O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira, 11, o julgamento sobre a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI). Os ministros da corte Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes (nessa ordem) votaram a favor de responsabilizar as plataformas por conteúdos de usuários.
Dessa forma, o placar ficou em 6 a 1 pelo endurecimento da regulação das redes – apesar de algumas divergências nos posicionamentos dos magistrados. Após a leitura do voto de Mendes, a audiência foi suspensa pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Na quinta, 12, a sessão continuará com os votos dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
O artigo 19, cuja insuficiência é defendida pela maioria dos ministros, prevê hoje que a rede social só deve ser responsabilizada por conteúdo gerado por terceiros caso não remova, após uma ordem judicial, o conteúdo considerado ilícito em prazo razoável. Essas empresas também não precisam monitorar e filtrar conteúdo de forma proativa.
Voto de Dino
O ministro Flávio Dino votou por um modelo mais firme de responsabilização das plataformas digitais, embora tenha buscado um consenso com os demais ministros. Ele propôs a aplicação do artigo 21 do MCI para casos de danos civis causados por conteúdos de terceiros — ou seja, a responsabilização com base apenas em notificação, sem necessidade de ordem judicial.
Já para crimes contra a honra, como calúnia e difamação, o ministro manteve a exigência da ordem judicial prevista no artigo 19, mas com uma exceção: empresas jornalísticas não poderiam ser responsabilizadas nesses casos. "Meu voto, portanto, é um voto de autocontenção em busca da mediação dessa ideia de união do tribunal", argumentou.
Durante a leitura do voto, Dino defendeu que as plataformas respondam por conteúdos impulsionados, anônimos ou patrocinados, e destacou que crimes graves — como os contra crianças, o terrorismo e os ataques à democracia — exigem um dever de monitoramento por parte das empresas.
"As redes sociais não aproximaram a humanidade daquilo que ela produziu de melhor", afirmou. "Não aproximaram a humanidade da ciência, tampouco da filosofia e muito menos da religião", afirmou o magistrado.
Voto de Zanin
O ministro Cristiano Zanin disse que a promessa do Marco Civil da Internet de promover a liberdade de expressão não se confirmou na prática. Para ele, o artigo 19 da lei (que condiciona a remoção de conteúdo à ordem judicial) acabou permitindo a proliferação de conteúdos ilícitos, com efeitos negativos sobre os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito.
No entendimento do magistrado, o artigo 19 do Marco Civil da Internet é "parcialmente inconstitucional", uma vez que oferece uma "proteção deficiente" dos direitos dos cidadãos.
Zanin afirmou que as plataformas digitais deixaram de ser neutras, exercendo influência ativa na disseminação de informações por meio de algoritmos e políticas de engajamento, o que contraria a lógica original da legislação. "É a partir desse cenário, então, que eu passo a analisar o artigo 19 num processo de inconstitucionalização", argumentou.
O ministro também reforçou um ponto já destacado por outros integrantes da Corte desde o início do julgamento no STF: a liberdade de expressão, embora garantida no País, não é um direito absoluto. "Ela encontra limites, inclusive no próprio texto constitucional", justificou.
Voto de Mendes
Último do STF a votar na sessão desta quarta-feira, 11, o ministro Gilmar Mendes também defendeu a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros, mas com ressalvas. Segundo ele, a ideia de que essas empresas são neutras "foi completamente superada nas últimas décadas".
No entendimento do ministro, a desinformação e o discurso de ódio nas redes não são apenas consequências do uso das plataformas, mas parte do modelo de negócios dessas empresas. Isso porque empresas como Facebook, Google e Amazon estariam interferindo ativamente na circulação de conteúdos por meio de filtros, bloqueios e impulsionamento, e de forma pouco transparente.
Dessa forma, ele sugeriu um modelo escalonado, com quatro regimes. O artigo 19 seria mantido apenas para crimes contra a honra e conteúdos jornalísticos. Os demais seguiriam o artigo 21, com responsabilização após "ciência inequívoca de atos ilícitos".
Mendes também propôs regras mais rígidas para impulsionamento e conteúdos de alto impacto social. "Se presume o conhecimento efetivo do conteúdo ilícito, e nessas hipóteses seria dispensada a notificação prévia." Para casos graves, sugeriu "remoção imediata e responsabilidade solidária".
O ministro do STF também criticou o modelo de negócios das plataformas. Segundo ele, o objetivo não é facilitar a comunicação, mas "maximizar o tempo de permanência dos usuários na plataforma", com base em algoritmos que favorecem "conteúdos divisivos e polarizadores".
Mendonça
Até agora, apenas o ministro André Mendonça foi em direção de certa forma oposta ao restante dos ministros. No último dia 4, o magistrado argumentou que as plataformas, em especial as redes sociais, podem ser consideradas viabilizadoras da democracia digital, já que permitiram uma maior abertura e participação da sociedade nos debates públicos.
Para ele, é preciso ter cuidado para não se criar iniciativas que de alguma forma venham a inibir a participação dos cidadãos nos espaços digitais. Dessa forma, Mendonça defendeu uma espécie de autorregulação regulada.
(Colaborou Mara Matos)