A discussão de regulamentação da reforma tributária está acendendo um sinal de alerta entre atores do setor de telecomunicações, que já convergem no entendimento de que haverá aumento imediato de carga sobre serviços de comunicação. Por outro lado, benefícios de longo prazo com a simplificação tributária também são vislumbrados.
A avaliação foi feita durante evento promovido pelo Machado Meyer Advogados em São Paulo nesta última terça-feira, 14. Presidente executivo da Conexis, que representa as principais operadoras do País, Marcos Ferrari afirmou que quando se avalia a alíquota discutida no Congresso "vis-à-vis com a carga atual, teremos aumento de carga".
A regulamentação da reforma prevê um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) com alíquota média de 26,5%, mas que no caso de telecom deve ser acrescida de quatro pontos percentuais referentes aos fundos setoriais (levando a carga para mais de 30%). Hoje, com os fundos, a carga das operadoras é de 29,3%, calcula a entidade. "Por definição, a gente teria a maior alíquota efetiva do País", afirmou Ferrari.
"A promessa é que com o IVA vamos eliminar o resíduo tributário, mas isso não vai ser imediato", prosseguiu o executivo. "Antes haverá um regime de transição com custo muito grande. O IVA é melhor que o sistema atual, mas hoje, temos algumas preocupações".
Essencialidade
Carlos Baigorri, presidente da Anatel, lamentou que "provavelmente telecom vai continuar tendo uma das principais cargas entre os setores", seguindo como uma espécie de "vaca leiteira" de arrecadação, sobretudo para fiscos estaduais.
Segundo o dirigente da reguladora, a abordagem contrasta com o caráter essencial dos serviços de telecom. Baigorri também indicou que a Anatel deve buscar uma maior interlocução com os grupos de trabalho que discutem a reforma, a fim de endereçar as preocupações.
Para a sócia do Machado Meyer, Milene Coscione, "é uma contradição o País ter uma política setorial olhando para a inclusão digital a partir de uma essencialidade claríssima da comunicação, mas com política tributária que a onera por questões de arrecadação". Em última análise, o cenário resultará em serviços mais caros ao consumidor final, afirma.
"A política pública de inclusão digital seria altamente prejudicada. Estamos acompanhando movimento com bastante preocupação", concordou Vitor Menezes, vice-presidente da operadora regional Ligga também presente no debate.
Segundo Ferrari, da Conexis, o setor de telecom já abriu mão de defender o fim dos fundos setoriais – no caso, Fistel, Fust, Condecine, Funttel e CFRP. Na terça-feira, o que a entidade sugeriu uma espécie de rateio dos fundos entre o conjunto de setores da economia.
Não há conta exata sobre qual seria impacto, que poderia ficar entre 0,1 ou 0,2 ponto percentual na alíquota média do IVA, estimam. Assim como outros pontos da reforma, a definição final da alíquota deve passar por alterações no Congresso, bem como depender de futuras definições estaduais.
"As atividades prestadas por empresas de telecom são diversas e se considerar a alíquota de 26,5% – e eu ainda acredito que ela vai ser maior – vai ter aumento de carga, porque quem trabalha com telecom na maior parte das hipóteses lida com o consumidor final", resumiu a sócia da área de tributário do Machado Meyer, Fernanda Sá Freire
"Para o meio de cadeia vai gerar crédito integral e não deveria ter impacto no custo. Já diretamente ao usuário, dependendo da situação vai gerar sim aumento de carga", indicou Camila Galvão, também sócia de tributário do Machado Meyer.
Já Menezes, da Ligga, lembra que haverá aumento de carga para provedores que hoje discriminam parte da fatura como serviço de valor adicionado (SVA) em busca de vantagens tributárias. Com as mudanças, incidirá sobre o serviço a mesma alíquota que vale para telecomunicações.
Créditos
No arranjo da reforma tributária aprovada no ano passado, cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — serão reunidos em um IVA dual dividido entre os níveis federal (na CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços) e estadual/municipal (o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços).
O novo IVA terá base ampla; a tributação no destino, algo relevante para setores com amplas bases de clientes mas que ainda carece de maior definição; e também ocorrerá a não cumulatividade, considerada pilar fundamental na conta de benefícios vislumbrados pelas operadoras.
Assim, em cada etapa, o cálculo do imposto inclui o que as etapas anteriores já pagaram de imposto, permitindo tomada de créditos. Segundo Camila Galvão, do Machado Meyer, a dinâmica deve ser positiva e gerar redução de custos para telecom, onde vários créditos tributários costumavam não ser aproveitados.
Há também desafios, como o descasamento da incidência no fornecimento ou no pagamento e seus impactos no caixa das empresas, papel e custo de liquidação pelas instituições financeiras e detalhes como prazos, explica André Menon, também da equipe tributária do escritório. "A promessa é que o creditamento será imediato e amplo, mas agora estamos vendo que não é tão fácil assim", resumiu Fernanda Sá Freire.
Para o CFO da Unifique, Jose Wilson Souza Junior, outra questão relevante é como será trabalhada nos créditos a questão da inadimplência, outra pauta cara para o setor de telecom. "É ponto que não está considerado, mas que deveria ser pleiteado", afirmou.
Wilson ainda pede atenção com a fase de transição entre o regime tributário atual e o novo, em um período "onde teremos duas obrigações, o que será um grande desafio". Esse período de transição vai se estender de 2026 até 2033.
Caminhos
Há também algumas possibilidades que o setor pode pleitear. Uma delas é o cashback de ao menos 50% – ou a devolução de uma parcela dos tributos pagos sobre o consumo – para cidadãos de baixa renda. Outra é que serviços digitais de educação e de saúde oferecidos pelas teles como benefícios em planos possam contar com 60% de redução nas alíquotas, tal qual permitido para o setor de saúde e educação.
Outro possível pleito, destacado pelo time do Machado Meyer, seria a inclusão de telecom no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura, ou Reidi. O benefício suspende a incidência do PIS/Cofins para investimentos em infraestrutura e tem manutenção prevista na reforma tributária, mas não beneficia o setor de telecom, ficando restrito a transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação.