Baigorri e as prioridades da Anatel para 2025

Presidente da Anatel, Carlos Baigorri. Foto: Divulgação/Anatel

Nesta entrevista exclusiva, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, antecipa o posicionamento da agência para algumas questões críticas para o ano de 2025. Ele comenta sobre os futuros leilões de espectro, tanto na faixa de 700 MHz quando na faixa de 6 GHz; sobre as razões que fizeram a Anatel rever a divisão da faixa de 6 GHz; sobre a atuação da agência nas questões relacionadas ao ecossistema digital; sobre competição com empresas de Internet e da competição entre empresas de telecom; sobre postes; sobre os regulamentos prioritários para o ano e sobre sua visão para o futuro da agência.

Baigorri participa no próximo dia 18 de fevereiro do Seminário Políticas de Comunicações, organizado pela TELETIME e que abre a agenda de temas relacionados às perspectivas regulatórias e políticas públicas do ano.

Confira os principais pontos da entrevista:

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Divisão da faixa de 6 GHz

TELETIME – A Anatel mudou as regras para o uso da faixa de 6 GHz. Ainda pode se esperar alguma mudança nesse cenário?

Carlos Baigorri – Ainda precisamos rever efetivamente as condições de destinação da faixa. O Instituto Eldorado, em Campinas, está desde o ano passado fazendo testes. Combinaram uma ERB com uns access point para ver a questão da convivência entre as tecnologias em 6GHz. Aguardamos agora um relatório dos testes mostrando as condições de interferência, as potências e condições de convivência. A partir disso começa o processo de destinação da faixa efetivamente.

O que aconteceu dia 31 de dezembro então foi uma sinalização de que vai mudar, mas ainda não mudou a destinação, correto? 

Foi mais uma sinalização, mas sendo muito sincero, isso já demonstra de forma clara e inequívoca de que a faixa de 6 GHz não vai ficar toda para o WiFi. Isso já está bastante claro desde a WRC, em 2023. 

O que mudou para a Anatel alterar a sua posição?

Passaram-se cinco anos desde 2020, ninguém usou o WiFi como se esperava. Em 2020,  o IMT só previa estar com o ecossistema para os  6 GHz pronto em 2030, e eles queriam que a gente segurasse a faixa até lá. Do outro lado, o pessoal que defendia o uso não licenciado prometia que o Natal de 2020 seria o Natal do WiFi 6E. Decidimos então destinar para o uso não-licenciado, porque não fazia sentido esperar 10 anos para tornar a faixa disponível, sendo que havia demanda. Depois da nossa decisão, fomos aos EUA e falamos com os grandes fabricantes, com as empresas de chips, com o governo americano, no Brasil falamos com os provedores… E ficamos na expectativa de que o uso acontecesse, mas não aconteceu nada. E do outro lado, o desenvolvimento do IMT na faixa de 6 GHz foi antecipado de 2030 para 2025. Em Barcelona, na MWC de 2023, já tinha um protótipo da Huawei, em 2024 tinha um da Ericsson e esse ano a nossa expectativa é ver todo o ecossistema pronto.

Ou seja, o IMT acabou se movimentando mais rapidamente que o WiFi, é isso? 

É uma questão de concorrência. Quem ganhou a faixa se acomodou. Não vimos os óculos de realidade aumentada para entrar no metaverso em 6 GHz. Mesmo um access point simples WiFi 6E a gente não acha no comércio. Ou as empresas de WiFi se acomodaram, ou não precisaram ocupar a faixa. E quem estava esperando para ocupar em 2030 diz que estará pronto a ocupar em 2025. Mas se a gente fizer o leilão e ninguém comprar, a faixa pode ser ocupada pelo WiFi sem problema.

Leilão dos 6 GHz

Vocês marcaram o leilão da faixa de 6 GHz para 2026. Tem a ver com o final do seu mandato? 

