O Tribunal de Contas da União, por determinação do seu presidente Bruno Dantas, decidiu suspender temporariamente todas os processos de pactuação por consenso em curso junto ao TCU baseados na Instrução Normativa 91/2022. Mas, segundo apurou este noticiário, o efeito desta determinação no caso da Oi (que já foi julgada pelo TCU) e da Vivo (que já venceu a fase de pactuação e aguarda julgamento) deve ser marginal, se houver.
A determinação de Bruno Dantas veio depois que o TCU tomou conhecimento do Decreto 12.091/2024 assinado pelo ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Jorge Messias, e pela Ministra do Ministério de Gestão e Inovação (MGI), Esther Dweck. Trata-se de um decreto normatizando a "Rede Federal de Mediação e Negociação – Resolve". Em essência, ela se destina a "organizar, promover e aperfeiçoar o uso da autocomposição de conflitos por meio da mediação e da negociação como ferramentas de gestão e de melhoria da execução de políticas públicas" e se aplica "às mediações e às negociações em que sejam partes os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional".
O decreto, contudo, é datado do dia 3 de julho, dia em que o TCU votou o acordo celebrado entre Anatel e Oi, e foi publicado no dia 4. Ou seja, a pactuação da Oi já estava aprovada pelo Tribunal de Contas da União. No caso do processo da Vivo, a fase de pactuação também já foi concluída, pendente ainda da manifestação do Ministério Público junto ao TCU e da votação final em plenário na Corte de Contas. No caso do processo da Claro, ele já corre diretamente com a intermediação da AGU, sem a participação do Tribunal de Contas da União.
A análise feita a este noticiário por observadores próximos às negociações é que existe uma disputa de protagonismo e espaços entre Tribunal de Contas da União e Advocacia Geral da União.
Recentemente, a própria AGU havia publicado uma portaria delegando às procuradorias federais junto a autarquias o poder de celebrar acordos de solução consensual de controvérsias.
Já o novo decreto institui um rito próprio por dentro do programa Resolve, com participação das autarquias e procuradorias.
Os impactos que o novo decreto da AGU podem trazer são considerados marginais na cadeia de telecom. No caso da Oi, já existe uma negociação informalmente aberta entre a empresa e a AGU para as dívidas com a União. Mas falta a formalização do Tribunal de Contas da União de que o processo de pactuação está aprovado para que, só então, o prazo de 60 dias comece a contar. Pode haver um atraso nessa formalização. E, obviamente, uma eventual má-vontade da AGU com o acordo firmado no TCU pode contaminar o ambiente de conversas, mas não existe espaço jurídico para uma reversão do que foi pactuado e aprovado.
No caso da Vivo, deve haver um atraso na manifestação do Ministério Público sobre o acordo pactuado e, possivelmente, um atraso no agendamento da votação em plenário pelo TCU.
Análise
Independente de uma eventual disputa de posições entre AGU e TCU, o fato é que, no âmbito dos setores regulados, o grande receio dos reguladores sempre foi contrariar as posições do Tribunal de Contas da União. Sempre foi o TCU que apontou problemas nas soluções dadas pela Anatel, muitas vezes colocando a agência reguladora em situação de impasse em relação a quais caminhos seguir: se de um lado a análise de seus técnicos especializados era por uma solução, a interpretação do TCU era outra, o que fazia com que os temas não evoluíssem.
Talvez o principal exemplo disso tenha sido justamente a questão dos bens reversíveis, cerne da pactuação entre o TCU, Anatel e operadoras Oi e Vivo para a migração do regime de concessão para autorização.
Em inúmeras ocasiões o Tribunal de Contas da União sustentou em suas análises técnicas que os bens reversíveis deveriam ser vistos sob a ótica patrimonialista, ou seja, como ativos de propriedade da União que deveriam ser devolvidos ao final da concessão. E em inúmeras ocasiões, por sua vez, a Anatel sustentou que isso só seria pertinente se fosse para assegurar a continuidade da prestação dos serviços de telefonia fixa. O tema só encontrou alguma clareza com a Lei 13.879/2019, que pendeu a balança para a interpretação da Anatel, e ainda assim os técnicos do TCU seguiram sustentando uma visão patrimonialista sobre o tema.
Diante do impasse de interpretações, e diante da iminência do fim das concessões em 2025, a Secretaria de Consenso do TCU, criada por Bruno Dantas, e a Anatel, celebraram um acordo com a Oi e com a Vivo que de certa forma passa uma borracha nos impasses jurídicos sobre os bens reversíveis e tentam quantificar o problema em contrapartidas de investimento. Tanto nos casos da Oi quanto da Vivo a área técnica do TCU se manifestou de maneira contrária ao acordo, mas a Anatel, reguladora setorial, entendeu que seria mais interessante ao interesse público resolver a questão agora do que alongar por anos uma discussão jurídica.
Também houve uma mudança na visão de alguns ministros. Benjamin Zymler e Walton Alencar, dois ministros do TCU que sempre foram muito duros contra a Anatel na questão dos bens reversíveis, votaram a favor da pactuação da Oi, diante das circunstâncias.
Ao longo desses anos, a AGU acompanhou os debates por meio das suas Procuradorias Federais Especializadas nas agências e Consultoria Jurídica do Ministérios das Comunicações, mas nunca cravou posição. Para a Anatel, a pactuação aberta pelo Tribunal de Contas da União foi a única solução para desfazer um problema que parecia insolúvel.