Para Anatel, cautelar contra Fox visa preservar a lei até a agência ter clareza sobre o novo cenário

Abraão Balbino, superintendente de competição da Anatel

A Anatel tomou esta semana uma das mais relevantes decisõesrelacionadas ao mercado de TV por assinatura dos últimos anos: a suspensão,cautelar, da oferta dos conteúdos lineares do Fox + (Fox Plus) na oferta direta

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ao assinante, pela Internet, no modelo over-the-top (OTT). A decisão não afetaem nada conteúdos não-lineares ou eventuais que hoje são oferecidos pela Fox oupor outros players (como Netflix), nem proíbe a oferta de conteúdos gratuitospela Internet (como Youtube ou canais abertos), nem a oferta de conteúdos empay-per-view, como o Premiére. Mas afeta muito os planos dos programadores deTV por assinatura.

Em essência, o que a Anatel fez foi, no caso da Fox, congelar a possibilidade de oferta de canais lineares pela Internet sem que isso passe pela autenticação de um provedor de TV por assinatura tradicional (um prestador de SeAC). A íntegra do informe que embasou a cautelar pode ser lida aqui. Ou seja, para assinantes de TV paga tradicional, o acesso a canais lineares pela Internet está permitido, desde que haja esta autenticação pelo operador. O que a Fox não pode fazer é vender diretamente ao assinante o acesso a este canal. Não é uma decisão de repercussão geral, mas é um caso referencial para outros que podem surgir.

Ainda assim a decisão é polêmica e está colocando os programadoresde TV paga em estado de alerta: boa parte deles tem no seu plano estratégico ofereceros canais diretamente ao consumidor pela Internet (no chamado modelo D2C, oudirect-to-consumer), cobrando uma assinatura.

Abraão Balbino, superintendente de competição da Anatel, foio responsável pela análise concorrencial do caso e é um dos três superintendentesda agência que assinam a cautelar. Ele explica que esta decisão foi tomada porduas razões. A primeira é porque havia o risco de que este modelo sedisseminasse antes de a Anatel ter clareza sobre os limites legais e, por isso,acompanhada da cautelar, há uma tomada de subsídios que vai até o dia 15 deagosto, em que a agência vai procurar entender todas as dimensões do problema. Asegunda razão é que esta decisão é aquela que pode ser mais facilmenterevertida quando o conselho diretor da agência formar juízo de valor sobre omérito da questão, já que o modelo ainda é embrionário e há poucos assinantes.

"O que estava na mesa era um pleito da Claro que, seatendido integralmente, levaria a uma interpretação de que qualquer conteúdolinear ou ao vivo pela Internet se enquadraria como SeAC. Do outro lado, porparte dos programadores e dos radiodifusores que se pronunciaram via Abert eAbratel, estava a leitura de que a oferta de conteúdos pela Internet é Serviçode Valor Adicionado, tese que, na prática, elimina todo o modelo de TV porassinatura que está estabelecido em lei". A lei, lembra Balbino, tem umapreocupação com conteúdos nacionais, canais de interesse público e uma divisãode responsabilidades no mercado entre programadores e distribuidores. "A nossadecisão cautelar é para congelar a situação até que a gente possa ter um juízo demérito formado", diz Balbino.

Ele ressalta que a decisão não atingiu a Turner, que tambémé objeto de reclamação da Claro, porque a empresa não está oferecendo um canal nainternet. "Apesar dela ter uma programadora, o que é oferecido são jogoseventuais, ainda que ao vivo, e isso não pode ser entendido como um canallinear, de conteúdo programado", explica o superintendente.

