Quase um ano depois de formada, a Aliança pela Internet Aberta (AIA), que congrega empresas de Internet, radiodifusores, pequenos provedores de Internet, entidades do setor de saúde, educação, grupos de mídia e fintechs para combater a ideia de uma possível cobrança pelo uso das redes de telecomunicações (fair share, ou network fee), realizou o seu primeiro evento aberto em Brasília. E a mensagem dos participantes, bem como de representantes do governo, mostrou um discurso alinhado em favor da neutralidade de rede e contra a cobrança pelo tráfego gerado nas redes.
Pelo setor de telecomunicações, participaram a Abrint (que é associada da AIA) e a Telcomp (que não é, mas é contra políticas de fair share). Para Cristiane Sanches, conselheira da Abrint, que representa pequenos provedores, qualquer tarifação criaria uma camisa de força sobre as operadoras de pequeno porte e colocaria em risco os acordos já existentes de fornecimento de CDNs entre os provedores e as empresas de conteúdo digital.
A Telcomp, representada pelo seu presidente executivo Luiz Henrique Barbosa, argumenta o fair share seria uma forma de negociar que beneficiaria apenas as grandes operadoras, colocando pequenas e médias empresas em condições de desvantagem. Ele explica que não integra a AIA, mas entende que é preciso construir pontes entre o setor de telecom e o setor de Internet.
Taxa vs. CDN grátis
Para Raul Echeberria, diretor executivo da ALAI (Associação Latinoamericana de Internet), no momento que uma regra de fair share for aprovada, os grandes provedores de conteúdo tendem a retirar seus conteúdos do Brasil, forçando os pequenos provedores a buscar conteúdos em pontos de troca de tráfego ou servidores em outros países, o que aumentaria preços e poderia inviabilizar o acesso de muitas redes de pequeno porte à infraestrutura de CDNs e ainda obrigaria elas a terem que buscar o tráfego em servidores fora do Brasil, e a pagar pelo conteúdo. "Não tem nada para ganhar e no caminho vamos destruir muito. O Brasil é o país que tem mais a perder porque é o país que tem a melhor estrutura de interconexão", ameaçou.
Carol Conway, presidente da Abranet e diretora do PagBank, disse que a neutralidade de rede foi o que assegurou ao Brasil o desenvolvimento do mercado de fintechs e a competição no sistema bancário.
Já Carlos Pedrotti, diretor da Associação Saúde Digital, lembra que hoje o tráfego de dados na área de saúde é gigantesco, representando 30% do tráfego nas redes, e que se houvesse qualquer tipo de taxa de rede, isso impactaria o desenvolvimento de novas aplicações e a interoperabilidade entre as bases de dados.
Na mesma linha, Juliano Griebeler, diretor da Associação Nacional das Universidades Privadas, lembra que hoje boa parte da população depende da Internet para estudar e ter acesso ao ensino superior por meio de plataformas de EAD. "Qualquer cobrança recai sobre a população que precisa da rede".
Neutralidade e competição
Para Marcelo Bechara, diretor de relações institucionais da Globo e diretor da Abert, a neutralidade de rede assegura "um ambiente competitivo para a concorrência, e se não tiver neutralidade, não tem concorrência". Ele diz que não consegue entender como funcionaria um mecanismo de cobrança pelo tráfego, e lembra que as empresas de telecomunicações têm plena liberdade para explorar os Serviços de Valor Adicionado. "Neutralidade, assim como o Marco Civil, é uma forma de proteger os usuários e consumidores". Para ele, invariavelmente um modelo de fair share seria repassado para a cadeia "e quem vai ser penalizado é o usuário".
Para Alessandro Molon, presidente da AIA, ao longo desse período de existência da Aliança algumas coisas ficaram claras, na sua visão. "Dá para dizer que não é uma boa ideia a taxa de rede. Nesse ambiente, competição é a solução, não o problema, e os pequenos (provedores) estão aqui nesse evento falaram que não querem a taxa de rede. Eles sabem que se tiver taxa de rede não tem CDN, querem ter o conteúdo perto".