteceu apenas em janeiro de 2022 e após pedido de vista do conselheiro Vicente Aquino. Em uma reunião anterior, ocorrida em dezembro de 2021, o Conselho Diretor da autarquia prometeu deliberar sobre a Starlink somente em fevereiro.
A autorização concedida pela Anatel para a operação da Starlink no Brasil permite os direitos de uso de espectro até março de 2027, com eventual ampliação da frota dependendo de novas autorizações da Anatel. Nos Estados Unidos, a Starlink já possui autorização para 12 mil artefatos, com planos de atingir até 42 mil satélites no futuro. No Brasil, os 4,4 mil artefatos iniciais vão operar sem direito de proteção sobre o espectro e proibidos de causar interferência sobre os sistemas também não-geoestacionários Kepler, em banda Ku, e O3B (da SES), em banda Ka. (Colaborou Bruno do Amaral)