Mesmo com um habeas corpus que lhe permitia não responder a nenhuma pergunta dos parlamentares, o banqueiro Daniel Dantas surpreendeu os deputados da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas, a CPI do Grampo, com longas respostas e diversas teses sobre os motivos de estar hoje sob investigação da Polícia Federal (PF). A postura do banqueiro chegou a ser motivo de questionamentos de alguns parlamentares, como os deputados Domingos Dutra (PT/MA) e Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP).
Ambos perguntaram por que Dantas, que não falou em nenhum dos depoimentos na Justiça, resolveu falar justamente quando possui um habeas corpus o protegendo caso permanesse calado. A resposta a esta questão dá a tônica de todo o depoimento: Dantas optou por se calar à polícia e à Justiça por se ver como uma "vítima de perseguição" e por entender que a Operação Satiagraha tem interesses diversos dos que vêm sendo divulgados até o momento.
O ambiente da CPI do Grampo o teria deixado mais "à vontade", segundo suas próprias palavras, pois, no Congresso, haveria o interesse real de se esclarecer a situação. De fato, Dantas encontrou na CPI diversos apoiadores, como, por exemplo, o presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB/RJ). O presidente da CPI chegou a escolher quais perguntas o banqueiro deveria responder entre uma lista de questionamentos feitos pelo autor do requerimento de convocação de Dantas, deputado Gustavo Fruet (PSDB/PR).
O deputado Carlos William (PTC/MG) também apoiou o banqueiro ao dizer que, se a Kroll fez grampos durante o período em que foi contratada pela Brasil Telecom, "isso é culpa da Kroll e não do Daniel Dantas". E brincou que, se escrevessem um livro sobre o banqueiro, ele tinha um título a sugerir: "O Favorito", em referência à novela "A Favorita", onde o personagem principal é perseguido por um crime que não cometeu.
Investigado
Dantas depôs na CPI como "investigado" e não como "testemunha", como estava previsto inicialmente. O motivo da mudança foi meramente burocrático: ao conseguir um habeas corpus para manter-se calado, o próprio banqueiro não estaria mais se considerando uma testemunha já que buscou, na Justiça, uma forma de se proteger de responder questões que o incriminem.
Mas virou o jogo logo no início da sessão, que durou cinco horas ao todo. Na sua versão dos acontecimentos, a Polícia Federal estaria perseguindo-o em diversas operações. Segundo Dantas, a PF teria sido usada pela Telecom Italia na Operação Chacal, de 2004, para impedir o avanço dos trabalhos da Kroll, por exemplo. E, agora em 2008, a polícia teria agido novamente "sob encomenda", com o intuito de naufragar a compra da Brasil Telecom pela Oi. Vale ressaltar que a Telecom Italia prontamente refutou em nota oficial as declarações de Dantas à CPI.
A deputada Iriny Lopes (PT/ES) protestou contra a insinuação de Dantas, vista como uma tentativa de desqualificar o trabalho da PF. "Não me parece que a Polícia Federal seja uma mercearia onde se encomendam coisas", criticou a deputada.
Intenções
Segundo Dantas, foi o próprio delegado Protógenes Queiroz que teria revelado as "verdadeiras" intenções da Satiagraha. Ao prendê-lo, Queiroz teria dito que a operação era para "tentar criar um constrangimento para impedir a compra da Brasil Telecom pela Oi" e que a polícia iria "investigar o filho do presidente também; e que iria até o fim". O delegado teria ainda dado "conselhos" a Dantas: que ele falasse menos com a imprensa, pois isso o prejudicava, e que não tentasse trazer o material do processo que corre na Justiça italiana para dentro das investigações da Satiagraha.
Alguns deputados, sem questionar as declarações do investigado, cogitaram a possibilidade de fazer uma acareação entre Dantas e o delegado Queiroz. O banqueiro não concordou nem discordou da idéia. Disse apenas que, se for convocado, será obrigado a comparecer na acareação.
BrOi
Para Dantas, o tamanho da ação e o calibre dos envolvidos na Operação Satiagraha denuncia que há mais por trás das atitudes da PF. "Essa situação é toda muito estranha. É dito que é uma investigação criminal, que tem presidente da República, ministro do Supremo, diretor da Abin. Se estivesse a cúria do Vaticano com o Papa para discutir a preguiça como pecado capital, o que é mais importante nisso? É a preguiça? Tem algo mais aí", afirmou o banqueiro.
Sua opinião é que o suposto interesse na BrOi da parte da PF poderia acabar comprometendo a finalização do negócio. Para embasar sua tese, Dantas cita um texto do colunista da Veja Diogo Mainardi, um dos jornalistas que a PF, em seu relatório, suspeita ter relações com o banco Opportunity. "Eu não acho que esteja absolutamente encerrada (a compra). Eu acho que ainda existem interesses camuflados para evitar a operação. Está aqui, na coluna do Diogo Mainardi", afirmou.
Vítima
Uma outra operação da polícia sobre Daniel Dantas, a Operação Chacal, foi contestada em diversos momentos pelo banqueiro. Dantas repetiu por várias vezes que não contratou a Kroll para investigar ninguém nem nenhuma empresa. A contratação teria sido feita pela BrT – no período em que ele controlava a companhia – e, ainda assim, a agência de investigação não teria realizado nenhum grampo.
As interceptações telefônicas durante a disputa teriam sido feitas, segundo Dantas, pela Telecom Itália, mesma versão apresentada reiteradamente no processo que corre na Justiça italiana sobre a atuação da companhia. Ao ser questionado pelo deputado Vanderlei Macris (PSDB/SP) se ele se via como uma vítima de perseguição, Dantas não titubeou: "Ah sim, não tenho a menor dúvida".
Relações
Ainda que tenha repetido à CPI uma série de argumentos já colocados em outras ocasiões, um detalhe importante é que o banqueiro parou de dizer que o "governo", como um todo, estaria contra ele. A defesa agora é que um grupo, liderado pelo ex-ministro Luiz Gushiken, teria interesses contraditórios com a permanência de Dantas no controle das companhias de telecom da qual o Opportunity têm ações. Dantas disse várias vezes aos parlamentares que esta "facção" não o queria no controle da Brasil Telecom.
Ele negou conhecer "qualquer ministro de tribunais superiores brasileiros" e jornalistas citados na investigação por terem, supostamente, relação estreita com o Opportunity e defender os interesses do banqueiro. Também refutou que tenha sido ele o responsável pelo dossiê publicado pela revista Veja em maio de 2006 com acusações sobre membros do governo em relação a contas no exterior. O dossiê incluia o presidente Lula e o ex-diretor da da PF, Paulo Lacerda. Para Dantas, este fato poderia ter colaborado com o desencadeamento da Satiagraha como uma forma de retaliação por parte de Lacerda, que hoje comanda a Abin.
Ao final da sessão, alguns deputados comentaram reservadamente que parte do depoimento havia sido combinada previamente com a defesa de Dantas, que teria subsidiado as perguntas. Assim, segundo alguns deputados, Dantas teria ganhado a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos fora do âmbito judicial.