(risos) Não. Foi uma sugestão do conselheiro Alexandre Freire, e me parece um bom guidance. Vamos tentar fazer em 2026, mas fazer um leilão ou não tem muito mais a ver com as condições de mercado do que com a nossa vontade. Temos que ver se em 2026 vai ter ecossistema, se vai ter aparelho… Mas fica a referência de que no final de 2026 nós queremos fazer esse leilão e vamos trabalhar para isso do nosso lado. Nada a ver com meu mandato. Meu foco é o leilão de 700 MHz, agora.

Ok, pode não ter a ver com o seu mandato, mas não podemos esquecer que em 2026 termina o ciclo político do governo, e sem dúvida isso pesará….

Se houver condições de mercado de fazer em 2026, nós faremos, mas tem muita água ainda para rolar.

Hoje não se sabe nem como cobrar pela faixa de 6 GHz, né? Porque salvo engano, ninguém licitou.

Hong Kong fez mas não foi bem sucedido. Para fazer um leilão de espectro, precisa fazer um plano de negócio com receitas e custos. Precisaremos saber o custo da ERB, o percentual de aparelhos no mercado com acesso a esta faixa, as receitas projetadas… Ainda está cedo para definir isso.

E mesmo o 5G ainda parece estar longe de abrir novas possibilidades de negócio…

Ainda está amadurecendo, portanto é complexo definir alguma coisa já. Essa data é um guidance, mas particularmente acredito que em 2026 a gente chegue na consulta pública. Mas o ecossistema é dinâmico, não é estático, e muita coisa pode acontecer. O nosso papel enquanto agência é garantir o uso eficiente do espectro. Se tem alguém querendo usar, temos que viabilizar. Se ninguém comprar, voltamos para o modelo não licenciado. Mas se as operadoras acham que essa faixa é importante para o 5G ou para o 6G, que coloquem o dinheiro na mesa. 

Leilão dos 700 MHz

Esse ano tem o leilão de 700 MHz. Vocês fizeram a proposta de edital dando a entender que ele seguirá um modelo não-arrecadatório. Mas isso está combinado com o governo?

A questão do leilão não-arrecadatório está prevista na lei, que prevê que uma parte do valor da faixa vai para políticas públicas. Ainda tem que definir os valores, mandar para o TCU, entender a política pública do ministério… A nossa conversa é com o ministro Juscelino, e se ele vai articular isso com a Fazenda, não está no nosso controle. 

Mas entre vocês e o Minicom isso já está alinhado? Que vai ser um leilão sem foco arrecadatório?

Ainda não falamos sobre isso não. Essa definição tem que vir do Executivo, da Política Pública. A gente defende o não-arrecadatório, porque a nossa experiência com o 5G mostrou que é um modelo exitoso, uma referência internacional. E outra: é um bloco pequeno, de 10 MHz + 10 MHz. Não sei se isso vai fazer alguma diferença no superávit do governo. Do ponto de vista fiscal pode não ser relevante.

Ainda assim vocês mudaram um pouco as contrapartidas exigidas dos vencedores da faixa de 700 MHz. Por exemplo, a obrigação de conectar estradas caiu.

O tamanho das obrigações que serão colocadas e onde é uma decisão que passa pela política pública. Se vier rodovias, vamos fazer isso. A gente tem uma preferência e o referencial do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), que dá um mapa das  necessidades de cobertura. Mas a definição é do governo, é uma política pública.

Decreto 12.282 e mudanças na EACE

Justamente no ano passado o Ministério das Comunicações editou o Decreto 12.282/2024, que estabeleceu que o ministério é que vai estabelecer as contrapartidas do edital, correto? Você entendeu o decreto como uma intervenção?

O Decreto foi uma demarcação de território, com o Executivo deixando claro o que ele entende como áreas do exercício de políticas públicas, o que é bom. O governo sempre teve essa prerrogativa. Houve uma portaria definindo as prioridades do 5G, que vale até hoje. Essa portaria é que inclusive define as rodovias a serem cobertas. Naquela ocasião, o edital era muito grande, com várias faixas. Agora que a gente tem um edital pequeno, a proposta que a gente colocou em consulta pública era focar nas localidades. Se tiver uma nova portaria ou algum tipo de esclarecimento do ministério dizendo que prefere-se que continue rodovia ou que é para dar preferência para tal ou qual política, aí a gente vai fazer. Mas note que no PAC foi retirada a parte de rodovias. Então a gente leu isso e falou: "rodovias eram importantes, estavam no PAC, mas não estão mais. Localidades talvez façam mais sentido". 

