Banda larga fixa, rede Wi-Fi e Conectividade Significativa

Durante o evento nacional da Abrint 2024 em São Paulo, no qual tive a honra de compor um painel sobre conectividade significativa, aproveitei o momento para expressar as ideias que reúno agora para compor esse artigo. Primeiro, fazendo uma definição do que é conectividade significativa e em quais pilares esse conceito inovador está firmado. Depois, mostrando que a banda larga fixa e sua extensão através das redes Wi-Fi depende de toda largura da faixa de 6 GHz para efetivamente garantir que a conectividade significativa aconteça em todas as dimensões preconizadas pela União Internacional das Telecomunicações – UIT e pela Aliança por uma Internet Acessível – A4IA.

Com a perspectiva, cada vez mais próxima, da universalização do acesso básico à internet, principalmente no Brasil com a expansão das redes de banda larga fixa para todos os municípios através das prestadoras de pequeno porte – PPPs, a agenda de políticas públicas de conectividade passou a considerar um conjunto ampliado de atributos para uma análise abrangente e aprofundada das dinâmicas de acesso e uso da internet.

Nessa perspectiva, as preocupações vão além da existência de infraestrutura de acesso e a questão crucial passa a ser que tipo de acesso está disponível aos indivíduos, considerando fatores como a frequência de uso da internet, o acesso a dispositivos adequados, a oferta de velocidade de conexão apropriada a preço acessível e a capacidade individual de aproveitamento das potencialidades das tecnologias da informação.

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A essa situação de plena e efetiva inclusão do cidadão no ecossistema digital chamamos "conectividade significativa", que se manifesta quando ele dispõe das condições, conhecimentos e habilidades digitais necessários para acessar a Internet: (1) todos os dias, (2) em um dispositivo adequado, e com (3) a quantidade de dados e (4) a velocidade de acesso apropriados, nos termos do conceito definido pela Alliance for Affordable Internet (A4AI)[1], a Aliança por uma Internet Acessível.

Em 2020, a A4AI publicou o documento Meaningful connectivity: A new target to raise the bar for Internet access, que manifesta a importância de uma agenda mais extensiva de uso e acesso da internet. Segundo o documento, as pessoas não se conectam à internet da mesma forma. Logo, se os formuladores de políticas públicas se basearem apenas em métricas usuais de infraestrutura, seus esforços para melhorar o acesso para todos não serão bem-sucedidos. De fato, ignorar as enormes diferenças na forma como as pessoas se conectam só exacerbará as desigualdades online e offline (A4AI, 2020, p. 3).

Mais especificamente, a conectividade significativa seria uma estrutura para mensurar e compreender a qualidade do acesso à internet que um indivíduo possui.  A proposta da A4AI define quatro dimensões mínimas para aferir a conectividade significativa (i) velocidade da conexão; (ii) dispositivos; (iii) pacote de dados; e (iv) frequência de uso; e indica que há conectividade significativa quando o usuário tem velocidades semelhantes às da tecnologia móvel 4G no smartphone que possui, com uso diário de um ponto de acesso ilimitado em algum lugar como casa, trabalho ou local de estudo.

Figura 1 – Framework da A4AI

A estrutura da A4AI pode ser traduzida em uma série de indicadores que serviriam de base para a mensuração da conectividade significativa em um determinado território, tais como os abaixo apresentados:

Figura 2 – Indicadores derivados do Framework da A4AI

Em 2020, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) também publicou um documento que propõe um marco conceitual para a conectividade universal e significativa, definida como o nível de conectividade que permite aos usuários uma experiência online segura, satisfatória, enriquecedora e produtiva, a um custo acessível (UIT, 2020, p. 2).

Essa proposta conceitual mais abrangente engloba aspectos como infraestrutura, custo acessível, habilidades digitais dos usuários, além da segurança tanto da conexão quanto durante a navegação na Internet.

Ou seja, no caso da UIT, foram delineadas métricas para a conectividade significativa baseados em cinco condicionantes essenciais: (a) infraestrutura, que considera a disponibilidade e qualidade das redes fixas e móveis; (b) acessibilidade financeira, que se refere aos custos das conexões e dos dispositivos; (c) dispositivos de acesso à Internet, que destaca a disponibilidade de equipamentos móveis e fixos; (d) habilidades online, que permitem aos indivíduos o aproveitamento das oportunidades oferecidas pela rede; e (e) segurança da conexão e para a navegação, cruciais para a experiência do usuário na internet. Desse modo, segundo a UIT, um indivíduo com conectividade significativa é aquele com acesso a uma infraestrutura confiável e rápida, a custos acessíveis, que tenha posse de um ou mais dispositivos de acesso à Internet, conte com habilidades online adequadas às suas necessidades e tenha garantida uma navegação segura.

