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Ministério das Comunicações vs. Ministério da Comunicação

Foto: Pixabay

Não foi por falta de aviso de que isso poderia acontecer, mas o Ministério das Comunicações está se confundindo com o Ministério da Comunicação governamental. Esse conflito de atribuições era esperado desde que o presidente Jair Bolsonaro resolveu recriar o órgão, mas passando a ele também o papel de cuidar da comunicação social do governo, função que sempre coube a uma secretaria de comunicação vinculada à presidência da República. Nesta terça, dia 15,  dois exemplos deixaram bastante claro como o ministro Fábio Faria acaba desempenhando essa dupla função, e como isso pode prejudicar políticas públicas que deveriam ser pautadas por problemas reais, metas e resultados auditáveis.

O primeiro exemplo é no irrelevante debate sobre o ícone de 5G exibido na tela dos smartphones que se conectam às redes 5G DSS. Fábio Faria não quer “frustrar expectativas” e por isso não quer que o 5G DSS (que é tecnicamente reconhecido como uma primeira etapa do 5G, por utilizar inclusive a modulação do padrão) seja de fato chamado identificado como 5G ou entendido pela população como tal. Na visão do ministro, manifestada às operadoras por meio de ofício e reiterado hoje em uma mensagem de vídeo distribuída pelo Twitter, a identificação das redes como 5G só deveria acontecer após o leilão das faixas de espectro, e depois que as operadoras adotarem os requisitos estabelecidos no edital.

Mais do que isso, Faria dá a entender que só há 5G com redes standalone.  Essa é a mensagem de comunicação que o governo quer passar. Isso porque há países que têm 5G em redes non-standalone (NSA) e porque a própria especificação do 5G prevê redes NSA. Assim como prevê o 5G DSS. Tanto é que as operadoras poderão, nas mesmas frequências adquiridas no leilão, operar com redes non-standalone em algumas cidades, desde que cumpridas as obrigações mínimas do edital. Ao tentar impor uma mensagem, o ministério pode estar interferindo na estratégia comercial e de marketing das empresas.

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É justo que os consumidores sejam informados sobre o que está sendo oferecido em relação ao 5G DSS, e há instrumentos que já regulam  essa questão. Há o Conar, que autorregula a propaganda das empresas, e que já se pronunciou sobre o assunto, pedindo ajustes na comunicação das operadoras; há os órgãos de defesa do consumidor que também já estão questionando os casos de comunicação abusiva; e há a própria Anatel, que inclusive autorizou o uso das faixas de 4G para o 5G DSS.

Teste

O ministro ainda diz que o 5G DSS existente “é um teste”, esquecendo-se que já são centenas de sites ativados com a tecnologia por todas as operadoras e milhares de clientes que já o utilizam comercialmente. Foram feitos investimentos relevantes nessa rede, que se não é o “5G puro” como gosta de dizer o ministro, é uma evolução importante da tecnologia, e que poderia ser incentivada como um avanço na infraestrutura de conectividade do país, mas que está sendo criticada publicamente como se fosse uma enganação.

Fábio Faria parece buscar o controle da comunicação de todo um setor sobre a mensagem simbólica do 5G ao exaltar o potencial de inovação inerente à tecnologia como decorrência exclusiva de uma política pública que depende do leilão para acontecer. Mas o 5G é mais do que o leilão: é um processo de planejamento e investimento de operadores e fornecedores que já está acontecendo e que, obviamente, tem no leilão uma etapa importante, mas não exclusiva. Ao se exaltar apenas o maravilhoso mundo do 5G puro sem lembrar que existe um longo caminho até lá, há um risco ainda maior de frustração de expectativas dos consumidores, porque todos os serviços que o próprio ministro promove como as grandes inovações do 5G ainda levarão anos para serem desenvolvidos e encontrarem modelos de negócio viáveis.

