Conselheira da OAB aponta arbitrariedades e violações de direitos no PL das fake news

O parecer da advogada e conselheira do Conselho Federal da OAB (CFOAB), Sandra Krieger, mostra que, caso o PL das Fake News (PL 2.630/2020) seja aprovado, abre-se uma oportunidade para a implementação de uma série de arbitrariedades e violações de direitos constitucionais na Internet. Krieger também é conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público e seu parecer pode ser votado pelo pleno do Conselho da Ordem no próximo dia 20 de julho.

Krieger diz que o texto aprovado no Senado e hoje em análise pela Câmara dos deputados apresenta uma série de problemas nos conceitos adotados e está repleto de redundâncias, a começar pelo próprio título do projeto de lei, uma vez que trata justamente de princípios e regras já previstos na legislação vigente.

"Ademais, ao longo do texto do projeto, verifica-se que o legislador manteve o foco em tratar superficialmente o problema da desinformação, desenvolvendo mecanismos de vigilância em excesso, que violam a privacidade dos cidadãos e que são difíceis de fiscalizar", afirma a advogada no documento.

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O parecer afirma que o efeito colateral da proposta vigilantista contida no PL será o acesso desmedido às informações privadas, facilitando, tecnicamente, o vazamento de dados pessoais, a censura e o controle/vigilância dos cidadãos; "enquanto aqueles que pretendem difundir a desinformação encontrarão várias formas de fazê-lo, codificando informações para que os sistemas não consigam verifica-las como repetidas e utilizando meios como a 'deep web'".

Na visão da conselheira, o projeto tem uma série de regras que pode representar embaraço ao direito constitucional de liberdade de expressão e uma burocratização de mecanismos já previstos na legislação vigente, sem efetivamente combater as fake news.

Conceitos vagos

Na avaliação da advogada, Projeto de Lei 2.630/2020 tem premissas equivocadas que comprometem a eficácia do que se pretenderia uma lei de combate às notícias falsas e desinformação. Para ela, o texto traz uma série de definições muito superficiais sobre todos os temas abordados em seu conteúdo. "Percebe-se com clareza que a norma foi elaborada para alvejar as grandes plataformas como WhatsApp, Facebook e Twitter, sobretudo em se temendo as práticas de uso político e ataque pessoal que adquiriram muita evidência nas eleições, mormente a de 2018", diz o parecer. As plataformas já se posicionaram sobre o PL, afirmando que ela aumenta a exclusão digital.

As definições apresentadas no PL deixaram de lado questões fundamentais, tornando-o vago, diz Sandra Krieger. "O PL é frágil e em muitas medidas poderia, se aprovado, levar a aplicações arbitrárias ou então ser ineficaz. O conceito operacional ou referencial do que seja 'fake news' ou mesmo qual o alcance do termo 'desinformação' não tem nenhuma pista no texto, o que por certo dificulta sua aplicação e interpretação", afirma.

Ineficácia do método de identificação

A advogada também questiona o sistema de cadastro que o PL traz. "Ao que parece, não vem dotado de eficácia, ante a distinção abissal entre criar contas falsas para fraudar as redes sociais e o abuso da liberdade de expressão feita por pessoas comuns. O primeiro, ressalte-se, pode ser eventualmente burlado através do uso de bancos de dados vazados", diz.

Sobre o abuso da liberdade de expressão, a conselheira da OAB diz que o controle proposto pelo texto aprovado no Senado já é devidamente sedimentado pelos Tribunais a partir de um conjunto normativo já existente (Marco Civil da Internet em especial) e não prévio, o que efetivamente acabaria se tornando em censura.

"O que vem estabelecido no Projeto de Lei contém, ao meu sentir, instrumento jurídico ineficiente para identificar criminosos que espalham 'fake news' inclusive com fins eleitorais, e não aprimora a capacidade de identificar pessoas comuns que usam das redes para propalar ódio e ameaças", aponta a advogada.

Rastreamento de mensagens ineficiente

Krieger diz que o texto do PL aprovado no Senado claramente busca rastrear origens de correntes de WhatsApp. "Mas parece ineficaz para esse fim. Isso porque o conteúdo das redes transita em um macrossistema de plataformas, compartilhado de uma rede para a outra, várias vezes. Estudos acerca do tema registram que durante as eleições de 2018, até um sexto das mensagens compartilhadas em grupos políticos de WhatsApp eram links, cuja maioria remetia à outras plataformas.

A advogada diz que bastam pequenas alterações na mensagem para quebrar o registro de encaminhamento, como copiar e colar o conteúdo de novo, ou tirar capturas de tela. "Portanto, essa abordagem de vigilar a comunicação não cumpre seu único propósito de identificar a origem do conteúdo", afirma.

Confira o parecer na íntegra aqui.

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