A tecnologia SDN/NFV por vezes é alvo de críticas e até de algum ceticismo. Dizem que ela não vingou por não entregar o que promete, por ser de difícil adoção ou até porque haveria uma disposição dos fabricantes de elementos de rede em frear a disseminação das white boxes. Exageros à parte, muito da resistência se deve ao fato de que o mercado não evoluiu como esperado nos Estados Unidos e na América Latina nos idos de 2014 e 2015. Hoje sabemos que ainda não estavam maduros o suficiente.
Um forte indicador disso é o market share de SDN controllers que continua pulverizado, sem que nenhum deles tenha se destacado como escolha preferencial das CSPs. O 5G então ocupou completamente o espaço nos noticiários desde então.
A verdade é que sobram casos de uso de ordem prática. SDN/NFV resolve muitos problemas reais dos clientes e das operadoras. Muitas já perceberam e vêm usando a tecnologia para obter ganhos de eficiência operacional, criar novos serviços além de oferecer serviços tradicionais, com melhor margem.
Vejamos alguns exemplos reais que demonstram a força do SDN/NFV:
Em 2016, Intel e British Telecom concluíram um estudo sobre os benefícios do uso de vCPEs para clientes corporativos, pequenos, médios e grandes. O levantamento envolveu mercados na Europa, América Latina, EUA e Ásia-Pacífico. A experiência consistiu em usar CPEs virtuais (vCPEs), movendo as funções do dispositivo para a nuvem da operadora ou para servidores no local do cliente, comparando os custos praticados com o modelo tradicional.
Ao final, os números apresentados revelaram grandes vantagens para o modelo virtualizado. Alguns deles: redução de 32% a 39% no custo de instalação dos vCPEs e até 90% de redução do custo de aquisição de hardware para grandes clientes usando-se a nuvem da operadora como hospedeira. A economia potencial monetizada projetada para um período de cinco anos seria de cerca de US$ 259 milhões. Para pequenos e médios clientes corporativos, a economia foi de 33% quando usando hospedagem na nuvem, e um pouco menor se instalando servidores no cliente. Em cinco anos, em função da escala, a payback poderia chegar a US$ 17,3 bilhões.
O segundo caso mostra um uso diferente da tecnologia. A AmLight é um consórcio de empresas que detêm redes de transmissão voltadas ao ensino e pesquisa. Elas conectam América Latina, Estados Unidos e Europa, e a brasileira RNP é membro. A AmLight é responsável pela transmissão dos dados gerados pelo telescópio recém construído no Chile chamado Large Synoptic Survey Telescope (LSST), que contém a maior câmera digital do mundo, dentre outros projetos científicos de grande porte.
A AmLight escolheu o SDN controller open source brasileiro Kytos, criado pelo grupo SPRACE (São Paulo Research and Analysis Center) para orquestrar as redes SDN que conectam o LSST no Chile ao datacenter nos EUA e onde mais seja necessário. O Kytos está sendo evoluído com foco na transmissão de volumes de dados massivos para suportar grandes projetos científicos, tais como o CMS (Compact Muon Solenoid) e o LHC (Large Hadron Collider), além do LSTT.
A questão é simples: o telescópio produzirá dezenas de terabytes diariamente e precisará enviar rapidamente os dados para diversos centros de processamentos (data centers) ao redor do mundo. Aí que entra o SDN controller. Em questão de minutos, o Kytos agirá sobre diversos links de 100 Gbps entre a fonte e o destino configurando um circuito SDN de alta velocidade dedicado multirrede que existirá por uma janela de tempo pré-determinada, longa o suficiente para o envio de toda a informação. Ao final do uso, os recursos de rede serão deslocados.
Anteriormente, eram necessários semanas ou meses de trabalho, muitos telefonemas e trocas de emails com os engenheiros de todas as redes envolvidas para criar o circuito. O ganho operacional é tremendo. Provisionar um serviço de rede WAN intercontinental complexo em minutos é impossível usando-se os paradigmas das redes tradicionais. A SDN consegue.
A Telstra é uma operadora australiana. Levava cerca de três semanas para provisionar serviços WAN para seus clientes corporativos, em função do excesso de manualidades e descentralização da gestão dos elementos de rede. Ainda, os clientes precisavam permanecer com o serviço durante um ano. Após implementar a rede programável PEN (Programmable Network), os clientes puderam contratar banda sob demanda e a gerenciar suas redes na nuvem, além de permitir a contratação de firewall e roteadores virtuais. Mais importante: o tempo de provisionamento dos serviços caiu para segundos, e os clientes têm que ficar apenas horas com o serviço contratado. Muitos clientes precisam sincronizar seus data centers em janelas de tempo específicas e curtas. Pagar por um circuito de alta velocidade dedicado 24/7 por um longo período é desperdício.
No Mobile World Congress (MWC-19), em Barcelona, a Telefónica apresentou um protótipo de rede aberta convergente que permite a desagregação e virtualização dos elementos de rede, características do SDN, e uso de computação de borda (edge computing), que permitirá serviços de baixíssima latência, fundamentais para carros autônomos, drones, IoT e realidade aumentada. Semelhante ao PEN, a implementação da Telefónica permitirá aos clientes gestionar a rede de acordo com suas necessidades e consumir funções virtuais e banda sob demanda.
No Brasil, A TIM está construindo uma rede de datacenters focados em edge computing que usarão sistemas de NFVI. A Embratel lançará ainda este ano serviços baseados em edge computing visando clientes como bancos e hospitais. Ela usará o orquestrador Open Stack.
Desde seu surgimento, a tecnologia SDN/NFV promete aumentar receita, reduzir Capex e Opex, além de melhorar os índices de satisfação do cliente. Os casos mencionados ilustram como essas metas podem ser alcançadas. Entretanto, o potencial latente é muito maior. Especialistas já falam em market places de funções virtuais para NEs, IoT, drones e carros autônomos, nos quais clientes poderiam comprar ou alugar funções virtuais customizadas de fornecedores diferentes.
Muito se fala em 5G. É inegável sua relevância no futuro das telecomunicações móveis, principalmente em relação à experiência do usuário, mas a disrupção esperada em IoT, IA e cidades inteligentes só acontecerá quando houver uma infraestrutura na qual 5G, edge computing e SDN/NFV se complementem.