A Anatel abriu um processo para investigar o uso indevido da outorga de Serviço Limitado Privado (SLP) na oferta de serviços móveis de interesse coletivo. A preocupação da agência é com o uso desse tipo de licença por provedores de telecomunicações como se fosse um substituto de uma outorga regular de Serviço Móvel Pessoal, que é a correta para serviços móveis e que tem obrigações regulatórias específicas.
Segundo as apurações preliminares da agência, há empresas solicitando uso de espectro em caráter secundário para uso em redes privativas (como uma rede dedicada às atividades de uma fazenda, ou de uma atividade de mineração, por exemplo), mas que acabam conectando bairros ou localidades inteiras, comercializando os serviços de maneira irrestrita.
"Esse é um tipo de atividade completamente irregular, que pode levar a multa, cassação da outorga e até uma ação penal por prestação clandestina de serviços de telecomunicações", alerta o presidente da Anatel, Carlos Baigorri.
A opção por montar uma rede privativa móvel, explica a agência, é legítima quando é uma atividade efetivamente restrita. A agência inclusive incentiva e premia esse tipo de inovação, que é uma tendência importante do mercado de telecomunicações e abre novas oportunidades de negócios para as empresas. Mas por ser uma rede privativa, há inúmeras restrições, como limitação das condições de uso do espectro em caráter secundário, proibição de interconexão com a rede pública e, obviamente, proibição de comercialização para o público em geral.
"Estamos recebendo denúncias de casos de provedores que usam uma licença de Serviço Limitado Privado e frequências em caráter secundário para comercializar o serviço móvel para seus usuários irrestritamente. Isso é proibido. Para esse tipo de serviço a prestadora ou precisa adotar um modelo de operadora virtual (MVNO) ou ser uma operadora móvel regular (SMP), com espectro e rede própria", diz Baigorri.
Contexto complexo
A preocupação da agência, contudo, se insere em um contexto de uma nova dinâmica competitiva complexa: operadoras que tradicionalmente atuam no mercado de operadoras virtuais constataram que, sobretudo em situações em que a cobertura de rede das operadoras móveis tradicionais é limitada ou inexistente, já é viável construir uma rede privativa própria e, quando a rede móvel pública estiver disponível, fazer a transição da rede utilizando uma MVNO. Do ponto de vista técnico, a solução é o uso de SIM Cards multi-IMSI, que alternam as redes automaticamente.
Esse modelo ainda permite uma redução dos custos em relação a um modelo de MVNOs integral, pois, enquanto a operação se dá na rede privativa, não existe a cobrança das tarifas de uso de rede. E as empresas que praticam esse modelo alegam ainda que estão contribuindo com a ampliação da infraestrutura móvel, hoje muito deficiente em boa parte do território brasileiro, e dando uma alternativa de conectividade onde não há interesse comercial de nenhuma das operadoras móveis.
Do ponto de vista de negócios, esse modelo pode atender aos moradores de uma fazenda atendida por uma rede privativa, por exemplo, ou possibilitar que ISPs locais entrem no mercado móvel com alguma oferta de mobilidade. Os serviços prestados nessa modalidade acabam tendo limitações quando estão dentro da rede privativa, como a falta de numeração própria, a dificuldade de receber SMS ou fazer chamadas de voz para a rede pública, mas como o principal serviço hoje é a banda larga móvel, a oferta permanece interessante ao consumidor.
O avanço desse modelo, contudo, reduz o mercado das operadoras móveis tradicionais e entrantes que participaram dos leilões de espectro assumindo as obrigações de políticas públicas, criando assim uma concorrência "invisível" (fora do radar da agência) que pode criar dificuldades de limpeza de espectro no caso de futuras licitações.
É fato que a própria Anatel tem permitido o licenciamento de espectro em caráter secundário e defende abertamente a ampliação do número de competidores no mercado móvel. Mas agora, com o crescimento do problema da prestação de serviços por meio de SLPs, a tendência é que a agência seja mais criteriosa nesse licenciamento.
A preocupação central da Anatel é o surgimento de um mercado de serviços móveis clandestino, fora do controle da agência, desestimulando futuros leilões e investimentos por parte das operadoras de SMP.
Sem simplificação
Recentemente, dentro do processo de simplificação regulatória aprovado pela Anatel, havia a expectativa, por parte das MVNOs, de que a agência eliminasse a figura do MVNO autorizado e abrisse a possibilidade para operadoras de SMP sem espectro associado. Isso contribuiria para o fim de uma das barreiras regulatórias ao surgimento de operadoras baseadas em redes privativas.
Mas a deliberação final da agência manteve inalteradas as regras de MVNO, sem permitir que empresas interessadas em operar serviços móveis pudessem pleitear uma outorga de SMP independente de uma faixa de espectro associada. Isso frustrou os planos de algumas MVNOs.