Pioneiros da Internet, incluindo criadores da rede e figuras importantes no mundo da tecnologia, publicaram nesta segunda-feira, 11, uma carta aberta pedindo o cancelamento da votação para as novas regras de Internet propostas pela agência reguladora norte-americana Federal Communications Commission (FCC) na próxima quinta-feira, 14. O texto, com o pouco sutil título de "Pioneiros e líderes da Internet falam à FCC: vocês não sabem como a Internet funciona", é assinado por 21 personalidades, entre o co-fundador da Apple, Steve Wozniak, o pioneiro da rede Vint Cerf e o inventor da World Wide Web e professor do MIT, Tim Berners-Lee, e é direcionado aos senadores e representantes do comitê de Comunicações, Tecnologia, Inovações e Internet no Senado dos Estados Unidos.
Além de argumentar que a proposta do chairman da FCC, Ajit Pai, acabaria com as proteções da neutralidade de rede, o grupo afirma que também iria repelir a supervisão de outras práticas de discriminação, "acabando com a interconexão com provedores de acesso de última milha" sem colocar algum mecanismo em substituição para proteger consumidores, mercado livre e inovação online. A carta diz que o documento de Pai é baseado "em entendimento falho e factualmente impreciso da tecnologia de Internet".
Os argumentos apontando as falhas foram submetidos na consulta pública de julho em um documento assinado por 200 engenheiros e pioneiros da Internet. "Apesar do comentário publicado, a FCC não corrigiu seus desentendimentos, mas, em vez disso, baseou a Order proposta nas mesmas falhas técnicas que o comentário explicou", afirmam. Para eles, as novas regras acabariam com 15 anos de supervisões de diretores da Comissão de ambos os partidos, Republicanos e Democratas.
Dizem ainda que a FCC não está ignorando apenas os comentários de especialistas, mas de 23 milhões de pessoas que participaram da consulta pública mostrando clara oposição ao fim da neutralidade. "A FCC não poderia ter considerado isso (tudo) adequadamente", afirma a carta. Chama atenção também para os problemas da plataforma online da consulta, que permitiu comentários gerados por robôs e ficou fora do ar bem quando o apresentador de TV John Oliver encorajou o público a participar. Alegam que a Comissão não respondeu aos pedidos de explicações sobre esses incidentes. Sobre o número de 23 milhões de contribuições, a FCC alega que uma grande quantidade delas é a simples repetição de mensagens padronizadas difundidas pela Internet.
"A proposta de lei feita às pressas e tecnicamente incorreta da FCC para abolir as proteções da neutralidade de rede sem nenhum substituto é uma ameaça iminente à Internet na qual trabalhamos tanto para criar", dizem os especialistas. "Isso deveria ser barrado", concluem.
Argumentos
Entre os argumentos na contribuição de julho, os especialistas detalham a natureza aberta da Internet, como a intersecção de camadas DNS para o funcionamento do endereçamento; e as similaridades do roteamento da Internet com o de chamadas de telefone. Esclarece ainda que a Internet não é um "serviço de informação" (como propõe a alteração da FCC), uma vez que os consumidores não escolhem mais baseado em conteúdo, mas na disponibilidade e capacidade do serviço de acesso à banda larga. Diz que os argumentos da Comissão "confundem a oferta da capacidade de conectar com um serviço de terceiros com a própria oferta de capacidade do serviço de terceiro", como se o próprio provedor de Internet (ISPs) estivesse oferecendo o serviço, e não apenas a conexão.
Deixa clara ainda a interpretação do papel dos ISPs não se confunde com a Internet em si, uma vez que qualquer outro método utilizado "poderia acessar esses serviços (de terceiros, a Internet em si) sem um serviço de acesso de banda larga". A comparação é que o acesso não é a Internet em si, assim como a habilidade de realizar uma chamada de telefone não significa que o serviço telefônico é capaz de entregar uma pizza – um paralelo interessante com o cenário brasileiro.
Por fim, o documento enumera casos em que a falta de neutralidade pode danificar a Internet, citando a prática de zero-rating da Comcast, AT&T e T-Mobile, além da instalação de "super-cookies" por parte da Verizon para monitorar o tráfego dos usuários. Como benefício das regras de neutralidade, coloca que, depois da lei Open Internet de 2015, as operadoras móveis passaram a permitir o uso do próprio celular do usuário como roteador Wi-Fi (tethering) e a utilização de serviços peer-to-peer para a transmissão de vídeo de monitoramento residencial. O documento (arquivo DOCX em inglês) pode ser lido clicando aqui.