E, no final das contas, como é que você leu esse decreto do ano passado? Houve uma intervenção do Executivo na Anatel, especificamente na EACE, sobretudo no grupo de implementação dos compromissos de edital relativos a escolas?

Vejo como uma demarcação de competências dos agentes, porque ali tem uma política pública sendo executada. Vamos tentar voltar um pouco no tempo. Essa história (das entidades de implementação) começou com a EAD, no leilão dos 700 MHz, onde se vendeu para o mercado privado uma faixa que estava "suja", ocupada por outro setor. A solução canônica para isso seria, primeiro, o Estado limpar a faixa, indenizar todo mundo, e depois, quando a faixa estivesse limpa, vender para o privado. Só que a Anatel decidiu vender ela ocupada, e desenhou no edital esse mecanismo de limpeza custeado pelo próprio recurso do edital. Isso foi feito nos 700 MHz, e deu super certo. No 3,5 GHz  o desenho foi o mesmo. Só que quando (a licitação de 2021) foi para o Tribunal de Contas da União, o TCU recomendou fazer algo no termo de conectividade da escola. E aí foi que se criou a EACE e a GAPE, meio como um espelho dessas iniciativas, que já tinham funcionado. Mas se você for ver na origem, (as situações) diferem completamente, pois não tem que liberar espectro. É de fato apenas a execução de uma política pública.

Tanto que as operadoras agora estão pedindo para sair da EACE, pois elas entendem que não têm mais o que contribuir além do dinheiro, que já foi pago. 

Exatamente. É o processo que está sendo deliberado na relatoria do conselheiro Alexandre Freire. Elas (as teles) querem sair da governança. Se nos 700 MHz elas tinham todo o interesse em estar na governança porque precisavam que a faixa fosse limpa adequadamente, e no 3,5 GHz mesma coisa, no caso das escolas, não. É a implementação de uma política pública apenas, a obrigação deles era dar dinheiro. Agora não tem por que estar lá mais, entendeu? Ali era política pública stricto sensu.

Então no final você ficou confortável com o decreto e com essa posição do ministério?

Nas escolas, é uma política pública estratégica para o governo, é um dos principais compromissos de campanha, tem a ENEC do Ministério da Educação…. Nada mais natural do que isso. Até essa questão das operadoras saírem, eu acho que vai ser muito bom. Se você faz uma RFP para conectar escolas, elas vão poder participar. Do contrário, teria uma questão de conflitos. Eu falo isso abertamente: o ideal é que eles saíssem da EACE, já que o  compromisso do edital era constituir uma entidade e depositar o recurso. Agora deixa o governo tocar do jeito que ele achar melhor, e a entidade tocar seguindo as políticas públicas. 

Você chegou a conversar com o TCU sobre essa mudança?

Ainda não. Mas o TCU vai ter que ser consultado, com certeza. Acredito que o conselheiro Alexandre Freire deva trazer isso para a pauta em breve, mas não tenho como prever qual vai ser o resultado. Mas é tomar uma decisão e submetê-la ao TCU.

Agora, nos outros grupos, Gaispi e Gired, não houve nenhum tipo de mudança na orientação de trabalho por parte do Ministério. Como ficam essas entidades? 

Fica como tá, porque o trabalho está sendo bem feito, e tem a questão da limpeza do espectro. As coisas estão indo bem. Há alguns atrasos que aconteceram por conta do tempo, lá na região do Amazonas. Mas esse não é um ponto de preocupação.

