O instituto Data Privacy Brasil lançou nesta quarta-feira, 15, o relatório "Privacidade e Pandemia: recomendações para o uso legítimo de dados no combate à COVID-19", que apresenta uma série de recomendações para subsidiar a formulação de políticas de compartilhamento de dados pessoais como estratégia de enfrentamento ao coronavírus (covid-19). O documento elenca nove recomendações práticas, como a transparência máxima em acordos de cooperação celebrados entre o Estado e a iniciativa privada, para que essas políticas incluam salvaguardas que protejam os direitos fundamentais do cidadão.
O relatório aponta que qualquer medida que se proponha a fazer o uso de dados para o enfrentamento ao coronavírus deve ter finalidade e prazo determinados para que as informações utilizadas sejam descartadas ao final da operação. O documento ainda sugere a preferência do uso de soluções tecnológicas de código aberto no processamento dos dados para aumentar o escrutínio público e dirimir possíveis efeitos colaterais com a implementação de técnicas de anonimização de dados e medidas robustas de segurança da informação.
Princípios
Todas as recomendações sugeridas no documento são baseadas em dez princípios norteadores, que incluem, dentre outros, a não divulgação da identidade de pacientes recuperados, infectados ou com suspeita de contaminação, além da vedação do uso dos dados para finalidades lucrativas ou discriminatórias.
"A adoção de tais princípios e recomendações pode ser extremamente benéfica para a formulação de políticas públicas e iniciativas privadas de combate à COVID-19. Eles são uma espécie de caixa de ferramentas para garantir a privacidade e aumentar a eficiência no combate à pandemia", afirma Bruno Bioni, diretor do Data Privacy Brasil e um dos autores do relatório.
O documento também sugere que, apesar da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não estar em vigência, isso não significa uma brecha para que os acordos celebrados entre governos e empresas privadas não prevejam salvaguardas a direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal e no Marco Civil da Internet, por exemplo.
"Nos estados e municípios, essas recomendações podem ser colocadas em prática por meio de decretos a serem publicados por governadores e prefeitos. Ao mesmo tempo, o Data Privacy Brasil defende que o Ministério da Saúde normatize os dez princípios para que eles possam orientar a formulação de políticas públicas de compartilhamento de dados para o combate à pandemia em todo o país", diz o texto.
A posição do governo
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro determinou ao ministro Marcos Pontes suspender a implementação da parceria que havia sido acordada entre governo e empresas de telecomunicações para que estas fornecessem dados, anonimizados e agregados, gerados a partir das redes móveis para as ações do governo de combate ao Covid-19. Segundo o acordo, este seria o único uso possível dos dados. As ações tinham como objetivo monitorar mobilidade populacional, deslocamentos, pontos de aglomeração e identificar situações de concentração de pessoas e risco de contaminação. A iniciativa já estava com o respaldo jurídico da Consultoria Jurídica do ministério, ligada à AGU, e da área técnica do MCTIC. Por outro lado, alguns estados já utilizam a iniciativa.
Nesta quarta-feira, a Anatel publicou um comunicado em que não assume uma posição sobre o tema, alertando apenas para a necessidade de estudos e embasamento jurídico para o uso da medida. A manifestação da agência causou surpresa no mercado e mostra que, dentro do governo, existe uma disputa política que resvala nas iniciativas de uso dos dados de geolocalização para a contenção da pandemia do coronavírus no país.