Associação de servidores da Ancine critica hipótese de nova recondução

A Associação de Servidores da Ancine (Aspac) aprovou e divulgou terça, 12, uma nota criticando a possibilidade de que o comando da agência seja objeto de um terceiro mandato. A nota não faz referência direta ao mandato de Manoel Rangel, mas obviamente é a isso que a manifestação se destina. A Aspac tem sido, há algum tempo, crítica da diretoria da agência. Segundo a associação, a possibilidade de uma nova recondução (Rangel já foi reconduzido uma vez) "contraria as boas práticas regulatórias" e seria uma "ameaça de captura governamental da agência". Ainda segundo a nota, recente declaração da ministra da Cultura Marta Suplicy mostrando aprovação do trabalho feito pela Ancine sugeriria "uma efetiva articulação para garantir um terceiro mandato". A associação de servidores faz, então, uma análise jurídica sobre a legalidade da recondução, em que não diz que ela não pode acontecer, mas que seria contra o espírito da legislação sobre o tema.

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Na prática, segundo advogados independentes ouvidos por este noticiário, não existe uma vedação explícita a um terceiro mandato, mas uma situação de limbo jurídico, em que qualquer interpretação é possível. Para a associação, "a se confirmar o terceiro mandato, a Ancine corre o risco de deixar de ser uma Agência Reguladora para se tornar uma Agência de Governo, com os interesses específicos de um governo ou de um partido político se sobrepondo à autonomia política, administrativa e financeira prevista em lei, alicerce sem o qual todo o modelo das agências perde o sentido". Rangel não tem dado declarações públicas sobre o que acontecerá a partir de maio, quando termina seu mandato.

Análise

Rangel entrou na Ancine indicado pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil em 2005 e em 2006 tornou-se presidente, substituindo o primeiro presidente da agência, Gustavo Dahl, já falecido. Foi um dos principais articuladores da Lei 12.485/2011, que não só mudou o marco legal da TV por assinatura e da produção audiovisual como, na prática, transformou a Ancine em uma agência do audiovisual. Desde a mudança legal, a Ancine passou a administrar um orçamento para programas de fomento substancialmente maior (que esse ano deve se aproximar de R$ 1 bilhão) e passou a ter poderes mais amplos de regulação no mercado de produção de conteúdos. O interesse sobre a agência deixou de ser restrito aos setores que tradicionalmente orbitavam nesse universo (cineastas, produtores, setores ligados à cultura sobretudo do PT e do PC do B) e passou a despertar o interesse de outros partidos e setores econômicos. O processo de sucessão na agência do audiovisual deverá ser, portanto, muito mais complexo do que foi em outros tempos. E bem mais próximo do que já se vê em outros setores.

Leia a seguir a íntegra da nota da Aspac:

"Terceiro mandato na ANCINE ameaça autonomia das Agências Reguladoras

Com a proximidade do final do segundo mandato do diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema – ANCINE aumenta a preocupação dos servidores efetivos com a possibilidade de uma nova recondução. Declaração recente da ministra da Cultura Marta Suplicy sugere que não se trata apenas de boato ou especulação, mas de uma efetiva articulação para garantir um terceiro mandato, o que, no entendimento da Associação de Servidores da ANCINE – ASPAC, contraria as boas práticas regulatórias e representa uma séria ameaça de captura governamental da Agência, comprometendo sua independência, autonomia, transparência e eficiência, independentemente dos avanços e conquistas da ANCINE sob a gestão do atual diretor-presidente.

Ainda que não haja na Medida Provisória 2228-1/2001, que criou a ANCINE, vedação expressa a uma segunda recondução, tampouco ela está autorizada, conclusão a que só se pode chegar por uma leitura casuística de uma lacuna da regra. Considerando que todos os artigos da referida MP referentes à Diretoria enfatizam o princípio da alternância no poder como essencial para o bom desempenho da Agência (como a previsão de mandatos fixos e não-coincidentes e o próprio modelo colegiado); considerando, também, que os marcos legais da maioria das Agências Reguladoras Federais vedam o terceiro mandato, conclui-se que, no caso da MP 2228-1, tratou-se de um descuido do legislador.

Não fosse assim, não haveria por que, no Projeto de Lei 3337/2004, atualmente em tramitação no Congresso Nacional (“Lei das Agências Reguladoras”) a única referência nominal à ANCINE, em seu Artigo 28, tratar justamente da impossibilidade de uma segunda recondução (grifo nosso):

Art. 28. O § 2o do art. 8o da Medida Provisória no 2.228-1, de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

“§ 2o O Diretor-Presidente da ANCINE será nomeado pelo Presidente da República, e investido na função pelo prazo de quatro anos, admitida uma única recondução por igual período, observado o disposto no art. 5o da Lei no 9.986, de 18 de julho de 2000.”

