Os críticos clássicos da economia política já diziam no século XIX que as crises cíclicas do capitalismo não são o problema, mas a maneira pela qual o sistema capitalista resolve os problemas causados pelas suas contradições e conflitos internos. Trocando em miúdos, com todas as conseqüências perversas dos processos recessivos, a crise é a maneira que o capitalismo encontra para transformar um limão numa limonada. É o momento em que se fazem os ajustes, às vezes com conseqüências sociais e políticas dramáticas, para um novo período de crescimento e prosperidade.
É óbvio que os instrumentos de regulação e controle da economia mudaram muito ao longo de quase dois séculos. Não são mais toscos. Tornaram-se sofisticados e mais eficientes com o desenvolvimento dos recursos da tecnologia da informação e das telecomunicações. O tamanho do tombo pode até ser maior do que no passado, mas em compensação a velocidade da recuperação pode ser bem mais rápida. É improvável que venhamos a repetir em nossos dias a história da Grande Depressão dos anos 30. Será, sem dúvida, bem diferente.
No que se refere ao Brasil, entramos nessa crise mundial de maneira bem diferente das anteriores. O setor público e especialmente o setor privado evidenciam uma saúde financeira bastante melhor do que em ocasiões anteriores. Basta ver os balanços de terceiro trimestre das empresas abertas brasileiras que estão saindo nos últimos dias. Tirando os poucos aventureiros que jogaram na roleta cambial, apostando na desvalorização permanente do dólar, as demais empresas vêm mostrando desempenho muito bom. É claro que todos nós sofreremos com as restrições internacionais de crédito e a retração da economia mundial. Mas nessa crise, definitivamente, não entramos quebrados como muitos outros pelo mundo afora.
No caso específico das telecomunicações, há duas constatações a serem feitas: uma boa e outra ruim. A boa, segundo a análise setorial sempre competente do Banco Fator, permite uma avaliação positiva para o setor em função da forte geração de caixa das empresas de telefonia e sua relativa previsibilidade de resultados que as tornam menos vulneráveis às turbulências da crise internacional. Mesmo o setor de TV por assinatura que em crises como as do México e da Rússia ficou com as pernas quebradas, agora consegue continuar caminhando. A oferta do triple play difere da mera venda da TV por assinatura que em ocasiões anteriores entrou na lista dos supérfluos da despesa doméstica a serem cortados em momentos de dificuldades econômicas das famílias. O uso de banda larga e dos pacotes de TV não deverão mais ser dispensados.
Ainda do lado positivo, segundo o Banco Fator, apesar dos altos investimentos que o setor de telecomunicações precisará realizar no curto prazo para expansão e melhoria nas redes de terceira geração da telefonia móvel e nas de banda larga para alcançar maiores velocidades, a quase totalidade das operadoras (exceto talvez a GVT) está protegida da escassez de crédito. Além da posição de caixa confortável, as empresas conseguiram até há pouco captar recursos para complementar suas estratégias de desenvolvimento, por exemplo, com linhas de crédito pré-aprovadas do BNDES. Da mesma forma, a variação cambial (passado o período de volatilidade) deve afetar moderadamente as empresas, que possuem quase todas baixa exposição cambial de endividamento. Os investimentos, sem dúvida, podem ficar um pouco mais caros, já que se estima entre 30% a 40% a parcela atrelada a moeda estrangeira.
A constatação negativa que nos permitimos fazer mais uma vez é a insistência manifestada até aqui em se levar adiante o projeto de aquisição da Brasil Telecom pela Oi. Depois do crash das bolsas, da brutal crise de crédito internacional e da convulsão nos principais poderes da República (inclusive no chamado quarto poder, a imprensa) deflagrados no pós-Satiagraha, pode-se dizer que esta não é a melhor hora para se criar a BrOi.
A primeira ameaça é comprometer a boa situação financeira e de caixa da Oi em benefício apenas da conveniência dos acionistas controladores. Os ganhos de escala, competitividade e possibilidades de expansão que serviram de argumentos até aqui já eram discutíveis, ainda mais agora, diante de um novo quadro econômico. Será necessário justificar à sociedade, aos acionistas da Oi e aos pensionistas dos fundos de pensão porque pagar US$ 1 bilhão a Dantas e um tanto ainda maior ao Citibank em troca de uma fusão desenhada em tempos de bonança. Forçar a criação da BrOi em um momento desses, repetindo um monte de argumentos pré-crise, que mesmo naquela época careciam de fundamentação técnica, é jogar suspeitas sobre a lisura das intenções.
Seria melhor aproveitar com inteligência a situação atual, fazer os ajustes econômicos e regulatórios necessários às telecomunicações brasileiras e, por fim, transformar este limão azedo da crise numa boa e saudável limonada, sem casuísmos.