PERT: um alerta sobre a urgência de novas políticas públicas

A Anatel abriu para consulta pública nesta terça, dia 10, o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT, cuja íntegra está disponível aqui). Trata-se de um documento previsto pela Lei Geral de Telecomunicações e que incrivelmente não havia sido sistematizado e consolidado ao longo de mais de duas décadas. É um levantamento fundamental para a elaboração de qualquer política pública setorial. O relatório colocado em consulta pela Anatel já está defasado, pois os dados vão até 2016. Em alguns casos, a evolução do mercado foi positiva, como a ampliação da cobertura 4G para além das obrigações ou a expansão das rede de fibra em pequenos e médios municípios por ISPs. Mas mesmo defasado, o PERT permite uma visão bastante clara das muitas deficiências de infraestrutura de telecomunicações que há no país. O mapeamento da Anatel tem baixa granularidade dos dados, mas isso não prejudica a fotografia: deficiências no atendimento dos municípios com fibra, distritos em que ainda não existe nem mesmo redes 3G, baixa velocidade média de conexão em milhares de localidades, baixa densidade dos acessos por fibra mesmo nos municípios atendidos, demanda reprimida para o mercado de banda larga…

Como mapeamento e diagnóstico dos problemas, é um documento extremamente relevante. Mas o relatório colocado em consulta pública é comedido na hora de apontar as causas de tais deficiências: necessidade de mais investimentos, entraves regulatórios, carga tributária desproporcional e, sobretudo, um direcionamento estratégico que coordene ações da iniciativa privada e do setor público no sentido de corrigir as lacunas no atendimento dos serviços de telecomunicações, o que pode ser traduzido em uma ausência de políticas públicas adequadas. Isso tudo aparece no PERT, mas sem ênfase.

Sabe-se que no Brasil a pergunta "quem vai pagar a conta" sempre se coloca como entrave para qualquer coisa. Na área de infraestrutura de telecom, não é diferente.

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A Anatel, no PERT, não se arrisca a dizer quanto haveria de recursos disponíveis para atender às deficiências que ela aponta, nem quanto custaria para suprir estas lacunas. Há apenas a indicação das possíveis fontes: Fust (que a própria agência qualifica como "inviável" na legislação atual); TACs (que a agência diz que "infelizmente" não foram celebrados); mudança do modelo (também pendente de alteração legal); venda ou renovação de radiofrequências (aqui a Anatel vê a exigência de cobertura como alternativa a um modelo mais arrecadatório); ou desonerações tributárias (que dependem de políticas específicas).

Abaixo, algumas das conclusões do PERT que merecem destaque:

– Os serviços de telecomunicações são indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social da população e carecem de infraestrutura em 2.345 municípios que ainda não tem fibra ótica no backhaul, somando 14% da população.

– Mais de 2.000 distritos não sedes ainda não são atendidos com SMP com 3G (ou superior) e cerca de 3.600 sedes municipais com população abaixo de 30 mil habitantes ainda estão sem previsão de atendimento com a rede 4G (ou superior).

– Carência de infraestrutura de rede de acesso de alta velocidade em 2.221 municípios que já contam com backhaul de fibra ótica, porém têm baixa velocidade média dos acessos ativos quando comparados com os demais municípios.

– Cerca de 6,5 milhões de domicílios em 1.032 municípios atendidos com backhaul de fibra ótica e menos de 10% de densidade, sinalizando dificuldade da população pela contratação do serviço.

– Mercado potencial de banda larga fixa de aproximadamente 4,5 milhões de domicílios, reprimido por falta de infraestrutura adequada.

– As fontes de financiamento, até o presente momento, para endereçar os projetos são: revisão do modelo de concessão do STFC, TACs, editais de licitação de venda e renovação de radiofrequência, desonerações tributárias e revisão do FUST.

Estas são apenas as deficiências de infraestrutura. Mas sabe-se que há outros problemas, como a crescente discrepância de qualidade de serviços entre os grandes e médios municípios e as pequenas localidades, a exclusão de quase um terço da população do acesso banda larga, composição final do preço dos serviços que inviabiliza a contratação plena dos serviços, baixo índice de utilização de tecnologias de informação na economia em geral e nos serviços públicos entre outros aspectos que a Anatel não aborda nesse documento.

Fato é que, de concreto, a agência apresentou um bom diagnóstico, mas fica a sensação de que a Anatel, na sua atribuição legal de "propor o estabelecimento e alteração das políticas governamentais de telecomunicações", poderia ter sido mais categórica e enfática sobre a gravidade das deficiências e da insustentabilidade do modelo atual para dar conta das necessidades do país. Até porque existe um outro diagnóstico, que não consta no PERT mas fica evidente na análise dos resultados financeiros das operadoras, que é a crescente dificuldade de rentabilização dos crescentes investimentos em infraestrutura, ainda mais no modelo atual.

Telecomunicações são, indiscutivelmente, essenciais a todas as atividades econômicas e sociais, e desempenham papel central no processo de transformação digital da sociedade, mas isso não se reflete em políticas públicas no Brasil. Há muitos anos pouco ou nada foi produzido de novo nesse sentido, o que só contribuiu para agravar ainda mais as deficiências.

O segundo semestre marcará o início da transição do governo atual para um governo completamente novo, algo que não se vê desde 2002, com o fim do governo FHC e a eleição de Lula. Seria produtivo se o diagnóstico do PERT, entre muitos outros insumos e propostas semelhantes já disponíveis, pudesse ser o início de uma conversa sobre as políticas setoriais para o próximo ciclo político.

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