Investimentos em infraestrutura de Telecom e a (in)segurança jurídica

Luis Justiniano Haiek Fernandes, sócio do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

A regulação do setor de telecomunicações tem como um de seus principais objetivos a criação de oportunidades de investimento combinada com o estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, buscando o desenvolvimento nacional num ambiente de superação de desigualdades regionais e sociais.

Um dos temas que desperta preocupação no setor é a precarização que vem sendo imposta pela Anatel aos direitos de uso de radiofrequência (RF), um insumo essencial sobre o qual são feitos investimentos de longo prazo.

É necessário que fabricantes e prestadores tenham segurança de que uma faixa de RF poderá ser utilizada para determinadas aplicações para que invistam na fabricação de equipamentos e na implantação de redes para a oferta de serviços aos usuários.

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Em 2020 o Conselho Diretor da Anatel tomou decisões de negar a operadoras o direito a elas assegurado de prorrogarem prazos uso de radiofrequência. Em 2021, pretende suprimir direitos para futura implantação do 5G. Sempre, sem qualquer compensação a quem tem seus direitos suprimidos.

Mas isso é possível? Segundo os inovadores conceitos da Anatel, sim.

O direito é instrumento de estabilização das relações jurídicas. Um dos mecanismos para atingir esse objetivo é a fixação de balizas temporais para o exercício de direitos. Assim, desde um simples contrato de locação, passando pelos mandatos de parlamentares ou de dirigentes de agências reguladoras, ao se fixar prazos determinados se assegura estabilidade nas relações aos envolvidos.

A Anatel, na contramão desse conceito firme imemorial, vem interpretando a Lei Geral de Telecomunicações com uma criatividade ímpar para permitir ao Estado Brasileiro que retome faixas de radiofrequência para revendê-las, sem qualquer indenização.

Segundo a agência, apesar da lei expressamente determinar a ela que autorize o uso de radiofrequências por meio de "ato administrativo vinculado … que atribui a interessado, por prazo determinado" esse direito, haveria "mera expectativa" ao prazo. Se a agência quiser extingui-lo, pode fazê-lo a qualquer tempo sem qualquer indenização ao particular.

As consequências dessa apropriação indevida promovida pelo estado brasileiro devem ser gravíssimas. 

Imagine-se eventual tese de que os prazos em uma concessão aeroportuária ou no setor de saneamento não constituem direito, mas mera expectativa de direito. Pois é isso o que a Anatel defende no setor de telecomunicações, contrariando a legislação que vigora desde 1997, e em contraste com as recentes alterações da LGT em 2019 (concebidas para aumentar a segurança jurídica no setor).

Não há outro rótulo para essa posição da agência: trata-se de uma iniciativa de viés autoritário e exclusivamente arrecadatório em detrimento dos operadores que acreditaram nas promessas estabilidade das relações jurídicas no país.

É conhecida a sanha do estado brasileiro na expropriação de direitos.  Raras vezes se viu, porém, tão grosseira contradição: a agência pretende cobrar bilhões com a venda de direitos de uso de RF aos futuros operadores de 5G "por prazo determinado" ao mesmo tempo em que sustenta que o estado brasileiro não está sujeito a nenhum dever de respeitar os prazos de RF que ele mesmo outorga.

Isso significa que o 5G não pode ser implantado? Significa que o país não pode alterar as destinações das faixas para implantação desse serviço? É evidente que não. 

Significa, apenas, que os prejuízos daqueles que estão sendo desapropriados para que esse benefício público seja alcançado, devem ser compensados. Simples assim (tão simples quanto os deveres aos quais se submete o estado quando deseja desapropriar áreas de terra para construir uma escola, implantar uma rodovia ou um hospital).

O desafio de estimular os investimentos e o desenvolvimento tecnológico no setor de telecomunicações dependerá, cada vez mais, da eficiente regulação e proteção das infraestruturas de telecom.

A proteção básica (o respeito aos prazos dos direitos regularmente outorgados) deve constituir premissa rigidamente respeitada, sob pena de se prejudicarem os alicerces sobre os quais foram construídos projetos no setor no passado e se pretende conceber novos projetos.

* Sobre o Autor – Luis Justiniano Haiek Fernandes é sócio e diretor do escritório de Brasília do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. A posição manifestada neste artigo não necessariamente representa a opinião de TELETME.

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