A decisão é sobre um caso concreto, explica Balbino, apesarde o caso ser um "leading case", uma referência para outros que poderão surgir."O que a gente entendeu é que havia um conteúdo típico de TV por assinatura, umcanal que existe na TV paga, sendo disponibilizado diretamente ao assinantepela Internet, sem a autenticação de uma operadora de SeAC. Isso é o maiscomplicado. Mas nada impede que conteúdos nativos da Internet, conteúdos não-lineares,conteúdos exclusivos e mesmo eventos ao vivo sejam ofertados no modelo OTT", dizBalbino. Questionado se um canal linear que não exista na TV paga poderia servendido apenas pela Internet, Balbino afirma que esse seria um caso "a serestressado e analisado", mas que não existe uma proibição a priori. "Faremos aanálise caso a caso conforme eles se apresentem".

A decisão final sobre o mérito cabe ao conselho diretorquando o processo chegar para julgamento. A cautelar só poderia ser suspensapor uma decisão final do conselho ou por uma determinação de efeito suspensivo,que é prerrogativa do presidente da agência, Leonardo Euler.

Abraão explica que a complexidade do caso está no fato deque a Lei do SeAC enquadra como serviço de telecomunicações de acessocondicionado a oferta de "conteúdos audiovisuais na forma depacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdoprogramado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias,processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer", eque durante a tramitação da lei houve tentativas claras de se excluir a ofertapela Internet do que poderia ser enquadrado como SeAC. "O Legislador rejeitouesta possibilidade, e ao fazer isso ele claramente sinalizou que entende que aoferta pela Internet de canais de programação está dentro do SeAC".

Para Balbino, a Anatel precisa zelar pelo cumprimentoda lei. "A Lei do SeAC surgiu de um pacto setorial que estabeleceu limitesconcorrenciais. Quem produz conteúdo não distribui, e quem distribui, nãoproduz. Acontece que a realidade tecnológica está tornando muito simples apossibilidade de quem produz fazer a sua distribuição pela Internet, mas quemestá na distribuição não pode tão facilmente ir para a produção de conteúdo".Para ele, existe uma cadeia de valor estruturada e o foco mais sensível, doponto de vista de limitações e obrigações legais, é o da distribuição, que estásendo mais desafiada pela Internet.

Abraão Balbino concorda que a discussão, defundo, é sobre o modelo legal da TV por assinatura, mas a Anatel não podeconsiderar que haverá uma mudança na lei para tomar as decisões. "A lei está láe vale para todo mundo. Se o mercado levar a discussão sobre alterar alegislação ao Congresso e a Anatel for chamada a contribuir, poderemos fazê-lo".Ele concorda que existe uma análise mais ampla que precisa ser feita sobre estaquestão não apenas à luz da Lei do SeAC, mas também à luz do Marco Civil daInternet, que é uma lei posterior e que deixou claro que a oferta de conteúdospela Internet não se caracteriza como um serviço, o que só torna o caso maiscomplexo. O que existe hoje, segundo ele, é uma "dúvida razoável" sobreo modelo praticado pela Fox, o que justifica a cautelar até uma decisão demérito.

O superintendente explica como a agência podeimpor uma cautelar a uma empresa como a Fox, que é uma programadora. "A jurisdiçãoda Anatel não é sobre empresas, mas sobre o serviço. No momento que entendemosque o serviço de telecomunicações está sendo ofertado irregularmente, podemosagir. É isso que nos permite agir, por exemplo, sobre rádios clandestinas ouoperadoras clandestinas de serviços de telecomunicações. Não precisa ser umaempresa outorgada pela Anatel para estar sob a nossa atuação. Temos tutelalegal sobre a distribuição de conteúdo por SeAC".

"O processo está longe de acabar, e precisamosentender os caminhos, por isso a importância da tomada de subsídios. Temos queouvir o mercado e mitigar os riscos em relação ao que a lei prevê. Por exemplo,os canais obrigatórios. Como fica se todo mundo for para o modelo OTT? E asobrigações de conteúdos nacionais?", pergunta o superintendente. Mas sãorespostas que a Anatel ainda não tem.  "Temosque assegurar que o mercado possa continuar evoluindo, mas sem colocar a lei emrisco".

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