Figura 3 – Framework da UIT

A estrutura da UIT permite ser derivada em um conjunto grande de indicadores que serviriam de base para a mensuração da conectividade significativa em um determinado território, tais como os abaixo apresentados:

Figura 4 – Indicadores derivados do Framework da UIT

Esses dois referenciais conceituais buscam mostrar que a qualidade de acesso da população às tecnologias digitais, utilizando o conceito de conectividade significativa como referencial analítico, tem três características intrínsecas a serem observadas:

A primeira é a preocupação com a conectividade que vai além da existência de infraestrutura de acesso na qual a questão crucial passa a ser que tipo de acesso está disponível aos indivíduos, o que inclui fatores como a frequência de uso da internet, o acesso a dispositivos adequados e a oferta de velocidade de conexão apropriada;

A segunda é a necessidade de um exercício crítico para compreender a presença da conectividade a partir da identificação de disparidades quanto ao uso da rede e a presença de habilidades digitais;

E a terceira é o redirecionamento da conectividade para o uso da internet associado ao mercado de trabalho ou às políticas de acesso na escola para além do acesso nos domicílios ou aquele popularizado pelas conexões no telefone celular.

O conceito conectividade significativa tem sido mundialmente difundido pelos esforços da UIT e de diversos órgãos reguladores setoriais e tem sido acompanhado por aquele órgão da ONU que tem situado o Brasil em posição acima da média satisfatória em diversos indicadores relativos à conectividade significativa:

Figura 5 – Posição do Brasil no Framework de Conectividade Significativa da UIT

Fonte: UIT, disponível em < https://datahub.itu.int/dashboards/umc/?e=BRA>

O certo é que o Brasil fez por merecer esse reconhecimento internacional em matéria de conectividade com banda larga fixa. Nos últimos 10 anos, saímos de 25,4 milhões de acessos de banda larga fixa para 47,2 milhões, sendo 72,6% desse total ofertado por meio de fibra ótica até a residência do consumidor. Nesse mesmo período de tempo, a banda larga móvel passou a conviver com limitações ainda mais sérias para expandir a sua infraestrutura e a Anatel já se preocupa com a estagnação no adensamento das redes móveis[1].

É perceptível que a experiência do usuário na banda larga fixa continua sendo superior àquela existente na banda larga móvel, com velocidades de download maiores, latências menores e inexistência de barreiras ao tráfego de dados, com o custo do acesso menor que o de dez anos atrás.

Um indicador representativo dessa diferença é o Speedtest Global Index[2], que mede a qualidade das bandas largas fixa e móvel entre vários países, segundo o qual, atualmente, a velocidade média de download na banda larga fixa se situa acima do patamar médio global e está entre as 28 nações mais bem ranqueadas, com 166,24 Mbps (perante uma média mundial de 93,67 Mbps). Já na banda larga móvel, o Brasil ocupa o 45º lugar, com uma velocidade média de download de 62,95 Mbps enquanto os demais países tem média de 52,48 Mbps:

Com 54% da oferta de banda larga fixa dominada pelas prestadoras de pequeno porte – PPPs, maior velocidade para download e upload com redução do custo do megabit trafegado; e com mais de 80% do volume de tráfego de dados suportado pelas redes fixas, é natural que se faça uma relação direta entre o conceito de conectividade significativa e o serviço de banda larga fixa associado às redes Wi-Fi.

Logo, a defesa da manutenção da destinação integral da faixa de 6 GHz para o uso Wi-Fi não licenciado faz todo sentido, mesmo com toda pressão das operadoras móveis e a indústria que as suporta. Com as características do Brasil e com os índices de conectividade via fibra ótica que atingimos em praticamente todos os municípios, seria um retrocesso se a Anatel voltasse atrás em sua acertada decisão de destinar 100% da faixa de 6GHz para o uso Wi-Fi não licenciado e optasse pela destinação da maior parte desta faixa para o serviço móvel que, decididamente, não precisa de mais espectro para continuar prestando o seu serviço.

*- Sobre o Autor: Aníbal Diniz, 61, Advogado (OAB-DF), consultor da AD Advisors e da Associação NEO. Graduado em História pela UFAC, atuou no jornalismo (1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco (1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador da República PT-AC (2011 e 2014) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019). As opiniões expressas nesse aritgo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

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Bibliografia:

Alliance for Affordable Internet. (2020). Meaningful connectivity: A new target to raise the bar for Internet access. https://a4ai.org/wpcontent/uploads/2021/02/ Meaningful-Connectivity_ Public-.pdf

União Internacional de Telecomunicações. (2020). Manual for measuring ICT access and use by households and individuals, 2020 edition. https://www.itu.int/en/ ITU-D/Statistics/Pages/ publications/manual.aspx

[1] Ver a matéria "Anatel está preocupada com estagnação no adensamento da rede móvel", publicada pelo Portal TELETIME e disponível em https://teletime.com.br/21/06/2024/anatel-esta-preocupada-com-estagnacao-no-adensamento-da-rede-movel/

[2] Disponível em < https://www.speedtest.net/global-index/brazil#fixed>

[1] a Aliança para uma Internet Acessível (Alliance for Affordable Internet, A4AI) é uma aliança de sector privado, sector público, e organizações da sociedade civil que se uniram para levar adiante o objetivo comum de acesso a internet móvel e fixa a preços acessíveis nos países em desenvolvimento.

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