Parecer da PFE/Anatel endossa teses da cautelar contra Fox

Foto: Pixabay / Pexels

A Procuradoria Federal especializada da Anatel (PFE) manifestou-se pela primeira vez sobre a cautelar emitida pela agência contra a Fox no caso da distribuição de canais lineares diretamente ao assinante, via Internet. A manifestação da PFE desta terça, 9, foi emitida no contexto da suspensão liminar conseguida pela Fox junto à Justiça Federal na semana passada, mas em resposta ao pedido de efeito suspensivo da decisão administrativa cautelar feito à presidência da agência pela TAP. MPA, Abert e Abratel. Importante destacar que a manifestação ainda não é a defesa da Anatel à Justiça, o que deve acontecer esta semana, mas certamente os argumentos jurídicos serão semelhantes.

A procuradoria endossa o posicionamento da área técnica da agência ao decidir pela cautelar. Para a PFE (confira aqui a íntegra da manifestação), a área jurídica da agência não precisava ter sido ouvida antes da decisão contra a Fox e é competência da Anatel decidir se determinadas situações configuram serviços de telecomunicações. "Detém a Anatel competência para definir se a atividade se enquadra como Seac ou não, para definir se é ou não serviço de telecomunicações", diz a procuradoria. " Dessa feita, opina-se pela competência da Anatel para não só decidir sobre o enquadramento da atividade objeto do presente processo como serviço de telecomunicações, como também para adoção de cautelares".

Para a análise em relação à plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris) pela cautelar da Anatel, a PFE seguiu o mesmo caminho da área técnica da agência, ou seja, analisou a Lei do SeAC no contexto das discussões que ocorreram durante a tramitação do projeto que deu origem à Lei 12.485/2011. "Verifica-se, assim, que, durante o processo legislativo de edição da Lei nº 12.485/2011, houve debate explícito sobre a exclusão da internet do âmbito de aplicação da Lei do SeAC, tendo o parágrafo único do artigo 1º excepcionado apenas a radiodifusão, e não a internet", escreve a procuradoria. Para a PFE, "dos elementos constantes nos autos, portanto, há, in casu , fortes indícios de violação da Lei nº 12.485/2011, os quais não podem, nem devem ser desprezados pela Agência, sendo plenamente cabível a medida cautelar concedida, sob pena de esvaziamento das políticas públicas delineadas pela aludida lei".

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A despeito da necessidade de necessidade de "colher mais informações e ouvir mais setores da sociedade para a deliberação final da Agência acerca do tema", o que é feito por meio da Tomada de Subsídios, isto "não afasta, desde já, os fortes indícios de violação da lei nº 12.485/2011, os quais, como já salientado, não podem, nem devem ser desprezados pela Agência", diz a procuradoria. Ainda segundo a procuradoria, o "conteúdo ofertado pela Fox com a denominação ´TV ao vivo´, na medida em que se configura como inconteste e evidente replicação do conteúdo programado na cadeia produtiva organizada na Lei nº 12.485/2011, repita-se, sem arcar com os ônus inerentes a essa atividade estabelecidos pela referida lei", seria um indício de plausibilidade suficiente para a cautelar da agência.

Para a procuradoria, mais uma vez sem linha com o que disse a área técnica da agência na cautelar contra a Fox, "que, pelo que se tem notícia, a Fox é a única empresa no Brasil que vem comercializando a oferta de canais na internet com esse modelo de negócio. Nesse sentido, mostra-se extremamente temerário permitir que tal prática se prolifere, com diversos impactos nos setores envolvidos, antes da decisão final dos autos".

Consequências

Para a PFE, a proliferação desse modelo de negócio, conforme identificado pela área técnica, "poderia acarretar sérias consequências de forma abrupta antes mesmo da definição de sua regularidade pela Agência em decisão de mérito, exauriente, como, por exemplo: a) imediato esvaziamento progressivo do regime de cotas, financiamento e estímulo ao desenvolvimento de conteúdos nacionais, o que foi delineado pelo Legislador a partir da exploração e fruição do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC); b) concorrência em condições desiguais, uma vez que o modelo da Fox permite a prestação de serviços com pagamento bem inferior de tributos; c) comprometimento da disponibilização dos chamados canais obrigatórios e de conteúdo nacional, preocupação e valor consagrado na Lei nº 12.485/2011; d) possibilidade de comercialização de canais lineares com conteúdos audiovisuais sem as vedações contidas nos arts. 5º e 6º da própria Lei nº 12.485".