Regulação da Internet e fair share

Falando agora de regulação de Internet, que é uma outra bandeira importante da Anatel desde o início do seu mandato, e há a expectativa do regulamento de deveres dos usuários, onde vocês podem trazer algumas regras. Qual é a perspectiva com relação a isso?

A expectativa é que suba para o conselho em breve. Eu acho que já foi para a Procuradoria, se não me engano. Nossa expectativa é que, no primeiro semestre, a gente consiga aprovar e ter uma consulta pública para discutir. Esse regulamento trata do dever dos usuários e tem várias vertentes. Tem toda essa discussão do fair share, das plataformas digitais, mas tem questões menos disputadas, como por exemplo a questão das chamadas abusivas, que foi como tudo começou.

Com relação ao papel da Anatel, qual é a expectativa hoje? 

A realidade se impõe. Na hora que você tem um problema, em todos os momentos que a sociedade brasileira teve, seja Judiciário, seja Executivo… teve que lidar com alguma questão no ambiente digital, esse assunto veio para a Anatel. Lei das bets: já bloquearam mais de 9 mil bets. E na hora de tirar as bets do ar, vem para a Anatel. Tem que bloquear o Twitter, decisão do STF… vem para a Anatel. TSE quer bloquear o Telegram porque não está cumprindo com a legislação eleitoral, vem para a Anatel. A realidade se impõe. É claro que a gente está preparado, posicionado, capacitado para lidar com os desafios do ecossistema digital, e eu acho que a melhor forma de demonstrar a nossa capacidade e a nossa competência é trabalhando. Então, cada vez que formos demandados, vamos atender. Sendo bem direto, eu já cansei de ficar pregando o óbvio: não existe exercício de poder de polícia no ambiente digital a não ser por meio do controle das infraestruturas de telecomunicações. É o único jeito de você fazer a coisa acontecer.

Mas tem uma discussão econômica também, das relações entre as empresas. Você mesmo uma vez colocou que a neutralidade de rede era um fardo para as operadoras de telecomunicações e criava uma relação de assimetria numa negociação comercial. Você vê neste regulamento alguma chance de abrir espaço para essa discussão?

Sobre a neutralidade de rede, não. A neutralidade de rede é algo que está previsto na lei, no Marco Civil da Internet, e não pode um regulamento da Anatel mudar o que está previsto na lei. Agora, o que o Marco Civil da Internet também diz é que são permitidas as medidas de gestão de tráfego, bloqueio e degradação, desde que para garantir o correto funcionamento das redes. E aí definir o que é o correto funcionamento das redes e em que momento o correto funcionamento das redes começa a ficar em risco, isso é um papel da Anatel. 

O Ministério das Comunicações coloca também a participação das empresas de Internet em políticas públicas como um caminho. Como você vê essa possibilidade?

São dois debates que se complementam: qual é o papel das big techs na ampliação da conectividade? Uma vertente mais focada no mercado, que é a discussão, digamos, do fair share, que as operadoras falam: "deixa eu cobrar dinheiro das big techs que eu vou ter mais dinheiro para ampliar a rede". Essa é uma abordagem, pressupondo que se as empresas de conectividade tiverem mais receita, elas vão ampliar mais a rede. Faz todo sentido, ainda mais se você tiver um ambiente concorrencial, com uma dinâmica e uma competição que faça com que elas efetivamente façam os investimentos. A outra abordagem é uma abordagem mais baseada em taxas, que seria basicamente em tributos, de modo que essas plataformas digitais que se beneficiam da conectividade e da ampliação das redes contribuam para um fundo, para o Fust, e aí com essas receitas as redes seriam expandidas em benefício de todo o ecossistema digital. São duas abordagens.

