A liberação das faixas de espectro para o início das operações de 5G corre o sério risco de atrasar mais ainda, mas desta vez por conta de uma burocracia do próprio governo. Segundo apurou este noticiário junto a fontes do GAISPI (grupo gestor coordenado pela Anatel responsável pelas atividades de liberação da faixa de 3,5 GHz), o Ministério da Cidadania está, desde abril, criando empecilhos para que a base de beneficiários do Cadastro Único possa ser repassada à Anatel a fim de que a EAF (Entidade Administradora da Faixa) possa planejar o cronograma e a logística de distribuição gratuita dos kits de recepção dos sinais de TV via satélite em banda Ku aos beneficiários dos programas sociais.
A base de dados do Cadastro Único é essencial porque o edital de venda das frequências de 5G estabeleceu como obrigação, respaldado por política pública emanada pelo Ministério das Comunicações, que a faixa de 3,5 GHz só poderia ser liberada depois de iniciada a distribuição e instalação dos kits de recepção em banda Ku aos atuais domicílios com parabólicas onde haja residentes do Cadastro Único. Sem a base do CadÚnico, fica impossível cumprir essa determinação
Segundo documentos a que este noticiário teve acesso, desde abril a agência pede formalmente acesso aos dados, o que não seria nenhuma novidade para o Ministério da Cidadania. Durante o cumprimento das obrigações do leilão de 4G, realizado em 2014, o Gired (grupo gestor da Anatel que coordenou a liberação da frequência de 700 MHz) teve amplo acesso à base dos programas sociais. O problema e que, por questão de sigilo, estas bases não podem ser compartilhadas para usos distintos dentro da agência, e apenas podem ser utilizadas em finalidades especificamente definidas pelo Ministério da Cidadania.
Uso político?
A burocratização no compartilhamento do dado estaria ligada a uma demanda por alguma atividade política relacionada ao 5G e à distribuição de kits, segundo relatos ouvidos por este noticiário. O problema é que a análise dos dados do CadÚnico é necessária numa fase muito preliminar do processo de distribuição dos kits, que é justamente estabelecer quem tem direito à política pública, as quantidades e os locais prioritários, o que tem que ser feito com base em critérios absolutamente técnicos.
Procurado, o conselheiro da Anatel Moisés Moreira, presidente do GAISPI e do GIRED, confirmou a dificuldade sem, contudo, entrar no mérito em relação às razões. "De fato, estamos tendo uma dificuldade surpreendente de acesso a uma base de dados que sempre foi compartilhada para políticas públicas implementadas pela Anatel, e se esse atraso persistir, é certo que teremos mais atrasos na implantação do 5G", disse o conselheiro. "Mas não posso especular sobre as razões do atraso, porque isso (a sonegação de compartilhamento) nunca havia acontecido"
Na semana passada, por outra razão, o processo de ativação das operações de 5G na faixa de 3,5 GHz já precisou ser postergada por 60 dias, em função de dificuldades na logística de produção e importação dos filtros necessários às operações profissionais de serviços via satélite na banda C. Mas o problema agora enfrentado é muito mais grave, porque o cronograma de distribuição de kits tem potencial de impactar pelo menos 8 milhões de residências que, estima-se, poderão ser beneficiadas com a recepção gratuita dos kits. Caso a distribuição não seja iniciada (com rigoroso controle sobre quem recebe os equipamentos), a faixa de 3,5 GHz não poderá ser liberada pela Anatel.