Muito já se discutiu sobre o potencial da tecnologia móvel de 5ª Geração (5G) para facilitar a vida das pessoas, aumentar a competitividade das empresas e melhorar a economia global. Portanto, não há dúvida de que a política a ser adotada para impulsionar a implantação e o desenvolvimento dessa novidade tecnológica no Brasil será decisiva para determinar o quanto de proveito o país vai extrair dela.
Convém iniciar por uma retrospectiva. A corrida pelo 5G começou há exatos dois anos, com o lançamento do serviço na Coreia do Sul. Desde então, as principais economias mundiais, como Estados Unidos, China, Japão, Austrália e diversos países europeus, passaram a oferecer serviços comerciais de 5G em seus territórios. Além disso, a União Europeia tem previsão de estender os serviços de 5G a todos os seus estados-membros ainda no decorrer deste ano, de acordo com seu Plano de Ação para o 5G (5G Action Plan).
Pioneirismo
Seguindo a máxima de que quem chega primeiro à fonte bebe água mais limpa, todos os esforços devem ser empreendidos para que o Brasil venha a se alinhar com esse bloco de países pioneiros. Para tanto, os futuros adquirentes das faixas de espectro destinadas ao 5G no Brasil, cuja licitação é ansiosamente aguardada para 2021, precisam implementar suas redes com a maior brevidade possível.
A fim de alcançar este objetivo, eles precisam desfrutar de plena liberdade para escolher seus fornecedores de equipamentos para a implantação das redes. Assim como ninguém deve tentar ensinar ao padre como rezar a missa, não faz sentido, depois de 20 anos de privatização e modernização do setor de telecomunicações, hoje com 228 milhões de dispositivos móveis ativados, querer ditar às operadoras soluções abertas e interoperáveis ou vedar fabricantes e fornecedores para a implantação de suas redes.
Se em passado recente uma solução tecnológica disseminada nos Estados Unidos e na Europa podia demorar três anos ou mais para chegar ao Brasil, podemos afirmar que atualmente esse atraso foi reduzido praticamente a zero. Tomamos como exemplo as redes de 4G e 4.5G, cuja implantação lá e aqui se deu de forma praticamente simultânea.
Isso tudo graças à expertise desenvolvida pelas operadoras nacionais, que sempre tiveram liberdade para acompanhar a tendência da indústria, o desenvolvimento do mercado e suas novidades. Foi exatamente tendo em vista as conveniências de preço, qualidade, segurança e confiabilidade que elas construíram a rede que o Brasil hoje possui. Uma rede resiliente, conforme ficou comprovado durante o aumento de tráfego de dados ocorrido desde o início do isolamento social causado pela pandemia da Covid-19 neste ano de 2020.
A grande esperança que se tem em relação ao 5G reside no fato de que, por ser uma tecnologia que demandará robusta infraestrutura de rede e de espectro, com muito mais fibras e muito mais antenas (estações rádio base) espalhadas por todas as cidades, haverá maior facilidade para se diminuir o déficit de conectividade existente. Principalmente se o edital a ser publicado pela Anatel mantiver a presença dos blocos regionais e trouxer regras que facilitem a participação de entrantes e prestadores de pequeno porte – PPPs, que já têm desenvolvido um trabalho de alto impacto na disseminação da banda larga por fibra em pequenos municípios de regiões com pouca atratividade econômica. A soma da participação dos PPPs no mercado de banda larga fixa já atingiu a faixa de 35%, aproximando-se de 13 milhões de acessos, num universo de 35.9 milhões de assinantes, segundo dados sistematizados pela Teleco no terceiro trimestre de 2020.