Uma coisa é a Anatel prever uma especificação mínima no edital para uma rede que permita serviços com baixíssimas latências, ultra velocidade e conexão massiva de dispositivos. Outra coisa será estes serviços estarem disponíveis. Ajustando a analogia automobilística que vem sendo usada para “explicar” o edital de 5G, o que está previsto na verdade não é um leilão que vai entregar uma Ferrari à população em termos de conectividade, mas um leilão para a construção de uma estrada que permitirá a uma Ferrari desenvolver todo o seu potencial. A Ferrari em si só vai chegar quando houver alguém com condições de pagar o carro, o seguro e a gasolina. Mas na estrada circularão modelos de carros de todos os preços e características, e tudo isso será chamado de serviços 5G.

Aliás, conforme recente estudo da Ericsson realizado nos países em que já existe 5G em maior escala, há uma considerável frustração de expectativa dos consumidores em relação aos serviços prestados nas primeiras ofertas. E isso decorre, em parte, do discurso que a indústria adota ao prometer um universo de serviços que ainda precisam de tempo para amadurecer e, também, do discurso de governos e reguladores de que haverá uma revolução do dia para a noite. O foco de qualquer governo deveria ser no desenvolvimento de um ambiente e de um ecossistema que permita tirar o máximo de benefícios do 5G para a sociedade.

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Um segundo exemplo da confusão que parece haver entre o Ministério das Comunicações e o Ministério da Comunicação é bem mais explícito.

Ao anunciar a sanção da Medida Provisória 1.018/2020, o ministro Fábio Faria, na presença do presidente Jair Bolsonaro, exaltou as alterações na legislação de radiodifusão trazidas na medida (que originalmente tratava apenas do Fistel para estações de satélite, diga-se de passagem).

Em linhas gerais, são mudanças que favorecem os detentores de outorgas de retransmissoras de TV, especialmente da Amazônia Legal e das chamadas fronteiras de desenvolvimento. Também há medidas que ampliam as obrigações das retransmissoras de TV pelas operadoras de TV paga. Faria também falou de outras iniciativas do ministério, como a obrigatoriedade de instalação de chips receptores de FM nos novos dispositivos celulares que venham a ser fabricados no Brasil e na instalação de FMs em estradas, anunciou novas outorgas de rádios comunitárias e comemorou algumas simplificações regulatórias.

Até aí, são reivindicações do setor de radiodifusão que poderiam estar sendo atendidas pelo governo dentro de uma política pública, e não há nada de errado em comemorar estas entregas. O preocupante foi a mensagem que acompanhou estas comemorações.

“O importante é que no fim da linha, presidente, é onde a sua voz chega”, disse o ministro, dirigindo-se a Jair Bolsonaro, em referência às inovações trazidas na MP aos radiodifusores. “Estão aqui todos os representantes das TVs evangélicas, das TVs católicas, me ligou aqui o Apóstolo Waldemiro, o deputado Silas, o R.R. Soares do hospital mandou um áudio, mandaram um abraço e agradeceram ao presidente. Essa MP significará mais conteúdo nas fronteiras, presidente, mais flexibilidade na gestão local da emissora. (…) Queria agradecer ao senhor, em nome de todos os donos de TVs e rádios, que estão lutando há décadas por este dia. É uma entrega muito importante e que eu tenho certeza que todos vocês vão, a partir de agora, conseguir atingir mais a voz que é necessária, chegar nos lugares em que até hoje chegam informações equivocadas e narrativas erradas. Então, espero que esse dia de hoje faça com que a comunicação verdadeira chegue e a verdade possa chegar aonde o povo quer ouvir e não onde (sic) a gente, muitas vezes, é obrigado a ficar combatendo fake news, perdendo tempo, deixando de trabalhar, de fazer os nossos deveres aqui, para desmistificar as notícias enganosas. Tenho certeza que o dia de hoje vai ser um divisor de águas em que a gente vai levar a verdadeira comunicação para o restante do país. Obrigado a todos e obrigado ao presidente Bolsonaro por esse dia”, disse o ministro.

O Ministério das Comunicações tem como dever elaborar as políticas públicas de radiodifusão, mas no governo Jair Bolsonaro assumiu também tem o papel de cuidar da comunicação do governo. E nesse episódio, as duas atribuições se misturaram de maneira inequívoca.

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