Extinção de fundos setoriais não isenta operadoras de contribuições compulsórias

O relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187/2019, que prevê a extinção de todos os fundos públicos setoriais caso eles não sejam ratificados por meio de lei complementar em até dois anos após a sua promulgação, aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado no último dia 4 de março, mantém todas as cobranças setoriais que atualmente alimentam estes fundos. Ou seja: taxas e contribuições que atualmente as operadoras pagam para alimentar o Fistel (TFF e TFI), a CFRP e a Condecine-Teles, por exemplo, continuarão a ser pagas. E existe uma grande possibilidade de mesmo o Fust, que é um fundo definido por lei (Lei 9.998/2000) mas que se caracteriza como uma contribuição com propósito específico, continuar sendo pago, caso o arrecadador entenda que ele tem a característica de uma CIDE (Contribuição sobre Domínio Econômico). O texto, elaborado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) e agora seguirá para o plenário do Senado, não é claro sobre estes casos, mas especialistas ouvidos por este noticiário acreditam que a cobrança continuaria mesmo no caso do Fust.

CIDE vs. FUST

Os valores pagos pelas operadoras ao Fust poderiam permanecer porque o relatório do senador Otto Alencar, aprovado na CCJ, tem um artigo 6º que diz que "os recursos provenientes de contribuições estabelecidas com amparo nos arts. 149, 149-A e 195 da Constituição deverão ser destinados às finalidades para as quais foram instituídos." Estes artigos da Constituição citados por Otto remetem às Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). São tributos de natureza extrafiscal e com arrecadação vinculada. Uma das características dessa contribuição, conforme prevê o texto constitucional, é a cobrança com a incidência sobre o faturamento de determinada empresa. A Resolução 247/2000 da Anatel, que regulamenta o recolhimento do Fust, trata o fundo como uma contribuição.

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O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), segundo a própria Anatel no Informe nº 27/2019/PRRE/SPR (Processo nº 53500.206942/2015-10), é uma contribuição de intervenção no domínio econômico, sendo chamada no documento de CIDE-FUST. E como o Fust possui como uma das fontes a cobrança sobre o 1% do faturamento das empresas de telecomunicações, fica claro no relatório aprovado na CCJ que as operadoras continuariam a recolher esta contribuição, mas agora não alimentando um fundo setorial específico.

Apesar do artigo 6º do relatório do senador Otto Alencar criar a amarra de que os recursos originados por CIDEs sejam usados para a determinada finalidade para a qual as contribuições foram criadas, caso a PEC seja aprovada em definitivo com quórum qualificado nas duas casas, a governança dos recursos fica comprometida. Isso porque os fundos definem uma série de políticas setoriais, previstas em leis específicas, como as previstas na lei do Fust. Mas agora, sem a destinação especifica prevista em lei, estes valores arrecadados até podem ser usados para uma política setorial, mas não se sabe em qual e muito menos como será a distribuição dos valores. Assim, uma determina agenda de Estado, como a universalização ou massificação de determinado serviço prevista na legislação instituidora do Fundo, fica a mercê da agenda do governo já que o Fundo que define a política setorial não existe mais. De outro lado, a legislação atual é considerada restritiva por exigir a aplicação do fundo a obrigações e universalização, que só existem em serviços públicos, ou seja, telefonia fixa.

Fistel

O mesmo raciocínio vale para o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), que é um fundo que se destina a custear as despesas realizadas pelo Governo Federal no exercício da fiscalização das telecomunicações. São duas as taxas de fiscalização que compõem o Fistel: a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF).

O Fistel incide sobre o número de estações de telecomunicações instaladas e em funcionamento e é calculado de acordo com a Tabela anexa à Lei Geral de Telecomunicações. Recurso derivados do Fistel alimentam a Condecine-Teles, que alimenta o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), a Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e são usados na manutenção das atividades da Anatel. Com o fim do FSA, por exemplo, os recursos da Condecine destinados ao fundo agora ficam no Tesouro Nacional, e seu uso vai depender, como no caso do Fust, de uma agenda de governo. As taxas continuarão a ser pagas, mas agora, sem uma clareza para qual fim.

Na avaliação de Leonardo Edde, presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual (SICAV), algo ainda mais danoso pode acontecer. "Caso os recursos provenientes de CIDEs, mesmo que carimbados conforme prevê o relatório aprovado na CCJ, não sejam usados naquele ano fiscal, tudo que foi arrecadado fica para o Tesouro. Assim contribuições como o Condecine, que é uma CIDE, perde sua finalidade específica e os recursos ficam livres para qualquer coisa, como para pagamentos da dívida, por exemplo, e não para fomento do audiovisual".

Edde disse que os produtores do audiovisual estão em peregrinação pelos corredores do Senado para garantir emendas de plenário que preservem o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Até o momento, existem três emendas prontas e assinadas sobre o tema.

Incoerência

Para Luiz Peroba, advogado especializado em direito tributário das telecomunicações e sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados, o relatório de Otto Alencar aprovado na CCJ é incoerente, pois mantém as CIDEs que possuem destinação a programas e projetos específicos financiados por fundos que futuramente serão extintos. "Esse tipo de contribuição tem como requisito a existência de vinculação específica para atendimento a determinada finalidade por parte do agente estatal. Sem a ratificação da lei instituidora do fundo, nos termos da PEC, essa norma perde sua validade e, portanto, inexistiria o amparo legal necessário para se manter qualquer exigência fiscal", argumenta Peroba.

O advogado aina pondera que "com a ausência de previsão legal sobre a destinação taxas e contribuições criadas com finalidade específica, as CIDEs mantidas no relatório acabam caracterizando um verdadeiro 'imposto', o que deveria ser instituído por Lei complementar".

Na conversa, o advogado disse que existe uma possibilidade concreta de judicialização da cobrança pelos setores contribuintes, caso fundos como Fust e FSA não sejam ratificados por Lei Complementar.

O que vai a plenário

O substitutivo aprovado, fruto do acordo, na CCJ no último dia 4 de março, aceitou preservar os fundos de Segurança Pública, o Penitenciário, o Antidrogas, o Funcafé e o Fundo de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT). Antes disso, Otto Alencar já havia resguardado outros fundos criados por lei, mas que têm obrigações constitucionais, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), destinado ao custeio do seguro-desemprego e do abono salarial. O senador incluiu também no relatório a capacidade do Legislativo, e não apenas do Executivo, de propor lei complementar para ratificar os fundos após a aprovação da PEC.

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