(Atualizada às 19:52) Caso a negociação de fato aconteça e seja concluída, o fatiamento da Oi Móvel para a TIM e a Vivo ainda teria que receber aprovação dos órgãos competentes: Anatel e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A redução de players no mercado, enquanto defendida pelas empresas para permitir a sustentabilidade do negócio, traz preocupações concorrenciais e poderia resultar em remédios relevantes. Outro obstáculo é que, enquanto a situação econômica dos grupos interessados tem se deteriorado, a própria Oi se encontra agora em uma situação mais confortável. A complexidade e as variáveis do negócio podem significar que há ainda um longo caminho pela frente, segundo fontes ouvidas por este noticiário.
A venda da Oi, segundo estimado pelo banco BTG Pactual em janeiro, ficaria entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões. A faixa de valor é maior do que a apontada por relatório do Bradesco BBI publicado nesta quarta-feira, 11, segundo o site Tele.Síntese: R$ 12 bilhões a R$ 15 bilhões. Acontece que a Oi ainda contava em setembro de 2019 com uma dívida líquida de R$ 14,713 bilhões, com potencial para crescimento devido à participação de mais da metade (52,7%) da dívida bruta em moeda estrangeira. Entretanto, segundo uma fonte próxima ao assunto ouvida por este noticiário, seriam quantias improváveis, ainda mais levando em consideração que TIM e Vivo poderiam se tornar clientes da própria Oi no atacado (utilizando o backbone).
A própria situação das controladoras europeias pode ser um entrave. A Telefónica ainda procura comprador para as operações na América Latina (fora o Brasil), e o desempenho da empresa no mercado europeu também passa por dificuldades. No caso da Telecom Italia, a empresa recentemente divulgou redução de receitas e encara um impacto ainda não calculado do coronavírus, que levou ao governo italiano a impor quarentena em todo o país. "Isso torna mais difícil fazer uma oferta realmente agressiva aqui", declarou o analista. Por outro lado, a desvalorização do real frente ao euro (que subiu 9,87% somente neste ano) é um incentivo para as empresas.
Também fica no ar a dúvida sobre a destinação do montante arrecadado. Se fosse para amortizar a dívida da Oi, o que isso significaria para credores que transformaram seus créditos a receber em participação? O potencial para gerar maior liquidez e permitir concentrar investimentos em fibra deverá ser levantado na assembleia de credores que será convocada pela Oi.
Há ainda a questão da sustentabilidade imediata: a receita do serviço móvel da Oi no terceiro trimestre de 2019 era de R$ 1,763 bilhão, o que corresponde a 35,6% do total de receitas da empresa. Os custos operacionais de rotina da companhia inteira totalizaram R$ 4,022 bilhões no período, mas no balanço financeiro não há indicação de quanto a empresa deixaria de gastar com a venda da unidade móvel. "Os custos iriam cair na mesma proporção [da receita]?", indaga. A operadora ainda tinha cobertura 2G em 3.453 municípios, enquanto o 3G chegava a 1.645 municípios, e o 4G, 936 municípios.
Situação confortável
Outro prisma é de que a própria Oi está conseguindo se reerguer, especialmente após a venda de ativos. Um exemplo foi o desinvestimento da participação na Unitel, ainda que neste último caso, o valor de recebimento de dividendos na angolana também tenha sido alienado. A companhia deve apresentar o balanço financeiro do consolidado de 2019 no final do mês, mas já é possível perceber que o controle de custos e melhoria operacional tem provocado uma redução na geração negativa de caixa. E, embora a acionista Pharol considere que o retorno sobre o investimento em fibra seja lento, é uma estratégia de médio prazo já prevista no plano estratégico da companhia. Até mesmo a mudança de gestão, com a oficialização de Rodrigo Abreu como diretor presidente, poderia ser indicativo de soerguimento.
O relatório do banco BTG Pactual já indicava que a administração da Oi estaria com "conforto necessário para negociar adequadamente a venda da divisão móvel". Segundo outra projeção do banco, sem a unidade móvel, a empresa teria receitas anuais de R$ 12 bilhões e EBITDA de cerca de R$ 3 bilhões. O Capex seria de R$ 5 bilhões já neste ano, o que levaria o gargalo do fluxo de caixa livre a cerca de R$ 2 bilhões em 2020 e R$ 1,6 bilhão em 2021. A opinião dos analistas do banco é que a injeção de R$ 15 bilhões com a venda da móvel deixaria a Oi com uma alavancagem "muito baixa".
De fato, apesar de continuar em recuperação judicial, a Oi está em uma situação mais tranquila. Tanto que, há pouco mais de um mês, a Anatel aprovou a retirada do sinal de alerta e o acompanhamento a situação econômico-financeira, considerando já a venda da Unitel e a captação de recursos no final de 2019.
A intenção de fusão causou um impacto mais positivo na Oi do que nas concorrentes nesta quarta-feira, 11. Após o fechamento do mercado, as ações da Oi apresentaram alta de 4,49% (OIBR3) e 7,38% (OIBR4), enquanto as da TIM avançaram 0,52%; e as da Vivo, caíram 1,04% (VIVT4) e 1,89% (VIVT3).
Espectro e remédios
É difícil imaginar que os aspectos concorrências não seriam levados em consideração para a aprovação de uma eventual proposta de consolidação sem remédios, especialmente no 4G. Contudo, se a base for afetada, também o será o espectro disponível para cada empresa. Como analisado aqui, a faixa de 1.800 MHz seria mais complementar para a Vivo, enquanto a TIM teria maior capacidade na faixa de 2,5 GHz. A menos que a partilha considere apenas o espectro que tenha maior atratividade (como o fator da maior penetração indoor e cobertura do 1.800 MHz), independente do quanto cada uma tenha atualmente.
Outra questão, apontada por fonte do mercado ouvida por este noticiário: o acordo de compartilhamento de espectro e de single grid entre TIM e Vivo poderia pesar na análise do Cade. Com a junção de capacidade espectral e base advinda da Oi, a estratégia do memorando de entendimento (MoU) ficaria sob nova perspectiva. Lembrando que, embora ambas as operadoras já tenham acertado termos preliminares do MoU, a operação ainda não foi aprovada pela Anatel ou pelo órgão concorrencial. Fontes da Anatel, contudo, não enxergam nexo causal entre as duas coisas, uma vez que o acordo de compartilhamento é muito mais focado em redes 2G em municípios específico, sem viés de atuação conjunta com impactos concorrenciais de repercussão geral. A agência ainda está estudando o caso, mas até aqui não viu como esta questão poderia afetar uma análise de uma eventual compra da Oi móvel.
Com essa operação de otimização de rede e melhoria da eficiência espectral, além dos possíveis ganhos com a incorporação das frequências da Oi (especialmente nas faixas de 1.800 MHz e 2,5 GHz), TIM e Vivo ficariam com uma vantagem competitiva significativa contra a Claro, mesmo com a incorporação da Nextel. O MoU poderia ser totalmente reprovado diante da nova situação, ou poderia haver anuência, desde que com exigência de abertura do compartilhamento também para a própria Claro? A Anatel poderia determinar que a implantação do 5G já seguisse tal modelo de RAN sharing para permitir maior eficiência espectral? São questões que ainda precisariam ficar claras para todas as partes.
Outros casos
No Brasil, o caso mais recente de análise concorrencial de fusão em telecom é justamente o da incorporação da Nextel pela Claro. A anuência foi concedida pela Anatel e pelo Cade, mas, depois de contestada pela TIM, passou de novo pela superintendência do conselho, que pediu explicações à agência. A Anatel seguiu o parecer da Superintendência de Competição, que apontou que haveria extrapolação do limite de espectro em algumas localidades. O remédio foi que a Claro se comprometesse a devolver a parcela de frequências na faixa de 850 MHz em 2 meses. Especificamente para Jundiaí, a operadora devolveria o direito de uso de frequência acima de 1 GHz. Outra medida foi adequar a sobreposição de outorgas.
Naturalmente, um levantamento semelhante será feito no caso da operação de compra da Oi. A diferença é a complexidade: enquanto a Nextel contava basicamente com espectro nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a Oi tem operação com cobertura nacional, com frequências legadas e atuais, e que em muitos casos se sobrepõem à cobertura das concorrentes TIM e Vivo. Caso a Anatel proponha a devolução desse ativo justamente em regiões com maior atratividade econômica, a geração de valor com a aquisição poderá ser reduzida, no entendimento dos observadores.
Um caso recente internacional de aplicação de remédios foi o da aprovação em novembro do ano passado da fusão da T-Mobile com a Sprint. A reguladora norte-americana Federal Communications Commission (FCC) exigiu, entre outras coisas como compromissos de cobertura 5G (incluindo metas de velocidade específicas), a venda da marca de celular pré-pago Boost Mobile, da Sprint; enquanto a T-Mobile deveria se desfazer da participação na companhia de TV por assinatura via DTH, a Dish Network, que também já havia manifestado interesse em entrar na operação móvel em 5G.
A ideia da FCC seria de que essas operações acabassem por se unir para formar, elas próprias, uma nova operadora. Ou seja: nos EUA a comissão acreditou que impor metas de cobertura não agnósticas iria acelerar a universalização da banda larga naquele país, e concluiu que a transação, "com as condições, não seriam danosas à competição". "Especificamente, a comissão acredita que a transação vai melhorar a competição na América rural e entre consumidores conscientes de qualidade ao fortalecer a competição nos mercados de banda larga residencial e corporativa". A parcela Democrata da FCC, representada pela conselheira Jessica Rosenworcel, discordou da avaliação e afirmou que o órgão estaria liberando a concentração de mercado em detrimento do consumidor. (Colaborou Samuel Possebon)