A regra não é clara

A seguir, o editorial da mais recente edição da revista TELETIME, que circula a partir da próxima semana:

"As novas formas de transmitir e de distribuir os sinais de televisão não são uma questão eminentemente tecnológica, como muitos querem fazer acreditar. No caso da IPTV (televisão pelo protocolo Internet), conforme mostra a matéria de capa da última edição de TELETIME (que circula na próxima semana), fica evidente que o início dos serviços depende do esclarecimento da legislação como a Lei do Cabo ou de práticas de negócios vigentes no mercado de fornecedores de conteúdo que terão de ser respeitadas. Os set-tops IP ? caixas conversoras que transformam dados que trafegam nas redes de banda larga em sinal de televisão com qualidade equivalente à da TV aberta ou da TV por assinatura ? são uma realidade tecnológica e comercial. No entanto, isso é apenas uma condição necessária mas não suficiente para o início do serviço.
Se no caso da IPTV o imbróglio regulatório e de modelo de negócio é mais evidente, na TV aberta digital, o broadcasting, a confusão vem sendo varrida para debaixo do tapete. Ela é muito maior do que aparece na grande imprensa que acordou agora para o assunto e o reduziu de forma simplória a uma grande disputa entre três padrões de TV digital terrestre: o americano (que na verdade pertence a uma empresa coreana), o europeu e o japonês. Feita essa escolha, parece para qualquer incauto que o Brasil resolveu o problema da TV digital. Não é bem assim.

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A escolha de um padrão adequado à realidade brasileira é importante e é muito provável que o padrão japonês preferido pelos radiodifusores seja o melhor. Mas a encrenca principal não estará com isso resolvida. O nó da questão é, e continuará sendo, a caótica, para não dizer escandalosa, distribuição de concessões de TV no Brasil, usadas como moeda de barganha política e embasadas num conjunto de regras e leis anacrônico. E o que é pior: nem essa legalidade costuma ser respeitada. Escolhido o padrão, vai se criar uma situação de fato em que nos veremos às voltas com uma potencialização da bagunça vigente, se não for estabelecida uma regra para a transição.
Para fazer um paralelo, no caso das telecomunicações, a transformação se deu na década de 90 depois de criado um arcabouço legal. Antes da privatização, da introdução de novas bandas no celular, da entrada de teles concorrentes, houve uma reforma constitucional, uma lei mínima, uma lei geral, um leilão público, criou-se a Anatel e inúmeros regulamentos foram publicados. No caso da televisão nada disso foi feito.
Para se ter uma idéia do que fica para resolver depois nesse novo mundo sem regras ou modelo de negócio definido, basta lembrar que a TV digital no Brasil virá talvez com compressão baseada no MPEG- 4. Ou seja, com isso amplia-se para oito o número de canais em definição padrão (SDTV) que poderão ser transmitidos em uma única faixa de 6MHz, usada hoje por um canal analógico. Ou ainda, esse mesmo espaço poderá ser utilizado para dois canais em alta definição (HDTV), com sobra para transmissões móveis ou para terminais portáteis de pequena definição.
Quantas das 459 geradoras existentes no Brasil conseguirão usar todo esse espaço? A maior parte delas tem dificuldade de produzir e viabilizar economicamente um único canal analógico decente. O mercado publicitário, no caso das emissoras comerciais, não tem como sustentar isso tudo. É inviável tanto canal até para as cabeças de rede, incluindo a Globo, com toda a sua competência e, portanto, merecida liderança do mercado. O que dizer do resto?
Teremos um bem público escasso, como é o espectro de radiofreqüência, ocupado por ainda mais canais de pregação religiosa ou por canais de televendas? E as TVs educativas, um total de 174 geradoras, terão ainda mais tolerância para exibição de comerciais como forma de bancar a custosa transição para o digital? É razoável que se dê mais um canal de 6MHz para high definition a uma imensa quantidade de emissoras que hoje não cumpre a legislação no que se refere aos limites de publicidade, à programação educativa, cultural, regional e informativa como pedem a Constituição e a legislação do setor?
Há inúmeras outras questões sem resposta como a dos limites máximos de ?estações radiodifusoras de som e imagem?, na linguagem do mundo analógico, permitidas pelo Decreto-Lei 236/67, a cada radiodifusor. Aliás, o que é uma ?estação radiodifusora? no mundo digital? São 6MHz? E o problema mais sério é que a discussão de tudo isso, que não pode deixar de ser feita, vem sendo empurrada com a barriga há mais de cinco anos, e uma hora as coisas precisarão acontecer, até para a sobrevivência dos radiodifusores. Essas e outras definições e regras claras necessárias para a transição da TV terrestre, são abordadas em profundidade na reportagem de capa da revista TELA VIVA (www.telaviva.com.br) deste mês. Trata-se de publicação irmã da TELETIME que há 15 anos cobre os negócios de produção e distribuição de conteúdo áudio-visual no Brasil cuja leitura recomendamos a quem na área de telecomunicações se interessa pelo assunto."

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