Nos dias que antecederam a venda da Embratel, tornou-se uma verdadeira heresia alguém duvidar de que o governo estava apoiando a proposta de compra feita pelo consórcio das três teles fixas – Telemar, Brasil Telecom e Telefônica. Os principais jornais diários e revistas semanais, através de renomados colunistas, davam como certa e definitiva a informação. Ninguém citava a origem dessa verdadeira campanha orquestrada na imprensa. Eram notícias obviamente plantadas, sem que se soubesse a fonte do que parecia ser um fato consumado. A esse respeito, escrevemos editorial neste boletim, em 9 de março, com o título "O apoio do governo que ninguém ainda viu".
A venda para a Telmex foi anunciada três dias depois e não se ouviu ninguém do governo dizer que o interesse nacional estivesse em risco, ou que haverá restrições regulatórias ou que o Brasil saiu perdendo. Ou seja, o tal apoio do governo era conversa fiada, "plantação" de notícias.
Na prática, a única coisa que se viu foi o resultado nas bolsas dessa onda de informações erradas: quem acreditou no que foi publicado, apostou que as teles fixas levariam a disputa e comprou ações ordinárias, perdeu, pois esse tipo de papel despencou no dia do anúncio. Já as ações preferenciais, subiram.
Esse não foi só um jogo de ganha e perde, com os riscos inerentes da bolsa. É um caso bem mais sério, mas não porque a MCI aceitou uma proposta supostamente menor do que a proposta das teles (já que essa ninguém conhece oficialmente), e sim porque muita gente comprou ações apostando em notícias falsas. Requer, portanto, uma investigação séria da CVM. Checar quem plantou as informações erradas e com que propósito é uma tarefa difícil, mas necessária.
Nos EUA, casos desse tipo levaram jornalistas e analistas a punições severas, com multas altíssimas e até, em alguns casos, uma temporada na cadeia.
É pouco provável que isso aconteça no Brasil. A CVM, com raríssimas exceções, é frouxa nas suas punições. Um simples termo de compromisso, onde o infrator banca a publicação de livros sobre legislação societária, por exemplo, costuma bastar mesmo para os casos mais graves.
Gostaríamos que a mudança na CVM decorrente da saída de Luiz Leonardo Cantidiano fosse um primeiro passo no sentido de tornar a instituição mais séria, respeitada e ativa. Denunciamos em reportagens e editoriais os inúmeros conflitos de interesse que envolviam o ex-presidente da autarquia e o grupo Opportunity. Cantidiano nos processa por essas denúncias, mas resolveu deixar o cargo por conta de "pressões", sem maiores explicações, apenas um ano e meio depois de assumir para um mandato de cinco anos. Quem foi indicado para o seu lugar pelo Ministério da Fazenda foi Marcelo Trindade, que é justamente um dos advogados de Cantidiano nesse processo contra nós.
Se o governo quiser mesmo tornar o mercado de capitais no Brasil um ambiente sério, onde investidores nacionais e estrangeiros podem depositar com confiança seus recursos, deve começar pela CVM. De início, o governo deveria executar uma série de recomendações feitas pelo Tribunal de Contas da União em auditoria realizada em 1995 dentro da CVM. O relatório, engavetado pelo governo Fernando Henrique, é atual em idéias mesmo hoje. São reformas estruturais: criar um plano de carreiras efetivo para os funcionários da autarquia; colocar na diretoria funcionários formados na casa, e não vindos do setor privado, de onde inevitavelmente trarão muitos conflitos de interesse; atribuir maior poder punitivo à instituição; acabar com a farra dos termos de compromisso, que são inócuos para o investidor lesado e para o país e, finalmente; mudar a sede da CVM para Brasília, onde está o governo, ou pelo menos para São Paulo, onde estão a bolsa e a maior parte das empresas.
Da parte de analistas de investimentos, algumas lições devem ser aprendidas e novas práticas podem ser adotadas. Por exemplo, todo analista deve dizer abertamente qual a sua carteira pessoal de ações e qual o nível de relacionamento de sua instituição com o setor coberto.
Ao jornalista, deve sempre valer o princípio básico da re-checagem de informações, cuidado com as fontes e, no caso de ser levado a engodo evidente por alguém, deve ter a coragem de revelar a fonte que age de má fé.