Como se não bastasse, o princípio é reforçado em 4 artigos do capítulo V do PL 3337 para as demais Agências Reguladoras e especificamente no art. 26 para alterar a Lei 9986 de julho de 2000 que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras: (grifos nossos):

Art. 26. A Lei no 9.986, de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 6o O mandato dos Conselheiros e dos Diretores das Agências Reguladoras será de quatro anos, admitida uma única recondução.

É importante ressaltar que a ausência formal de limites à recondução na ANCINE – que possibilitaria a permanência ad eternum dos seus diretores – não guarda simetria constitucional com o processo político brasileiro, dado que o instituto da reeleição (recondução) de dirigentes político-executivos está condicionado a apenas uma reeleição, ainda que passe pelo exame periódico das urnas, tal e qual os dirigentes reconduzidos nas Agências passam pelo exame da sabatina no Senado. O fundamento de base é garantir o acesso a novas visões e evitar o risco dos vícios da permanência prolongada no poder.

O risco de um terceiro mandato acontece num momento em que as Agências Reguladoras federais lutam para afirmar sua importância e autonomia como órgãos de Estado, apesar das crescentes pressões para enquadrá-las como meras executoras de políticas passageiras de Governos. Não é outro o sentido do recente Acórdão 2261/2011 do Tribunal de Contas da União – TCU, resultante dos trabalhos de auditoria realizada nas Agências Reguladoras de infra-estrutura (ANA, ANAC, ANAC, ANEEL, ANATEL, ANTAQ, ANTT e ANP), que incluiu várias recomendações que reforçam a importância de se preservar a autonomia das Agências, entre as quais:

“9.7 recomendar ao Senado Federal que estude a viabilidade de se adotar rotina mais rigorosa na avaliação dos candidatos aos cargos de direção das agências reguladoras;

9.8.5. caracterização das agências em órgãos setoriais, desvinculando seus orçamentos dos respectivos ministérios vinculadores;

9.8.6. estabelecimento de requisitos mínimos de transparência do processo decisório das agências, tendo por parâmetro os procedimentos adotados pela Agência Nacional de Energia Elétrica;

Em relação especificamente à recondução de dirigentes, no relatório que instruiu o referido Acórdão, encontramos os seguintes itens (grifos nossos):

“119. As agências reguladoras deverão ter suas atividades resguardadas de eventuais interferências políticas indevidas. Referidas interferências podem prejudicar a autonomia decisória dos entes reguladores ao comprometer a neutralidade das decisões regulatórias. Nesse sentido, a possibilidade de recondução dos dirigentes é arriscada, pois pode incentivar o dirigente a aceitar pressões do governo no intuito de permanecer no cargo.

120. No entendimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (2008), o cancelamento da possibilidade de renomeação dos dirigentes das agências reguladoras tenderia a reforçar a sua autonomia, limitando o risco de captura por recondução.

123. Ante o exposto, entende-se que a vedação da possibilidade do instituto da recondução mitigaria o risco eventual de que os dirigentes das agências tomem decisões injustificadas, visando somente à recondução ao cargo.

Verifica-se, assim, que a lógica da alternância é um fundamento principiológico da própria constituição das Agências. Ela se concretiza na existência de mandatos não coincidentes dos membros do seu colegiado, o que permite que os diferentes governos eleitos possam indicar seus dirigentes, coexistindo no colegiado a saudável pluralidade de opiniões, essencial à construção das ações regulatórias, que devem possuir múltiplas visões, ponderar custos e benefícios e harmonizar interesses entre agentes econômicos, poder público e sociedade. O contraditório é fator determinante à regulação saudável; o hermetismo e unicidade de visões representa a falência institucional do modelo regulatório republicano.

A Associação de Servidores da ANCINE – ASPAC entende que, a se confirmar o terceiro mandato, A ANCINE corre o risco de deixar de ser uma Agência Reguladora para se tornar uma Agência de Governo, com os interesses específicos de um governo ou de um partido político se sobrepondo à autonomia política, administrativa e financeira prevista em lei, alicerce sem o qual todo o modelo das Agências perde o sentido. Pelo risco que possa representar esse precedente, não só para a ANCINE mas para toda a regulação brasileira, a ASPAC repudia qualquer projeto de uma segunda recondução de diretor da ANCINE e de outros diretores nas Agências Reguladoras".

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