E tem uma terceira também, que é eventualmente você, de alguma maneira, criar obrigações ou compromissos de ampliação da infraestrutura acessória, que é a infraestrutura de CDN, infraestrutura de data center, infraestrutura de pontos de troca de tráfego, que é uma infraestrutura que não faz parte do sistema de telecom, mas que dá suporte à conectividade…

Exatamente isso. Então, essa é uma forma que eu acho que é complementar. São essas três e uma não anula a outra, entendeu? Você pode ter as três ao mesmo tempo, você pode ter mais uma e outra… Mas que cabe à Anatel? Não cabe à Anatel mexer nas fontes de receita do Fust. Tem que alterar a lei do Fust e a Anatel não está nesse debate. A primeira (abordagem) que eu mencionei, que seria o Fair Share, está no nosso escopo de decisão e a gente vai discutir isso no regulamento de deveres do usuário. Tem prós, contras, tem premissas… Porque se você pensar, por exemplo, num sistema altamente monopolizado, qualquer receita que a telecom tiver a mais, não há garantia nenhuma de que ele vai expandir o serviço. Algumas premissas precisam ser avaliadas: esse aumento de receitas das empresas de telecom efetivamente vai se refletir em mais conectividade, mais acesso? Precisa ser avaliado isso na análise de impacto regulatório. Já essa terceira que você colocou, eu concordo com você que é um caminho, mas não está no nosso escopo. Aí eu volto no assunto das bets. Um dos pontos, eu sou muito vocal nisso, é que a Lei das Bets foi criada, colocou sobre o setor de telecomunicações o bloqueio das operações ilegais, só que a eficácia do bloqueio das bets ilegais extrapola o setor de telecom. Que aí a gente vai voltar para o caso lá do Twitter, em esbarramos no uso do do CloudFlare, dos serviços de DNS, que são essas infraestruturas digitais de suporte que acabam inviabilizando os bloqueios. São serviços que não estão sobre a regulação, a gestão e a fiscalização de ninguém. Tivemos que contar com a boa vontade de algumas empresas. Mas, por exemplo, quando a gente está falando de um site como o CloudFlare, por que teve essa boa vontade com a gente? Porque havia uma decisão judicial do STF para bloquear o CloudFlare inteiro, caso não resolvesse. No caso de decisões administrativas, nenhuma legislação nos confere nenhum poder de polícia sobre essas infraestruturas. Temos que ter algum poder sobre essas infraestruturas de suporte à conectividade.

Prova de que existe uma aproximação (da Anatel com esses temas) é o fato de que data centers entraram como um compromisso do acordo da Oi na migração de modelo, não? 

Se você for pensar, por exemplo, o edital de 5G especificou o padrão standalone. Poderia ter alguma obrigação para Edge Data Centers também. Vai chegar uma hora que os nossos compromissos de conectividade vão ter que começar a sair só das ERBs para você garantir uma homogeneidade na experiência do usuário. O objetivo da política pública é tentar acabar com as desigualdades regionais, isso está na Constituição. Então, você quer que a experiência em conectividade de um cara no centro de São Paulo seja igual a de um cara no interior da Amazônia?

É o princípio de você regular a conectividade significativa?

É isso. Para garantir essa homogeneidade, essa democratização da experiência na conectividade significativa, esse sistema vai ficar complexo, você vai ter que entrar em questões que tradicionalmente não estavam no telecom, tipo os data centers, CDNs… Não dá para evitar e, de novo, é a realidade que está se impondo.

Concorrência desleal

Falando agora das assimetrias entre operadores de telecom, no ano passado você sinalizou que os pequenos provedores talvez tenham que dar um passo além na questão da formalização. Qual a ideia? 

Eu formalmente solicitei que as superintendências aqui fizessem uma proposta de um  plano de combate à concorrência desleal, porque não é uma questão de ser contra o pequeno ou ser a favor do grande. Não é uma questão de ser grande, ser pequeno, pode ser micro, mas a concorrência tem que ser leal. Todo mundo tem que pagar imposto, todo mundo tem que pagar o poste, todo mundo tem que ter um empregado subindo no poste com segurança. Existe um patamar mínimo dessa concorrência. Não é uma concorrência de qualquer jeito. Então você tem um sarrafo na concorrência que dali para baixo a concorrência é desleal, dali para cima a concorrência é justa. O conselho diretor está esperando para receber isso, mas a ideia é ajustar em fases, com reeducação do mercado.

