Internet: o Brasil fora do jogo global

Nada menos do que 41 entidades estrangeiras que atuam em causas relacionadas à liberdade, neutralidade e privacidade na Internet manifestaram, durante o IGF 2016, preocupação em relação ao cenário brasileiro, especialmente no tocante ao Marco Civil da Internet, Comitê Gestor da Internet, às políticas de banda larga e à atuação da Anatel e do governo. Sobretudo a partir do governo de Michel Temer. Para estas entidades, a Internet no Brasil está sob ameaça.

A maior parte dos aspectos apontados pelas entidades, contudo, está longe de ser exclusividade no Brasil. São debates relevantes em todos os países do mundo, e que certamente devem ter dominado a pauta do IGF 2016. São temas amplos que vão do modelo de governança da Internet (local e globalmente) às relações comerciais entre provedores de infraestrutura e provedores de conteúdo, passando pela soberania das leis locais em relação aos termos de uso dos serviços globais, pela questão da guarda e compartilhamento dos dados dos cidadãos e pelas políticas de telecomunicações de incentivo à banda larga. O manifesto por si só tem a preocupação de mobilização da militância, mas não necessariamente traz a contextualização factual necessária à compreensão das disputas econômicas em curso. O que o Brasil vive, com algumas especificidades da política interna, é apenas o reflexo desse contexto maior, e isso não pode ser perdido de vista.

A Internet é hoje território de empresas gigantescas com interesses econômicos igualmente grandes e antagônicos. O que predomina, com cada vez mais raras exceções, são as relações de consumo, em que o usuário é um consumidor ou cliente em potencial. De um lado, estão empresas de telecomunicações que, com receitas globais da ordem de trilhões de dólares, dominam o ambiente da infraestrutura. De outro, estão empresas de conteúdo que já somam centenas de bilhões em receitas, têm interesses comerciais igualmente relevantes e, até o momento, estabeleceram uma relação com o usuário mais amistosa e simpática, mas ainda assim oportunista.

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Nos EUA de Obama, a política local, inclusive em relação à regulação do mercado de Internet feita pela FCC, visava claramente fortalecer as empresas de conteúdo e aplicações de Internet californianas. São as empresas do futuro, da nova economia, que garantirão a hegemonia econômica dos EUA pelas próximas décadas. Trump, que durante a campanha foi crítico das empresas californianas, tende a ser um pouco mais simpático às empresas de telecomunicações, mas certamente cederá ao apelo econômico do Vale do Silício. Qualquer que seja o resultado, o que prevalecerá serão os interesses comerciais das empresas norte-americanas. A China, ao seu modo, faz o mesmo com suas empresas e regulação de Internet.

Na Europa, onde a regulação tende a ser menos favorável às empresas de Internet (porque poucas delas são europeias), o debate está centrado na questão da privacidade, guarda de dados e soberania das leis nacionais, e na garantia da pluralidade de conteúdos. Ainda assim, o que está em jogo é uma disputa econômica entre interesses nacionais.

No Brasil, ainda não definiu o que se quer como política pública nem prioridade nacional diante da disputa geopolítica entre empresas de infraestrutura e empresas de conteúdo e aplicações de Internet. A defesa da Internet aberta e irrestrita em termos de neutralidade favorece o jogo do lado das empresas de conteúdo, sem que haja, de outro lado, nenhum esforço visível em termos de política pública para tornar o país relevante nesse cenário. Permitir uma Internet aberta e irrestrita aos diferentes modelos de negócio é justamente o que querem as teles. Da mesma forma, não existe no Brasil nenhuma política de incentivo às empresas locais de telecomunicações, até porque a maior parte das empresas de telecom atuantes no Brasil não é brasileira. A discussão simplista mantém o jogo local empatado no maniqueísmo entre empresas do bem e empresas do mal, e enquanto isso o jogo global se desenvolveu sem que o Brasil participasse. O jogo da Internet tradicional foi jogado. A chance do Brasil recuperar terreno é, talvez, no jogo da Internet das Coisas.

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