Para especialistas, desafios da educação digital vão do letramento e capacitação à gestão pública

Seminário Educação Conectada 2023, realizado pela TELETIME, em Brasília

Durante o Seminário Educação Conectada, realizado pela TELETIME em Brasília nesta terça, dia 11, uma visão quase consensual foi a de que, entre as diferentes áreas em que há a necessidade de políticas públicas, as políticas de conectividade em escolas estejam, talvez, em posição privilegiada: há uma qualidade reconhecida internacionalmente no diagnóstico dos problemas a serem enfrentados; há mais de R$ 7 bilhões em recursos assegurados  em diferentes políticas; existem iniciativas já em andamento e forte engajamento dos atores do poder público e da iniciativa privada. Mas o cenário está longe de ser positivo.

"A primeira coisa que eu gostaria de dizer é que não há dinheiro. No âmbito das secretarias estaduais e municipais, não há dinheiro. O que há é um PIEC, é um Banda Larga nas Escolas. Mas não há dinheiro", alerta Julia Sant'Anna, diretora-presidente do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira, entidade sem fins lucrativos que busca fomentar práticas inovadoras em escolas e na gestão pública de educação) e ex-secretária de educação de Minas Gerais. Ela faz o alerta sobre as muitas carências enfrentadas pelos gestores escolares, pelas secretarias de educação municipais e estaduais e pela imensa lista de (outras) prioridades colocadas na gestão escolar no Brasil, e para a dependência de programas pontuais que até trazem recursos, mas não conseguem resolver os desafios da conectividade em todas as dimensões. "Muitas escolas não têm sequer o diário de classe digitalizado, informatizado. A gestão de professores não é informatizada, e por isso uma simples substituição pode levar semanas e prejudicar todo o processo. As escolas têm dificuldade de fazer a busca ativa de alunos para evitar a evasão porque não têm como entrar em contato. O problema é muito mais embaixo", diz a executiva.

Ela aponta ainda os desafios de capacitar educadores e alunos para o ambiente digital, e as carências de estrutura de muitas escolas. "Qualquer solução de educação conectada precisa pensar no conjunto desses problemas", diz. O CIAB faz esse acompanhamento de perto por meio do Guia Edutec, que ajuda gestores escolares a fazerem um raio-X da realidade de cada escola. "Os nossos projetos não podem ser apenas um conjunto de pilotos. É preciso escalar para milhões de alunos e professores", diz a educadora, dando a dimensão do problema enfrentado tanto quando foi secretária como agora, no trabalho de auxílio à gestão escolar.

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Capex, opex e parcerias

Para Marcos Bitelli, presidente da Fundação Visconde de Porto Seguro, não existe nenhuma política que não passe pela equação Capex, Opex e parcerias. Os colégios Porto Seguro, explica, foram referência no início da pandemia com a rápida digitalização do processo pedagógico e dos alunos, aproveitando iniciativas e plataformas que já vinham sendo utilizadas e escalando, inclusive para os projetos sociais desenvolvidos na favela de Paraisópolis, em São Paulo. "Mas existe sempre um custo. Os equipamentos ficam obsoletos, precisam ser trocados. Tem um custo de operação, de formação de professores, de material. Precisa desenvolver material pedagógico", explica ele. Uma das iniciativas do Colégio Porto Seguro foi subsidiar, por meio de um aplicativo zero-rating em parceria com a Claro, o acesso a dados por parte dos alunos sem condições financeiras. "A gente manteve isso até hoje, entrou no custo". Outro aprendizado, já no pós pandemia,  foi o de que a ideia de um computador por estudante pode não fazer sentido. "É muito mais eficiente ter carrinhos  com os computadores que vão ser utilizados na sala e compartilhados pela Escola a depender da necessidade". 

Para Bitelli, projetos como esses, principalmente por parte das operadoras, poderiam ser viabilizados por meio de uso direto dos recursos de tributos recolhidos, como Fust ou ICMS.

Letramento e capacitação digital

Lia Glaz, da Fundação Telefônica Vivo, diz que o foco da fundação passou a ser integralmente dedicado à questão da educação conectada e, nesse universo, com especial atenção na questão do letramento digital. "A gente constatou que havia iniciativas importantes e já em curso relacionadas à infraestrutura de conexão em escolas, outras voltadas em gestão escolar, mas pouca atenção ao fato de educadores e alunos precisam ser capacitados para o ambiente digital", disse a executiva. "Essa falta de fluência digital é um problema quando a política de conectividade chega, porque cria uma resistência ao uso das ferramentas, dificulta o exercício da cidadania digital, limita os recursos pedagógicos", diz Glaz.

A ênfase em capacitação é a mesma que tem sido dada pela Huawei. A fabricante, contudo, chama a atenção para a falta de formação de talentos nas áreas de tecnologia, e acredita que processos de educação conectada desde cedo podem ajudar a corrigir essa deficiência no Brasil. "Entendemos que há uma necessidade urgente de formação de profissionais para as áreas de tecnologia, com familiaridade com o ambiente digital, mas isso precisa começar na escola, desde cedo, com acesso às ferramentas tecnológicas", diz Bruno Zitnick, diretor de relações institucionais da empresa. 

Fust como alavanca

Tomas Fuchs, presidente da Datora e da Fundação Escola Conectada, que começou a funcionar há um ano e hoje, com cerca de nove provedores parceiros, já leva conexão a 159 escolas e 68 mil alunos (com previsão de chegar em breve a 458 escolas), algumas lições foram aprendidas. A primeira, diz, é que nem sempre a fibra é suficiente, e soluções de satélite e FWA podem ser necessárias e importantes. Outra lição é que cada cidade é uma realidade. "O importante é que se comece logo, a conexão precisa chegar para as coisas acontecerem, não pode esperar tudo se resolver", diz ele. Para Fuchs, é importante que o governo veja nos atores privados um potencial de parceria e que os recursos do Fust possam ser utilizados.

A Qualcomm também defende o uso de todas as tecnologias de acesso, e lembra que o universo de dispositivos que precisarão de conectividade vai além do smartphone. "A gente quer que tenha muita gente com smartphone, mas também sabemos que existe a necessidade de PCs conectados (que a Qualcomm batizou de ACPC – All Connected PCs) e dispositivos de realidade aumentada e virtual", diz Francisco Soares, VP de relações institucionais e políticas públicas da Qualcomm. "Mas a gente sabe que existem muitos problemas, que só o PC conectado não resolve tudo. Por isso, é necessário um desenvolvimento da conectividade que venha com um processo pedagógico atrelado". A Qualcomm deve lançar em maio uma iniciativa piloto já em desenvolvimento com o Instituto Crescer, em Goiânia, para conexão de alunos via lap-tops 4G. "Estamos convidando o governo para acompanhar esse projeto e compartilhar o conhecimento acumulado", diz Francisco Soares. Ele lembra que projetos semelhantes estão sendo estimulados pela Qualcomm no mundo inteiro.

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