Como seriam essas fases?

Primeiro é reportar dados. Não importa se a prestadora é grande, pequena, média, micro ou pequena, os dados têm que começar a ser reportados. Uma segunda fase que eu imagino é a questão da outorga. A eliminação da outorga para até 5 mil usuários  foi muito importante para democratizar o mercado, mas sinceramente, hoje uma outorga custa 400 reais e você tira em 48 horas. O pessoal começar a ter outorga cria uma responsabilidade. Outro problema é a multiplicação de CNPJ para manter o enquadramento no Simples, mas que cria uma concorrência tributária desleal. A competição não pode se dar no tributo, mas na qualidade, no atendimento. Talvez a solução seja controlar por grupos econômicos. Hoje fazemos isso pela Resolução 101, onde já há esse conceito de grupo econômico. E a questão da qualidade das redes e ocupação irregular dos postes, temos muita demanda do Ministério Público do Trabalho, e isso também precisa ser endereçado. 

Postes

Falando nisso, definitivamente parece que a Aneel não está disposta a resolver o problema do regulamento conjunto de postes tão cedo. Como você está acompanhando essa questão? 

Tanto o diretor da Aneel Ricardo Tile quanto o presidente Sandoval me encontraram e disseram que queriam resolver o problema, mas isso foi um pouco antes deles denegarem o recurso da Feninfra. Eu não entendi. Vou voltar a procurá-los para ver como é que a gente vai resolver isso. Sinto que eles querem resolver. Mas eles não querem resolver do jeito que a gente resolveu. Então a gente vai ter que tentar encontrar um denominador comum. 

Na mesma reunião eles aprovaram uma consulta alterando a regra de modicidade tarifária, para que as concessionárias de energia fiquem com uma parte maior da receita das receitas acessórias, como aluguel de postes…. 

Se for isso, pelo menos, que a concessionária arrume o poste. Se for isso, porque eu não sei se é, eu não consegui conversar com eles depois. Querendo ou não, o poste é uma infraestrutura da distribuidora elétrica e ela tem que cuidar. Ela é responsável por aquela bagunça. E ela está cobrando por aquilo. A gente está tentando encontrar uma solução. Passamos três anos discutindo, e uma solução foi proposta. Agora, se querem rever, beleza, vamos discutir.

PGMC e competição móvel

O que podemos esperar da reforma do Plano Geral de Metas de Competição este ano? 

A minha visão pessoal é que o PGMC, quando ele foi feito, em 2012, tinha um grande foco no mercado de banda larga. Tinha o negócio de bitstream, unbundling, mercado de transporte, tinha um monte de coisas, tudo tentando dar uma maior dinâmica concorrencial, mais competição na banda larga fixa. Mas é indiscutível que o mercado de banda larga, hoje, não tem um problema de falta de competição. Não vou dizer que há um excesso de competição porque isso seria impróprio, mas há até mesmo uma competição desleal de tantos agentes que existem e que a gente não consegue controlar. Eu já manifestei publicamente há mais de um ano e reitero: na minha visão, não faz mais sentido o mercado de banda larga fixa e os seus insumos serem mercados relevantes no PGMC. O que eu acho que a gente tem que focar é no mercado móvel. O mercado fixo está em outro momento, até mesmo de consolidação, porque para muitas empresas ele não é mais viável, a concorrência é predatória até. Minha posição pessoal é que essa nova versão do PGMC deva focar no mercado móvel.

Não te preocupa o desempenho das operadoras regionais de 5G até esse momento?

Não. Eu converso com todos, cada um tem os seus desafios, mas eu nunca tive a inocência de imaginar que o mercado móvel ia ser fácil para eles. E eu acho que talvez muitos deles nem soubessem quão difícil ia ser. Banda larga fixa é um negócio relativamente simples em termos de engenharia, em termos de modelo de negócio, em termos de logística, em termos de tudo. Quando você vai para o móvel, é outro mundo. Você tem que ter o aparelho, o aparelho tem que ser homologado, você tem uma complexidade muito maior, você tem diversos planos o negócio, sem um billing complexo você não tem serviço, sistema de provisionamento é muito mais complexo. Mas as entrantes estão ralando para entrar mas certamente vão conseguir, já estão conseguindo. 

