A última chance para um novo modelo

Se um dia o modelo de telecomunicações mudar, e se um dia essa história for reescrita, o capítulo dedicado ao PLC 79/2016 (ou PL 3.453/2015, para ficar em sua origem na Câmara) precisará de muito tempo para ser compreendido pelas gerações futuras. Quando tudo parece estar ruim para o projeto, a realidade mostra-se pior.

Ninguém questiona que o modelo de telecomunicações, já completando seus 21 anos, está para lá de exaurido. A prioridade legal dada ao serviço de telefonia fixa chega a ser ridícula considerando o que aconteceu no mundo nos últimos… 20 anos. A mobilidade e a Internet tornaram-se o que de fato importa no mundo das telecomunicações e da conectividade. O modelo da Lei Geral de Telecomunicações, previsto para vigorar até 2025, já deveria ter sido revisto há pelo menos 10 anos. Repensar o modelo é imperioso sob qualquer aspecto que se discuta. Seja porque a telefonia fixa no modelo de concessão é um serviço economicamente moribundo, seja porque mais de um terço da população brasileira ainda segue desconectada. Com isso, todos parecem concordar.

Ainda assim, a única proposta que ao longo destes anos todos prosperou no Congresso, o PLC 79/2016, consegue desafiar todos os padrões de tramitação e previsibilidade. Isso porque o PLC 79 se tornou um texto radioativo. Ninguém quer proximidade. O governo, com exceção de algumas manifestações do MCTIC, nunca assumiu a pauta como prioridade. Parlamentares que um dia assumiram a causa, como os senadores Jorge Viana (PT) e, agora, Otto Alencar (PSD), preferem ver o projeto engavetado de vez. Até mesmo a oposição, que conseguiu vitória política ao segurar a sanção do texto, nunca fez nenhum esforço para discutir o projeto no mérito. Basta lembrar que nas comissões da Câmara e do Senado os oposicionistas não apareceram para votar nos momentos críticos, ignoraram prazos básicos e sequer apresentaram emendas de ajustes ao projeto pelas quais tenha havido algum esforço de pactuação. Já as empresas de telecomunicações e MCTIC, maiores interessados na matéria, erraram ao decidirem em algum momento embarcar em um projeto já em tramitação do que deixar que uma proposta que vinha sendo costurada pelo Executivo, ainda no final do governo Dilma, se tornasse um projeto de lei com chance de ser pactuado. Todos erraram.

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O PLC 79 está longe de ser perfeito como revisão de modelo. O texto poderia ser mais cuidadoso ao dar ao Executivo prazo e diretrizes para futuros projetos de cobertura em banda larga. Deveria ter sido mais cuidadoso e deixado claro que as futuras renovações de frequências seriam feita pela Anatel pelo menos mediante um chamamento público para novos interessados.

Ainda assim, mesmo imperfeito, o projeto tem a virtude de mexer com o anacrônico modelo atual. Os defeitos do projeto não são, a priori, um impeditivo para a lei existir, desde que haja confiança de que Executivo e Anatel farão sua parte quando chegar a hora.

Os problemas que estão sendo colocados para o projeto não andar não são problemas de hoje. São impasses que existem e são plenamente conhecidos há mais de uma década. Tomemos a questão dos bens reversíveis. O grande problema está na interpretação do que sejam estes bens, um debate principiológico que já se arrasta na Anatel desde a primeira revisão dos contratos de concessão em 2005. A agência foi errática ao longo destes anos, por vezes pendendo a uma visão funcionalista, em outras pendendo para o patrimonialismo. Nessa dúvida, nunca se organizou adequadamente para acompanhar e manter o registro efetivo sobre os bens. E não foi por falta de aviso, porque desde 2011 a Proteste move uma ação contra a Anatel justamente sobre este tema, o que poderia ter servido para se construir uma jurisprudência sobre os bens reversíveis, para um lado ou outro, se a ação tivesse sido tratada como prioridade, como deveria.

