O Conselho Diretor da Anatel rejeitou nesta quinta-feira, 12, recursos do Carrefour e da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) contra a cautelar da agência que exige medidas dos marketplaces para combate à comercialização de produtos não homologados de telecomunicações.
Na ocasião, a agência também subiu o tom contra o que entende ser uma falta de cooperação das plataformas no esforço contra os produtos irregulares. O pano de fundo da discussão foram pedidos de efeito suspensivo e revogação das medidas movidos pela rede varejista e pela entidade setorial.
No caso da camara-e.net, um dos pedidos era a aplicação de entendimento recente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que foi favorável à Amazon em ação contra a cautelar da Anatel. Este e outros pontos foram rejeitados pela relatora, conselheira Cristiana Camarate, em voto aprovado por unanimidade e que também rejeitou a entidade como amicus curiae (amigo da corte) no processo.
O pivô da discussão é determinação de 2024 da Anatel para que sete plataformas de marketplace incluam em seus ambientes um campo para vendedores parceiros fornecerem o código de homologação de produtos de telecom, como telefones celulares. A não conformidade com as regras poderia gerar multas e, em último caso, mesmo o bloqueio das plataformas.
Os marketplaces consideram as medidas desproporcionais e mesmo ilegais. A camara-e.net defendeu que a cautelar extrapola a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e que o controle prévio de anúncios pelas plataformas contraria o disposto no Marco Civil da Internet.
Assim como o Carrefour, a entidade também vê punições descabidas na cautelar e aponta obstáculos técnicos para a exigência do número da homologação. Mesmo com o uso de inteligência artificial (IA) na varredura ativa, o volume de produtos e a possibilidade de burla tornariam o trabalho inviável, afirmam os marketplaces.
"Identificar e remover o conteúdo de anúncios mesmo sem denúncia implica em obrigação de impossível cumprimento no padrão de excelência que agência exige para qualificação [dos marketplaces] como empresa conforme, com 100% dos anúncios com campos de homologação indicados", afirmou o advogado João Paulo Fernandes de Carvalho, em sustentação oral da camara-e.net na reunião da Anatel.
O representante do setor de e-commerce também defendeu que os marketplaces são apenas intermediadores, não podendo ser responsabilizados por conteúdos de terceiros. O argumento foi fortemente rechaçado pela relatora Cristiana Camarate e por outros membros do conselho da Anatel, como o presidente Carlos Baigorri.
"A entidade representativa que tem como associados Amazon e Mercado Livre está, em outras palavras, dizendo que ninguém pode impedir que elas vendam produtos que legalmente não podem ser usados pelos consumidores, [que] pagariam por um produto que não pode ser usado no território brasileiro e que pode lhe causar danos, com a plataforma livre de qualquer responsabilidade", afirmou Camarate.
"[O marketplace] não é mero intermediário: ele participa efetivamente do comércio do produto e cobra comissão, oferecendo serviços de estocagem e despacho", completou Baigorri. Assim como outros conselheiros, o presidente da Anatel fez analogia com cenário de plataforma que intermediasse o tráfico de drogas ilícitas, mas que exigisse a mesma isenção de responsabilidades.
Neste sentido, o art. 19 do Marco Civil da Internet veio à tona. O instrumento – que está prestes a ser declarado parcialmente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – isenta as plataformas digitais de responsabilidade pelo conteúdo de terceiros
Camarate, contudo, argumentou que o dispositivo mira a proteção da liberdade de expressão, e não do comércio de eletrônicos, em ponto reiterado pelo presidente da Anatel. "Ainda que a invocação do art. 19 possua forte enraizamento nos tribunais, o fato é que atividade de intermediação de vendas não pode ser confundida com o exercício da liberdade de expressão", declarou Baigorri.
Já no caso específico do recurso vencido pela Amazon no TRF3, Camarate também afirmou que ainda cabe recurso na ação e que outras empresas que não são parte no processo não devem ser afetadas pelo desfecho.
Motivação econômica
Na reunião, Cristiana Camarate citou o Carrefour como plataforma que estaria atuando com algum grau de esforço para seguir as medidas impostas pela Anatel, apesar do recurso. Ela também destacou que Amazon e Mercado Livre acionaram o Judiciário contra a agência, além de conjecturar motivações para a suposta falta de cooperação dos marketplaces.
"A Amazon e o Mercado Livre cobram 11% de comissão sobre a venda de celulares por parceiros na plataforma da empresa, com as demais [empresas] cobrando valores que chegam a 18,5%. Em outras palavras, vender smartphone não homologado de R$ 3 mil implica em média em comissão de R$ 420", afirmou Camarate.
"Isso ganha relevo quando avaliamos que o smartphone é um dos produtos mais vendidos no e-commerce e que estimativas da indústria indicam que 25% dos celulares vendidos no País não são homologados. É inegável o incentivo econômico para que a regularização não tenha sucesso: um player que coopere perderá dinheiro, e perderá ainda mais se outros players não cooperarem, porque os produtos irregulares ficariam disponíveis apenas nos concorrentes", afirmou a conselheira da Anatel.
Já em nota enviada ao TELETIME nesta sexta-feira, 13, o Carrefour afirmou que "mantém seu compromisso de não expor em sua plataforma produtos que não respeitem a legislação vigente. Como signatário do termo de cooperação de combate a pirataria, a empresa seguirá dialogando com o órgão e adotando as medidas necessárias para o controle de sua plataforma".
Regulação de redes
Por último, a Anatel também negou que esteja em uma cruzada para regular o comércio eletrônico no País. Na ocasião, o presidente da agência chegou a classificar como "digna de ser inscrita em pedaço de papel higiênico" uma manifestação de advogados que apontaram uma "campanha aberta da agência por mais poderes" sem a devida autorização legislativa.
"Nós não estamos regulando comércio eletrônico em sentido amplo", afirmou Carlos Baigorri. "Ninguém está regulando publicidade, comissões, despachos ou tempos de entrega. É só a venda de produtos de telecomunicações. Se não querem ter essa discussão, não vendam os equipamentos, que tem comercialização controlada e restrita, observando ditames da lei e da regulamentação. Quem vende blusinha não tem problema nenhum".