Mas aí o que a Anatel pode fazer para aumentar a competição no mercado móvel? Se é que precisa aumentar a competição no mercado móvel…

A gente está vendo essa discussão na Europa. Todo mundo dizendo que tem que concentrar mais, que quatro players é muito, tem que ser três, tem que ser dois… Eu não estou dizendo que tem que ter um PMS no mercado móvel. É região a região. Talvez você possa ter regras de compartilhamento mais flexíveis, facilitar a entrada de MVNOs, por exemplo. Mas o importante é a gente tomar cuidado também para não fragmentar em excesso. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Não vou dizer que com três players nacionais seja o ideal, não estou dizendo que é um problema. O negócio é testar o mercado. Não é papel do Estado definir quantos players cabem no mercado. O papel do Estado é garantir que não haja barreiras à entrada para que as livres forças do mercado definam quantos vão caber. 

E quando sai o PGMC? 

O PGMC é um regulamento extremamente complexo e eu acredito que a gente vai ter ele no conselho no primeiro semestre, mas eu não vou te dizer que no primeiro semestre a gente aprova justamente porque ele é muito complexo. Mas esse ano a gente aprova ele. 

Prioridades e futuro

Quais as outras prioridades do ano? 

PGMC, Regulamento de Uso do Espectro, Regulamento de Deveres do Usuário e o edital de 700 MHz. Essa é a nossa prioridade. 

Parece que a página da concessão foi finalmente virada, né? E agora? 

A concessão teve um fim digno. Acho que essa expressão é do Professor Murilo Ramos (da UnB). A gente deu um fim digno para as concessões, um  fim que não foi uma crise, que não foi uma dor de cabeça para o Estado, que manteve o serviço onde ele ainda é necessário. Tanto a Vivo quanto a Oi assumiram o compromisso de manter a prestação de serviço até 2028 onde não houver atendimento. Ganhamos três anos para atender essa população com redes móveis, com banda larga, para colocar numeração no SCM… A gente ainda precisa encontrar alguma solução para essas localidades, mas elas não ficarão para trás. Se a gente não tivesse dado esse fim digno à concessão, a gente teria esse problema dia primeiro de janeiro de 2026.

E qual a próxima página?

O que eu imaginei, quando começou o meu mandato e fizemos aquele planejamento estratégico até 2027, era que os desafios do ecossistema digital teriam que ser enfrentados. Seria uma oportunidade para aquele projeto original da Anacom, repensar uma agência convergente, reposicionar o Estado brasileiro em como ele lida com o digital. A Anatel foi pensada numa época em que o digital era telecom, e hoje o digital é muito mais do que telecom. Então eu acho que é uma grande oportunidade para a sociedade brasileira, para o Congresso, para o governo, repensar como ele quer se posicionar nesse ambiente digital. Eu falei isso diversas vezes. A internet foi concebida há tantas décadas atrás com um ambiente onde os Estados nacionais não participavam. Mas hoje, com a Internet cada vez mais presente na nossa economia e na nossa sociedade, esse paradigma original não faz mais sentido. O Estado não tem uma estrutura estatal para fazer valer a sua vontade no ambiente digital. Se você pensar em telecomunicações, o Estado tem uma estrutura de controle sobre as telecomunicações, da outorga, de frequências, que pode receber uma ordem de bloqueio, ordem de interceptação judicial, corrigir assimetrias… Quando esse ambiente das telecomunicações é englobado no ambiente digital, o Estado não tem mais. A questão é como é que o Estado vai se posicionar diante disso. Eu sempre tive esse delírio de que seria o último presidente da Anatel, para que se criasse uma nova agência que fosse uma agência não só de telecomunicações, mas uma agência de todo o ecossistema digital.

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