Neutralidade do Estado
A neutralidade do Estado em relação às escolhas tecnológicas das prestadoras tem sido uma das características mais importantes da implantação das tecnologias móveis no Brasil desde a privatização das telecomunicações, ocorrida há mais de duas décadas. Todos os fabricantes de renome no mercado mundial estão presentes nas redes das operadoras brasileiras. Inclusive componentes de fabricação nacional que têm respondido positivamente em termos de qualidade. A liberdade de escolha fortalece a competição em todos os níveis e por isso é mais favorável ao mercado, porque nos ambientes de grande concorrência os fornecedores de produtos e serviços se esforçam sempre mais para conquistar e fidelizar seus clientes. As vantagens ocorrem em vários sentidos, desde os preços mais baixos até o cumprimento dos prazos de entrega e assistência técnica muito mais precisa.
Qualquer medida que restrinja o livre arbítrio das empresas no que diz respeito à escolha de seus fornecedores pode significar mais atraso na implantação da infraestrutura, aumento nos custos para as operadoras e consequente prejuízo para a sociedade, que pagará a conta e ficará tolhida de fruir dos benefícios da tecnologia por muito mais tempo.
Se forem estabelecidas restrições, como vem sendo ventilado em publicações especializadas, as consequências serão imprevisíveis. Além de significar uma quebra de confiança na organização do setor de telecomunicações, o tempo e os investimentos que poderiam ser empregados na expansão das redes para atender áreas desprovidas de infraestrutura e conectar muito mais pessoas podem ser irracionalmente empregados na substituição de redes que já atendem de forma satisfatória atualmente. Impossível precisar o tamanho do estrago, tanto em termos financeiros, quanto sociais. Seriam muitos passos atrás, quando o Brasil precisa acelerar seus passos à frente!
Estabelecer requisitos técnicos indispensáveis para o máximo de proteção dos dados que trafegam pelas redes é algo absolutamente recomendável, até porque todos precisam dessa segurança. Para isso, o trabalho de regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel e da recém criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, em sintonia com o Gabinete de Segurança Institucional – GSI, ganha importância excepcional. Há que se buscar as melhores práticas no mundo nesse sentido e responsabilizar os operadores pela sua disciplinada observação.
A título de ilustração, a União Europeia manteve o princípio da neutralidade tecnológica, sem renunciar à segurança de suas redes. Para tanto, estabeleceu dois conjuntos de medidas, bastante detalhados. No primeiro, estão sete medidas estratégicas, que incluem reforço aos poderes de regulação, incentivo à diversificação de fornecedores e estímulo à sustentabilidade da cadeia de abastecimento do 5G. No segundo conjunto, encontram-se onze medidas técnicas, que dizem respeito à resiliência e continuidade do serviço, aos requisitos aplicáveis a processos e equipamentos e, por fim, à segurança de rede, que consideram tanto as soluções de base (segurança física, por exemplo), quanto as soluções específicas para o 5G (tal como, integridade de software).
Segurança de rede é algo complexo em todos os sentidos e requer a adoção de requisitos técnicos abrangentes, como fez a União Europeia. O desafio para autoridades, operadoras e fabricantes é zelar pela segurança e privacidade dos dados pessoais, das empresas, das instituições governamentais e de outras organizações. Daí a importância de se definir o quanto antes um conjunto de parâmetros a serem observados pelas operadoras na estratégia que adotarem tanto na implantação quanto na gestão operacional de suas redes. Os requisitos estabelecidos terão que ser seguidos por operadoras e fabricantes, sobre os quais recairão a responsabilidade em caso de falha ou descumprimento. São aspectos iminentemente técnicos que nada tem a ver com preferências ideológicas.
Mais restrições, menos acesso
O que está no centro da questão, a meu ver, é que o Brasil, apesar dos seus 228 milhões de dispositivos móveis ativos, ainda registra a existência de 47 milhões de pessoas sem acesso à internet, segundo o CGI.br TIC Domicílios 2019. E uma boa estratégia para levar conectividade a essas pessoas é através da expansão da infraestrutura de rede para todas as localidades que não a possuem. Aí, com a soma das infraestruturas física e espectral, será possível levar internet de alta velocidade a preços mais em conta para atender famílias de baixa renda. A disposição dos operadores que estão atuando nos municípios menores e mais isolados é exatamente nesse sentido. Tudo o que eles querem é uma oportunidade para participarem do leilão de espectro para o 5G e que, uma vez adquirido o direito de uso desse recurso indispensável à tecnologia móvel, tenham a necessária liberdade para efetivarem a imediata implantação da infraestrutura para rentabilizar os investimentos feitos.
