Esperando regulamentação, Anatel fará consulta pública sobre neutralidade de rede

Já com status de Lei 2.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI) ainda tem pendente a regulamentação via decreto presidencial das exceções à neutralidade de rede, ponto sensível do texto. A presidenta Dilma Rousseff deverá ouvir o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e a Anatel, mas, como destaca o conselheiro Marcelo Bechara, isso não significa acatar as entidades. Ainda assim, segundo ele afirmou nesta quarta, 10, durante painel no Seminário ABDTIC 2014, a agência deverá abrir o tema para debate em uma consulta pública – o prazo não foi divulgado.

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Essa consulta deverá procurar maior definição para a neutralidade porque, segundo Bechara, o tema é tratado de forma conflitante no MCI, sobretudo no tocante ao tratamento de pacotes no art. 9º do texto. "Eu acho que o artigo é mal feito e coloca o conceito de isonomia duas ou três vezes com significados distintos", declara. "O que o artigo traz de importante não é a neutralidade, mas a quebra." Ele acredita que a visão mais clara sobre neutralidade só acontecerá a partir da regulamentação, mas que o conceito "nada mais é do que a ponte entre direito de acesso e o direito à informação".

O conselheiro também diz que, em seu entendimento da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), plataformas over-the-top (OTT) são serviços de valor adicionado (SVA) e, por isso, a Anatel regula essa camada no que diz respeito ao acesso às redes. "OTT para mim é SVA, não tenho dúvida nenhuma", afirma. Na visão dele, o Marco Civil trata de neutralidade de rede apenas com operadoras de telecomunicações, no direito à rede de acesso. "Sendo OTTs um SVA, isso está vinculado ao uso das redes de serviço de telecom, cabendo à agência regular os condicionamentos e a relação entre as duas", define. "Mas relação OTT com OTT não é com a gente", pontua.

Por isso, acordos de troca de tráfego, que ele sugere que poderiam ser efetuados utilizando o sistema de negociação de ofertas no atacado (SNOA) de forma não-obrigatória, não seriam danosos à neutralidade. "O SNOA poderia ser efetivamente o modelo a ser implantado para garantir isonomia do direito de acesso das OTTs às operadoras de telecom", explica. "Se estão dando acesso privilegiado a concorrente em relação à minha empresa, acho que é obrigação da Anatel, com a câmara de resolução de conflitos, fazer a mediação." Ele reconhece que a plataforma ainda tem problemas, mas que está sendo alterada no Plano Geral de Metas e Competição (PGMC) para ser aperfeiçoada. "Mais cedo ou mais tarde, ficará estável como a portabilidade."

Móvel

Mesmo tendo essa opinião, Marcelo Bechara considera que o acesso gratuito (zero rate) promovido pelas operadoras em parceria com provedores OTT, como Facebook, Twitter e WhatsApp, não fere a neutralidade. "Se o tráfego que eu estiver acessando (a aplicação) não tiver nenhum tipo de priorização e que não faça agressão ao MCI, não tem problema. O que está fazendo é não cobrar essa capacidade dos 5 GB (de franquia), não computa. Indiretamente influencia? Não é a minha posição, acho que é livre mercado, livre negócio".

Bechara destaca que a iniciativa de promover o acesso gratuito, mesmo que limitado ao serviço escolhido pelo acordo com as operadoras, pode ajudar a promover a banda larga móvel em meio à dominância de acessos pré-pagos do mercado brasileiro. E ainda critica: "No caso da Internet, não tem nenhum excluído digital defendendo a discussão, é todo mundo amplamente conectado e heavy user. Temos que ouvir quem não está conectado"

Para o presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, o ideal seria separar a neutralidade das redes fixas e móveis. "São bichos diferentes, e no Marco Civil isso acabou não acontecendo", diz. Ele concorda com Bechara na questão da regulamentação de exceções, mas discorda na promoção de acesso gratuito como universalização. "Claro, (ter grande penetração dessa forma) é conexão, mas o ideal é ter fibra, eu não consigo usar um celular para a Internet de forma plena, então tem vários aspectos da questão", destaca.

Atraso na regulamentação

O diretor regulatório da Net Serviços, Gilberto Sotto Mayor, defende a neutralidade como conceito, mas destaca que acordo de interconexão "é outra coisa, é uso de rede de terceiros e sempre existiu". Ele explica que não tem resposta ainda para o problema de haver contratos entre provedores mais abastados, como o Google, impedindo o potencial competitivo de players menores. "Não tenho resposta ainda, não sei dizer a priori, mas não sei se deveria se escrever em decreto e falar que (acordo de peering) é proibido", diz.

Sotto Mayor sugere que no processo de regulamentação haja participação "de quem banca a infraestrutura", e não apenas da Anatel e do CGI.br com a presidenta Dilma. "Tem que ser um processo que envolva todo mundo, e eu falo envolver de verdade. E quem estiver envolvido, que se façam essa pergunta ao final o dia: com essa regra, se o dinheiro fosse meu, eu investiria para colocar banda larga no Piauí? Se a resposta for não, não está correto", declara. Ele também critica duramente a ideia de que se crie uma terceira entidade para regular a Internet, porque isso só faria aumentar o custo regulatório, e diz que uma regulamentação que seja cheia de imposições sobre o que é proibido fazer também seria prejudicial.

Demi Getschko acredita que, mesmo com o atraso na regulamentação, o Marco Civil já é aplicável. "O grosso da lei continua valendo, diz que a neutralidade de rede está valendo", afirma. Mas lembra que ainda há insegurança com a falta de definição para as exceções. "Se alguém for acusado de não ter tido neutralidade ao se defender de um ataque de negação de serviço, aí sim ele estará desprotegido", reconhece.

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