Segundo a procuradoria,"permitir que a Fox, sem decisão final da Anatel, distribua canais de assinaturade TV fechada, ainda que por meio de aplicativo na internet, sem se submeter àsregras previstas na Lei nº 12.485/2011, seria admitir o próprio descumprimentode seus preceitos e políticas públicas, sem qualquer razão que justifique taldescumprimento. A simples permissão sinalizaria para o mercado a umaregularidade, incentivando a proliferação do modelo da Fox, que seria dedifícil reversão, como apontado pela área técnica". Um dos riscosressaltados pela PFE é em relação às regras de restrição à propriedade cruzadae proteção dos mecanismos e incentivo ao audiovisual nacional, num cenário de"difícil reparação". Para a área jurídica da Anatel, "a medidacautelar concedida pela Agência tem por finalidade resguardar o interessepúblico em não ver esvaziadas as políticas públicas estabelecidas na Lei nº12.485/2011, até que a Anatel aprofunde a avaliação de mérito discutida nesseprocesso".

A PFE não vê razão pela qual a presidência da Anatel não possa analisar o efeito suspensivo da cautelar da área técnica contra a Fox, ainda que o desdobramento do caso dependa na decisão liminar na Justiça.

Importante notar que esta manifestação da procuradoria não se aprofunda nos argumentos colocados pelas partes contrárias à cautelar em relação ao eventual enquadramento dos serviços da Fox como Serviços de Valor Adicionado nem analisa o caso sob a ótica do Marco Civil da Internet.

Entenda o caso

As áreas técnicas da Anatel, no dia 13 de junho, emitiram uma cautelar impedindo a Fox de comercializar diretamente ao consumidor os seus canais lineares por meio da plataforma Fox+ (Fox Plus). Trata-se do modelo direct-to-consumer, que tem se mostrado bastante comum na estratégia das programadoras de TV paga tradicional como forma de se adaptarem a uma nova geração de consumidores e novos provedores de conteúdo que priorizam os conteúdos entregues pela Internet. O processo foi iniciado a partir de uma reclamação da Claro no final do ano passado, alegando assimetrias de regras na oferta de canais diretamente ao consumidor em relação àqueles ofertados a partir de operadoras de TV paga. A cautelar da Anatel diz que a programadora Fox deverá utilizar uma empresa outorgada no Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) para autenticar o acesso aos canais, assegurando o cumprimento das obrigações previstas na Lei do SeAC (Lei 12.485). Até o dia 15 de agosto a Anatel tem também uma tomada de subsídios aberta sobre o tema, para então o processo ser levado ao Conselho Diretor para uma decisão de mérito. As superintendências da agência já manifestaram, em entrevistas exclusivas aqui aqui, sobre os conflitos de interpretação entre a Lei do SeAC, Lei Geral de Telecomunicações e Marco Civil da Internet, e sobre os desafios conceituais em torno do caso. Além disso, o debate se insere em um contexto ainda mais complexo, pois em outro front a Anatel ainda analisa a aplicação da Lei do SeAC no caso da fusão entre AT&T e Time Warner (hoje Warner Media), cuja resolução depende agora do conselho diretor.

A agência também já se manifestou, inclusive ao Senado, sobre a necessidade de ajustes na Lei do SeAC. Importante destacar que a decisão cautelar é apenas sobre a Fox (não afetando outros casos similares, apesar do precedente), e tampouco afeta conteúdos sob-demanda (como aqueles oferecidos pela própria Fox, Netflix, Amazon etc), conteúdos ao vivo esporádicos (como jogos de futebol) ou conteúdos ofertados gratuitamente pela Internet. O assunto é polêmico e está dividindo a indústria de TV paga. Do lado da tese apresentada pela Claro e reconhecida, em parte, pela cautelar da Anatel, estão os programadores produtores independentes nacionais, a ouvidoria da agência e a associação NeoTV, que representa pequenas operadoras e TV paga e alguns ISPs de maior porte. Contra a posição da agência estão as gigantes de Internet, os grande grupos de comunicação brasileiros (especialmente os radiodifusores) e as programadoras estrangeiras e grandes produtores de conteúdo internacionais.

No último dia 3 de julho a Fox conseguiu, junto à Justiça Federal de Brasília, a suspensão liminar da cautelar da Anatel. A juíza Flávia de Macedo Nolasco entendeu que a agência não havia conseguido demonstrar os requisitos para a medida cautelar.

Evento

Os impasses regulatórios e legais decorrentes das questões em análise pela Anatel serão um dos principais temas do PAYTV Forum 2019, evento organizado pela TELETIME e pela TELA VIVA que acontece dias 30 e 31 de julho em São Paulo, no WTC Center. Mais informações sobre participantes confirmados, a programação completa e as condições de participação estão disponíveis no site www.paytvforum.com.br

1 COMENTÁRIO

  1. OK Lei é Lei. Mas fica claro que do jeito que é quem perde é o consumidor/assinante que fica refém de operadoras, que de fato impõe pacotes na maioria das vezes cheios de canais que ninguem precisa e em outras, que não oferecem opção de canais, como é o caso da FOX, que não existe na TV Alphaville. Ou seja nesta discussão ninguem se preocupa com o assinante/consumidor.

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