Se houver restrição tecnológica, os fabricantes que restarem no mercado serão os donos da bola. Com esse gargalo no lado da oferta, teremos, no mínimo, um cenário em que a cadeia logística será seriamente impactada, causando filas nas entregas e aumento de preços. Noutro cenário, mais preocupante, mesmo com capacidade de entrega, os fornecedores restantes saberão de antemão que todos terão que comprar de suas marcas e não terão a menor preocupação em diminuir seus preços ou acelerar a entrega dos seus pedidos, abusando de sua condição de mercado. Aí a competição estará ferida de morte e a implantação do 5G em todas as regiões do Brasil sofrerá significativo adiamento.
Mais do que defender posição favorável a um governo aliado, o Brasil precisa defender seus interesses próprios e sua soberania. A guerra comercial e tecnológica entre os Estados Unidos e a China, nossos dois principais parceiros comerciais, não nos permite tomar partido. São duas nações gigantes que permanecerão grandes potências independente de eventuais disputas ou acordos que entre si firmarem. Principalmente agora, com a mudança de governo nos Estados Unidos, já reconhecido e cumprimentado pelo governo da China.
Não é o caso do Brasil, que se abdicar da relação comercial com o país destino da maior parte de suas exportações, arcará com consequências imprevisíveis. Não vale o risco de pagar para ver! A boa relação internacional de multilateralidade que o Brasil cultiva há décadas tem que ser preservada, e a experiência do setor de telecomunicações de trabalhar com diferentes marcas de fornecedores tem que continuar.
Não estamos falando da conveniência desse ou daquele projeto político. Estamos diante de uma verdadeira questão de Estado, que deve ser colocada acima dos encaminhamentos circunstanciais dos governos que são transitórios. Zelar pela competitividade do país, melhorar a economia com a geração de milhares de empregos e assegurar o direito à conectividade que é absolutamente essencial às famílias são assuntos que envolvem a sociedade, as instituições e os poderes constituídos. Não é razoável que decisão de tamanha magnitude e complexidade esteja restrita a medida infra legal que não seja precedida de amplo debate nas duas casas do Congresso Nacional.
Todos queremos o Brasil com economia forte, mais competitivo e em condição de gerar mais empregos e renda para a sua população. Quanto mais acelerarmos a implantação da infraestrutura de rede da tecnologia móvel de 5ª Geração mais nos aproximaremos deste objetivo. E a liberdade tecnológica é condição indispensável para tudo isso!
* Sobre o Autor: Aníbal Diniz, 58, graduado em História pela UFAC. Atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador pelo PT-AC (2011 e 2014) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019). As posições manifestadas nesse artigo não necessariamente representam a posição de TELETIME.
Achei o texto beeeeem estranho… fui entender o porque no final!
"…* Sobre o Autor: Aníbal Diniz, 58, graduado em História pela UFAC. Atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador pelo PT-AC (2011 e 2014) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019). "
Acre tem os piores índices de IDH e estrutura de Telecom pífia, mesmo com um senador da república eleito pelo Acre e conselheiro da Anatel até recentemente!
Fácil falar, escrever texto… difícil é ser competente!
Adeus
Não há nada de estranho em defender o livre mercado, a concorrência e a necessidade de explorar diplomaticamente a disputa entre as potências para maximizar a posição estratégica brasileira em torno da tecnologia 5G. Isso é apenas bom senso. Estranho é essa desqualificação ad hominem, desprovida de argumentos.