O TCU, que esta semana surpreendentemente até defendeu a mudança de modelo das telecomunicações, mostra-se mais preocupado com os riscos da transição e, portanto, reforça a posição daqueles que preferem deixar tudo como está para ver como fica. Mas o órgão de controle parece se esquecer que ele mesmo foi bastante errático no trato dos bens reversíveis. Por exemplo, quando entendeu, na migração das concessões do Serviço Móvel Celular para as autorizações do Serviço Móvel Pessoal, em 2001, que não havia o que se falar indenização de um lado ou de outro. Depois disso, parece ter esquecido o que escreveu e adotou a linha de defesa de cada centavo representado por uma plaquinha de patrimônio, por mais sucateado que seja o patrimônio. O resultado foi a consagração, como bandeira da oposição, de uma estimativa do valor contábil de R$ 105 bilhões, que o TCU reconhece não ser um número sustentado por dados seguros, porque foram números compilados pela mesma Anatel que o tribunal acusa de não ter mantido um bom controle sobre os bens reversíveis.

O fato é que enquanto tudo isso acontece, um terço do Brasil segue desconectado, não existem políticas públicas para levar telefonia móvel a milhares de localidades e regiões remotas, os fundos de universalização seguem cobrindo o cheque especial do governo e o único projeto que poderia mudar o rumo das coisas caminha rapidamente para mais um período de limbo.

Cumprindo-se a promessa do senador Otto Alencar de não fazer nada com o texto na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, perdem aqueles que querem mais debate sobre o tema, perdem aqueles que defendem a aprovação do projeto, e morre de vez a chance de qualquer reforma do modelo no curto prazo. A lógica do calendário é incontornável: seja o PLC 79 ou qualquer projeto, se não sair este ano, só virá no meio de 2019, com sorte. Coloque-se mais um ano e meio até que a Anatel faça todos os ajustes regulatórios e contas necessárias (essas são as etapas mais críticas de um novo modelo, que mal foram iniciadas), chegamos rapidamente ao final de 2020 ou começo de 2021, quando se armam duas bombas-relógio. A primeira é que, até lá, mantidas as condições atuais, muito provavelmente as concessões serão devolvidas à União ou passarão a ser objeto de uma grande disputa de reequilíbrio econômico-financeiro. O governo terá que lidar com esse abacaxi.

Na mesma época, estará armada uma segunda bomba: o problema da renovação das autorizações de uso de espectro das operadoras celulares, que começam a vencer justamente a partir de 2020. Quando isso acontecer, sem o novo modelo, a Anatel terá como única opção um novo leilão para as faixas de frequência, uma variável bastante complexa de se adicionar justamente no momento em que deveriam ser implantadas as primeiras redes 5G e com o mercado de IoT já amadurecendo. Ou seja, ao não se resolver um problema agora, criam-se dois para o futuro próximo.

A aprovação do texto do PLC 79, como está, já se mostrou quase impossível, porque dependeria de mobilização política do governo, improvável e custosa nestes meses finais da passagem de Temer pela presidência. Mas com (muito) esforço de pactuação e bom senso, buscando-se estabelecer diretrizes para aplicação dos recursos a serem gerados pelo novo modelo e parâmetros mais claros sobre como seria a política de autorização de espectro após o novo marco legal, seria possível, em tese, ainda ter o texto do PLC 79 aprovado este semestre, mesmo que com algumas mudanças que precisariam ser referendadas pela Câmara no segundo semestre, nas poucas janelas de votação que costumam acontecer em setembro e após as eleições. Bom senso e diálogo têm sido gêneros escassos, contudo. De outro lado, a percepção de que o modelo atual de telecomunicações é anacrônico e insuficiente para as necessidades atuais da sociedade e das empresas é o que une a todos. Se houver saída, é por ai.

1 COMENTÁRIO

  1. A legislação já possuía defeitos estruturais lá em 1997. Mas, como ela favorecia as teles, foi tratada como as tábuas da lei. Nada poderia muda-la. Para piorar, o que foi feito de infralegal (como a mudança do PGO e enfiar o backhaul na telefonia fixa) agravou ainda mais os defeitos da lei. Mas novamente beneficiavam as teles. Agora que o modelo morreu de vez, as teles mudam o discurso e dizem que não sobrevivem sem a mudança da LGT. Novamente, o que se vê são mudanças que beneficiam os grandes grupos oligopólicos. O que se devia fazer é um debate profundo sobre um novo marco regulatório capaz de lidar com a convergência e garantir a universalização. Mas não é isso que está propondo. E o que esperar desse governo?

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