Um movimento importante começa a surgir em diversas prefeituras brasileiras com grande potencial de afetar as redes de telecomunicações e a ocupação dos postes: iniciativas de limpeza dos postes lideradas pelas autoridades municipais, que delegam a empresas terceirizadas a retirada de cabos e equipamentos considerados abandonados.
O problema é que não existem regras para esses procedimentos, falta acompanhamento técnico tanto das empresas de energia quanto das empresas de telecomunicações, e não há nenhum controle com o que é feito com o material retirado, com risco inclusive de que ele seja recolocado no mercado.
Segundo apurou TELETIME, já há pelo menos 13 municípios, incluindo capitais de Estado como Porto Alegre e Goiânia, em que foram identificados editais de parcerias das prefeituras, ou sobre os quais se tem notícia de atuação das próprias equipes municipais para retirada dos cabos e equipamentos.
Em alguns casos, os projetos são articulados em convênio com os Ministérios Públicos estaduais, e são executados com acompanhamento das empresas de energia, que pela regulamentação atual de fato devem fazer a limpeza dos postes. Mas há casos em que as empresas contratadas fazem o serviço sem nenhum tipo de supervisão e nem são empresas especializadas para este tipo de serviço.
O modelo de Porto Alegre
O caso mais emblemático é o de Porto Alegre. A capital do Rio Grande do Sul já vinha discutindo com a concessionária de energia e com o Ministério Público do Rio Grande do Sul como resolver o problema do acúmulo de redes de telecomunicações e energia nos postes, com a remoção de 50 toneladas de equipamentos em mais de 80 km de vias públicas.
Com as enchentes de maio, o problema se agravou com o rompimento de fiação, acúmulo de lixo e atuação de vândalos e ladrões de fios. Em 26 de junho deste ano a prefeitura, por meio da Secretaria de Parcerias e da Secretaria de Serviços Urbanos, abriu um chamamento público para o credenciamento de interessadas para "serviços de remoção e o correto descarte e destinação de fios de telecomunicações em desuso nos postes de rede de distribuição de energia no Município de Porto Alegre".
Pouco depois, em julho, a mesma secretaria lançou um novo edital de chamamento, agora para para "seleção de empresa interessada na aquisição de fios de fibra de vidro/ótica, cabos de alumínio, arames, cordoalhas, fios FE, entre outros" .
Destaque-se que uma mesma empresa venceu os dois editais, segundo informou a Prefeitura de Porto Alegre em notas oficiais, como pode ser conferido aqui e aqui. Trata-se da empresa Flatnet Provedor de Acesso à Internet, um pequeno provedor da cidade de Tramandaí, na grande Porto Alegre, que em seu site informa ter uma rede de 40 km de fibra e 130 clientes. Ela foi a única proponente, segundo informa a prefeitura na ata de licitação.
Este noticiário questionou a Secretaria de Parcerias de Porto Alegre sobre os seguintes pontos, e assim que as respostas foram fornecidas, a matéria será atualizada:
- Como são definidos os postes e redes que devem ser removidos?
- Existe algum tipo de coordenação ou alinhamento com as empresas de energia ou telecom sobre os procedimentos de limpeza?
- Existe algum cuidado com relação a cortes acidentais de serviços?
- Houve algum tipo de qualificação demandada das empresas que se candidataram, com vistas à segurança dos trabalhadores e do procedimento de remoção dos postes?
- Qual o balanço até aqui do processo de limpeza?
Preocupações e riscos
Note-se, contudo, que Porto Alegre não está sozinha nessa estratégia. A maior parte dos casos levantados por este noticiário está de fato no Rio Grande do Sul, como nas cidades de Tramandaí, Palmares, Capão da Canoa, Osório, Imbé, Cidreira, Balneário, Pinhal e Xangri-lá. Mas há casos levantados ainda em Goiânia, Rio Verde (em Goiás) e Búzios (Rio de Janeiro).
Para Vivien Suruagy, presidente da Feninfra, federação responsável pelas empresas de instalação e manutenção de infraestrutura de telecomunicações, as iniciativas municipais de retirada das redes trazem muitas preocupações e riscos. "Esse é um problema muito relevante para o nosso setor. Existe um risco imenso em colocar mão-de-obra e empresas não qualificadas para subir nos postes para remover redes de telecomunicações. Não sabemos como as prefeituras estão orientando essas parcerias, quem está dizendo quais as redes que podem ser removidas, quem está cobrando experiência técnica e capacitação dos profissionais…", diz ela.
Segundo a Feninfra, o Brasil registra centenas de acidentes ao ano "por conta de empresas clandestinas que se aventuram a mexer nos fios de telecom e energia, para não falar na ação dos ladrões". Na visão de Vivien Suruagy, esse tema não pode ser tratado com base apenas no voluntarismo das prefeituras.
"Primeiramente, é essencial que a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] aprove a regulamentação conjunta que foi discutida com a Anatel e que está engavetada", diz ela. "É preciso uma coordenação, é preciso que a Aneel e a Anatel, que são as agências reguladoras nacionais, estabeleçam urgentemente as regras para o reordenamento dos postes, antes que cada prefeitura resolva fazer do seu jeito, colocando trabalhadores, usuários e serviços de telecomunicações e de energia em grande risco", diz a dirigente.
Sucata com dono
Outro problema apontado por especialistas é o fato de que parte do material removido e posteriormente alienado pelas prefeituras tem dono. E em alguns casos, o dono pode inclusive ser uma concessionária de telecomunicações, o que torna aquele ativo parte do acervo de bens reversíveis, que só podem ser vendidos com a anuência prévia da Anatel.
Além disso, há grande preocupação com os riscos de desligamento de redes que estejam em funcionamento e operação regular, já que a remoção dos cabos pode estar sendo feita por equipes sem nenhum conhecimento técnico e sem coordenação com as operadoras locais.
E há ainda o problema do descarte, já que boa parte desse material retirado pode ir parar no lixo de forma inadequada – ou, pior, pode retornar para redes de telecomunicações sem que haja garantia de qualidade e procedência.
Fontes da Anatel ouvidas por este noticiário reconhecem que existe um problema e que o tema é acompanhado pela Anatel, mas sem interferência direta. Lembram que existe uma forte pressão do Ministério Público para a regularização urgente da situação caótica dos postes em algumas cidades, e que o caminho para uma solução definitiva passa pela regulamentação conjunta que estava sendo discutida com a Aneel.
Mas segundo estes interlocutores, não deixa de ser esperado que as prefeituras, no desespero para verem os postes de suas cidades organizados, até por pressão da população, acabem adotando modelos alternativos (e problemáticos), como a contratação de empresas diretamente, como foi feito em Porto Alegre.