Nos últimos anos, a ascensão das plataformas digitais de conteúdo, como redes sociais, serviços de streaming e aplicativos de comunicação, levantou debates sobre o papel regulador da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) no Brasil. O foco tem sido, em especial, sobre a responsabilidade dessas plataformas em relação à disseminação de conteúdo, à moderação de informações e à transparência nas operações. Embora a ANATEL tenha tradicionalmente focado sua regulação nos serviços de telecomunicações, como telefonia e internet, a crescente convergência entre telecomunicações e o setor digital coloca a agência em uma posição de repensar suas funções e fronteiras regulatórias.
O Contexto das Plataformas de Conteúdo e o Desafio da Regulação
Plataformas como YouTube, Facebook, Instagram e WhatsApp tornaram-se elementos centrais na forma como os cidadãos consomem e compartilham informações. Estas empresas, muitas delas internacionais, operam como intermediárias na distribuição de conteúdo produzido por terceiros, gerando uma nova dinâmica no fluxo de comunicação que ultrapassa as fronteiras tradicionais do setor de telecomunicações.
Enquanto tradicionalmente a ANATEL regula serviços de infraestrutura (operadoras de telefonia, provedores de internet, serviços de radiodifusão), plataformas de conteúdo vêm operando sem uma regulação específica no Brasil. No entanto, a relevância crescente dessas plataformas na disseminação de notícias, entretenimento e até mesmo desinformação tem provocado discussões sobre a necessidade de expandir o escopo regulatório da ANATEL, ou de outras autoridades competentes, para cobrir também esses novos agentes.
A Interpretação da Lei Geral de Telecomunicações (LGT)
A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que estabelece as diretrizes para a regulação do setor, não contempla diretamente as plataformas digitais de conteúdo, uma vez que foi criada antes da ascensão massiva dessas tecnologias. A LGT trata majoritariamente de infraestrutura e prestação de serviços de telecomunicações, e não da mediação ou distribuição de conteúdo digital.
No entanto, algumas interpretações mais recentes sugerem que, à medida que essas plataformas utilizam a infraestrutura de telecomunicações para operar (como as redes de dados), sua regulamentação poderia, em tese, se alinhar com as competências da ANATEL. Há um debate crescente sobre se a agência deve, ou não, assumir um papel mais ativo na regulamentação de plataformas que distribuem conteúdo, especialmente em áreas como moderação de desinformação e proteção de dados dos usuários.
Responsabilidades e Propostas em Discussão
A posição da ANATEL em relação às responsabilidades das plataformas de conteúdo, até o momento, tem sido de cautela. Isso se deve ao fato de que há sobreposição de competências com outros órgãos reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que cuida de práticas concorrenciais, e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável pela proteção de dados pessoais.
No entanto, há áreas específicas onde a ANATEL vem discutindo uma atuação mais clara, especialmente em relação à infraestrutura utilizada por essas plataformas. Algumas propostas envolvem:
- Regulação de qualidade de serviço: A ANATEL tem analisado como garantir que as plataformas mantenham padrões de qualidade na entrega de conteúdo via internet, especialmente em questões de largura de banda e tráfego de dados.
- Transparência no uso de infraestrutura: Há um debate sobre a necessidade de que as plataformas divulguem como utilizam as redes de telecomunicações, principalmente para evitar congestionamentos e garantir uma distribuição equitativa de acesso.
- Parcerias para moderação de conteúdo: Embora não diretamente reguladora do conteúdo, a ANATEL poderia apoiar esforços colaborativos com outras entidades, como a ANPD, para garantir que plataformas respeitem leis de proteção de dados e ajam com transparência na moderação de informações.
A Convergência entre Telecomunicações e Mídia Digital
A principal questão que a ANATEL enfrenta hoje é a convergência entre telecomunicações tradicionais e novas formas de mídia digital. A digitalização de praticamente todos os aspectos da comunicação trouxe novos desafios para a regulação. As operadoras de telecomunicações, historicamente reguladas pela ANATEL, competem agora com plataformas digitais que oferecem serviços como chamadas de voz e vídeo via internet, mensagens instantâneas e streaming de vídeo.
Essa situação criou tensões entre os provedores de infraestrutura e as plataformas de conteúdo, com os primeiros argumentando que as plataformas digitais utilizam suas redes sem estarem sujeitas à mesma carga regulatória. Por exemplo, plataformas de streaming, como Netflix e YouTube, geram enorme demanda de tráfego nas redes de telecomunicações, levando operadoras a buscar mais clareza sobre as responsabilidades dessas empresas.
Nesse cenário, a ANATEL vem explorando caminhos para garantir um campo regulatório mais equilibrado, onde tanto as operadoras quanto as plataformas digitais contribuam para o desenvolvimento sustentável das redes de comunicação.
O Futuro da Regulação das Plataformas Digitais
A ANATEL, ainda que relutante em expandir diretamente sua atuação sobre plataformas de conteúdo, reconhece a importância de discutir o tema à luz dos novos desafios digitais. A responsabilidade dessas plataformas, particularmente no que diz respeito à transparência, uso da infraestrutura e proteção dos direitos dos usuários, precisa ser abordada de maneira coordenada, envolvendo não apenas a ANATEL, mas também outros órgãos reguladores e legisladores.
O caminho para a regulação dessas plataformas no Brasil permanece incerto, mas a ANATEL está claramente atenta à necessidade de adaptar suas diretrizes para um cenário digital em rápida transformação. O desafio, no entanto, será equilibrar a inovação com a proteção dos usuários e a sustentabilidade das redes de telecomunicações no país.
* Rafael Pistono é sócio do PDK Advogados. As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a visão de TELETIME.